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Mônica queria ver o filme do Godard

Na mostra dedicada a José Lino Grunewald,
repleta de filmes importantes e interessantes, um cineasta – quem diria!
– mais do que os outros foi procurado pelo público e lotou todas
as sessões de seus filmes: Jean-Luc Godard. Desde a sessão
de abertura, no Espaço Unibanco 3, a fila que se desenhava em meio
às taças de vinho que ainda passavam para os convidados
do lançamento do livro já impressionava tanto pelo tamanho
quanto pela natureza dos que se punham um atrás do outro: um público
eminentemente jovem, abaixo ou em torno dos 25 anos, em sua maioria novos
cinéfilos, que queriam pela primeira vez assistir a Acossado
em película (supondo que já pudessem ter travado contato
com a trágica cópia distribuída às bancas
de jornal pelas edições Altaya).
O mesmo aconteceu a partir do dia seguinte,
quando o luxo e o hype do Espaço Unibanco deram lugar à
modéstia da sala do Estação Paço, geralmente
restrita a prolongar por mais uma ou duas semanas as carreiras dos filmes
de arte e ensaio. Uma Mulher É uma Mulher, A Chinesa
e Acossado novamente lotaram a sala do Paço Imperial,
ganhando fácil de filmes que tiveram platéia modesta ou
até mesmo pequena (Os Cafajestes, de Ruy Guerra, ou A
Noite, de Michelangelo Antonioni).
Mas esse é apenas um lado da moeda.
Se a curiosidade do público diante de Godard só aumenta
(a se ver também o incrível sucesso conseguido pela retrospectiva
realizada pelo CCBB em abril de 1999), a recepção de seus
filmes continua decepcionando. Não foi raro ouvir expressões
como "chato", "incompreensível", "maçante", "pelo menos
dá pra rir", até chegar à grande assertiva de senso
comum "Esse Godard não sabia mesmo filmar". É curioso perceber
que, mesmo 40 anos depois, Godard é vítima da opinião
do senso comum da mesma forma que a arte moderna, mesmo amparada pelos
museus, ainda pode sofrer frases como a anedótica "Meu filho, garanto
que você pode fazer alguns desenhos melhores do que esse Picasso".
E como na mesma anedota, onde o curador expunha
o pai ao ridículo dizendo ao menino que este conseguiria emitir
uma frase mais inteligente do que aquela que o pai acabara de dizer, sente-se
a vontade de redargüir: "Não é o diretor que é
pouco talentoso, é o espectador que é meio burro". Porque
a questão sobre a "pobreza" da arte moderna, em cinema como em
pontura, é a tentativa de fazer o espectador compreender qual é
a natureza da beleza, qual é o estatuto da representação
na arte. Essas questões foram e são seguidas pelos pintores
e por Godard até hoje, mas ninguém mais parece querer entender.
Como se fez com Picasso ou Klee ou Matisse – onde tenta se recriar uma
visão da pintura que ponha em crise os postulados clássicos
de representação –, hoje se faz com Godard: vai-se em busca
do autor mais pelo grau de "griffe" que ele representa do que por uma
verdadeira compreensão (e maravilhamento) daquilo que ele significa.
Admira-se o rosto de Jean Seberg sem saber o que querem dizer os jump
cuts quando ela é filmada de costas, no carro de Belmondo. Ri-se
à beça em todas as piadas com os militantes de A Chinesa,
mas nunca se chega a questionar seriamente qualquer das posições
políticas e ideológicas que o filme apresenta e que os personagens
ora encarnam, ora não.
Parece que a falsa dúvida levantada
por Godard a propósito de Uma Mulher É uma Mulher reflete-se
em seu público de hoje, mas a resposta é negativa. Nesse
filme, uma das frases célebres é "Não se sabe se
é uma comédia ou uma tragédia; em todo caso, é
uma obra-prima". Na mostra Um Filme É um Filme, o público
achou que Acossado, filme em que o herói morre no final,
era uma tragédia, e A Chinesa, onde há muitas piadas,
uma comédia. Só que, neste caso, o público não
se trata de uma obra-prima. Quem sabe haja em A Chinesa um triste
velório das esperanças revolucionárias e em Acossado
uma feliz constatação diante da necessidade e do destino,
e uma profissão de fé na fugacidade? Em todo caso, não
foi essa a interpretação dominante na lotada sala do Paço.
Alguns desviantes, como de costume. Mas Godard continua a desconcertar,
compreendido ou não. Em todo caso, como no filme, ele ainda é
uma obra-prima.
Ruy Gardnier
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