Animalada,
de Sergio Bizzo
Animalada, Argentina,
2001
Naquela hora, eu realmente
estava precisando assistir um filme como Animalada. Eu tinha acabado
de sair da sessão de Desejo insaciável – que achei
um excelente filme, mas nem um pouco agradável – e meu estado de
espírito não estava dos melhores, decididamente, posso dizer
inclusive que não seria muito confortável voltar para casa
com o filme de Claire Denis latejando na cabeça – ponto para o
filme dela, com certeza, aliás. De todo jeito, um casal de amigos,
a Inês e o Dum-dum, me chamou para ver o filme argentino, sobre
um homem que se apaixona por uma ovelha, e eu demorei um pouco para decidir,
porque naquela hora não estava muito fácil decidir coisa
alguma. Com a carona para casa garantida, fui ao filme então. Perfeito.
Tive um filme que se diverte em contar uma história que se leva
a sério, ganhei alguns risos com piadas infames – uma platéia
bem-disposta ajuda muito nessas horas.
Até que tive
sorte, porque o filme atrasou bastante, e me deu tempo de decidir. Fiquei
sentado entre o Dum-dum e o Guilherme Tristão, e de vez em quando
eu e este último fazíamos comentários do gênero
"que cara-de-pau!", "que absurdo...", enfim, foi uma
grande diversão. Um pouco abaixo de nossos pés estava sentado
meu colega de Contracampo Duda Valente, que, mesmo tendo à sua
disposição uma cadeira com o carimbo de conforto do Espaço
Unibanco, preferiu se espraiar pelo chão, (na verdade há
um vão no chão, em frente à tela, que eu já
havia comentado com a Inês que merecia uma boa almofada, mas o Valente
nem quis esperar almofadas, o que, não sei bem por quê, me
lembrou da época em que eu ia para a Cinemateca do MAM levando
debaixo do braço um travesseiro para resolver o desconforto), e
participava ativamente das gargalhadas da platéia. E a platéia
estava disposta a gostar do filme, com certeza. Animalada já
tivera sua primeira exibição cancelada, devido a pequenos
problemas enfrentados na nossa sempre tão prestativa alfândega
(ao que parece, espalhou-se pela internet o boato de que as cópias
dos filmes árabes, franceses e argentinos continham armas químicas
terroristas perigosíssimas), mas, enfim, a cópia do filme
chegou para a exibição da madrugada e, após um atraso
monumental por falta de tempo hábil para colocar o filme nos carretéis,
atraso este que foi a primeira evidência de bom humor do público,
tivemos então uma sessão praticamente lotada que se iniciava
pouco depois de meia-noite e meia.
Pois então:
com menos de cinco minutos de filme a situação já
é colocada com bastante clareza, quando o protagonista Alberto
se fascina por sua ovelha – e aí boa parte do público já
veio abaixo. A partir daí, o que tivemos foi isso, um filme que
segue com debochada seriedade todas as convenções da linguagem
cinematográfica para contar sua história em tom de tragédia
farsesca, com uma platéia à beira da histeria cômica
(a chamada ingrisia) valorizando cada instante climático
do filme. Como notou Duda logo depois da sessão, o filme leva a
sério cada uma das suas situações, consegue dar às
situações mais inusitadas um clima entre a falsa seriedade
e a cafonice. Temos Alberto perdendo a razão e se tornando um perigoso
assassino em nome do seu amor, perdendo todos os demais vínculos
familiares, criando um ritual de casamento com sua ovelha amada, riscando
corações em árvores e temos até mesmo o suspense
se impondo quando surge um carneiro que resolve roubar-lhe sua amada.
O protagonista leva muito a sério a sua situação,
numa interpretação admirável do ator Carlos Roffé,
mas a platéia só se divertia, e muito. Lembrei-me de outros
casos de filmes com relações amorosas com animais, me parece
que a referência mais óbvia para o filme seria o episódio
com Gene Wilder no filme de Woody Allen, Tudo que você sempre
quis saber sobre sexo... (a história é semelhante),
mas também lembrei do filme de Oshima, Max mon amour, em
que o caso de amor entre Charlotte Rampling e um macaco é visto
de forma bem mais incômoda.
Não é
isso que se pode esperar de Animalada, a transgressão é
vista como uma grande tiração de sarro. Como notou o Guilherme
Tristão lá pelo meio do filme, parecia um certo tipo de
comédia feito no Brasil nos anos setenta (e na Itália, e
até nos EUA, como Woody Allen, lembraria eu).
Se for isso que se
espera dele, o filme satisfaz plenamente seus intentos. Como notou Ruy
Gardnier num artigo recentíssimo aqui na Contracampo, num festival
o cinéfilo acaba "montando" os filme à sua maneira,
escolhendo quais vão suceder uns aos outros. Foi, como já
contei, uma decisão inesperada assistir a Animalada depois
de ver o filme de Claire Denis, mas posso garantir que foi um belo alívio,
uma sessão de uma boa descontração. Enfim, pareceu-me
mesmo que é só a isso que se propõe o filme, e comigo
funcionou.
Daniel Caetano
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