O Homem Sanduíche, 1983



O Homem Sanduíche de Hou Hsiao-hsien

A história se passa em 1962, uma história de subúrbio, singela, um jovem que, para poder ter seu primeiro filho com sua mulher, aceita sub-empregos para se sustentar. Simples, né?

Simples nada. A coisa é dureza.

Na verdade, o título do filme, traduzido, seria O Bonecão do filho, e é um episódio de curta-metragem num longa composto por mais outros três filmes, este sim intitulado O Homem-sanduíche.

E é justamente o protagonista do filme de Hsiao-Hsien que trabalha como homem-sanduíche, um sujeito vestido de palhaço que carrega placas como um outdoor ambulante, e que ao fim se descobre e se aceita como um bonecão para seu filho.

Taiwan, subúrbios, 1962, o país não tinha nem quinze anos, Chang Kai-Check no poder, até tem uma grana chegando dos americanos e dos japoneses, mas a vida não devia estar nada fácil não, ainda mais para um casal de jovens nem sequer alfabetizados.

Não é mole não. O sujeito, chamado Kun-Chu, casa, quer garantir a família, não consegue emprego decente, convence um outro a contratá-lo para ficar trabalhando de homem-sanduíche e fica todo contente ao poder contar para a mulher, chamada Ah-Chu, que já podem ter um filho, vai se chamar Ah-Lung... Mas pensa que é fácil? Fácil nada, trabalhar o dia inteiro, vestido como um palhaço, saindo antes do filho acordar, chegando depois dele dormir, e você só vê ele na rua, durante o dia, fantasiado de palhaço, teu filho só te vê fantasiado de palhaço. E tem que topar ficar sendo espezinhado pela garotada, tendo até que ouvir da própria família que aquela situação envergonha a todos, essa mesma família que não dá apoio nenhum... Aí você chega em casa depois de ouvir uma bronca desmoralizante do patrão, e aí a comida não está pronta na hora de sair, e aí pronto, você não se segura, trata a mulher mal. Justo ela, que cuida da criança e ainda lava roupa o dia inteiro para dar uma força no orçamento... Brabeira, cara, tremendo perrengue.

Mas tem que segurar a onda. Até porque com esforço e um pouco de sorte as coisas melhoram. E o sorriso da criança vale isso tudo. Quem sabe uma hora não aparece uma chance de melhorar de trabalho, até ganhar um pouco mais? E aí nem vai mais precisar se vestir de palhaço...

E se depois o garoto não te reconhecer mais sem a fantasia?

Simples? É simples no jeito de abordar a história, mas incrivelmente sofisticado, seja nos cuidados com os detalhes mostrados, seja nos flash-backs, seja na força do trabalho de toda equipe, atores, da música e da narrativa.

E tem algo de profundamente ligado à vida, às vísceras do mundo, e isso a gente sabe que não se explica.

Daniel Caetano