Marte Ataca!



Marte Ataca! de Tim Burton

Os alienígenas chegam, colocam as cidades abaixo, dão uma surra no exército até que a população descobre um método eficiente de acabar com eles. É Independence Day? Não, trata-se de seu primo bizarro, Marte Ataca!, opus de ficção científica dirigido por Tim Burton, uma das mais cálidas homenagens ao gênero ficção científica já perpetradas, assim como um dos mais virulentos ataques já feitos ao american way of life.

Vejamos: o presidente é um banana que nunca toma nenhuma decisão sem consultar seu consultor de marketing, pessoa mais importante no governo. É casado com uma megera burra e tem uma filha linda que ele não dá a menor bola. O exército é comandado por um tipo primitivo, turrão e belicista. O assessor científico não acerta nenhuma de suas previsões. A Rede de Televisão manda no país, tem informações privilegiadas e dita o horário que o (suposto) chefe supremo da nação vai fazer seu pronunciamento. Já na sociedade, o lucro comanda tudo, e o dinheiro está nas mãos de picaretíssimos donos de cassinos. Os heróis do filme são um boxeador aposentado, um adolescente nerd apaixonado pela sua avó caduca (que por sinal tem um irmão que é um fuzileiro perfeito, adorado pelos pais, o primeiro personagem do filme a morrer) e duas crianças negras fãs de jogos eletrônicos.

Em alguns aspectos, são os mesmos ingredientes de Independence Day, nazistíssimo megaespetáculo de ficção científica dirigido pelo alemão Roland Emmerich. Apenas se troca uma visão militarista/nacionalista por outra, debochada, quase inconseqüente. E o clima sério e solene por outro que lembra os desenhos da Warner. Uma das cenas em que isso fica mais claro é quando os alienígenas promovem um massacre no Congresso, recebido a risadas pela população (estão matando os deputados, ha ha ha...).

A inspiração para essa obra foram uma série de figurinhas pretensamente infantis que foram confeccionadas nos anos 50, da editora Topps. Elas mostravam uma invasão marciana na Terra, com alienígenas cruéis e sacanas, que queimavam rebanhos de gado e saíam detonando os pontos turísticos do planeta. Para se fazer o roteiro do filme, várias destas imagens foram ordenadas por Burton e pelo roteirista, 'inventando' uma história como fio condutor. Aproveitou-se para um acerto de conta de Burton com o mundo. Poucos filmes de grande orçamento trucidam tantos astros e estrelas hollywoodianos, dão-lhes linhas de diálogo tão propositalmente estúpidas, e fazem tantas críticas diretas aos valores americanos.

O filme presta dezenas de homenagens a filmes dos anos 50. As naves se movem como em Plan Nine from outer Space, mas após a aterrissagem ficam iguais a O Dia que a Terra parou (que por sinal foi citado de novo por Burton em O Planeta dos Macacos). Quando em posição de ataque, ficam iguais às de A Guerra dos Mundos, de onde utiliza-se de stock footage (quando mostra o Big Ben explodindo). Falando neste último, a solução final é uma adaptação do mesmo momento deste filme/ livro. Todos os clichês dos filmes desta era são revividos aqui: os cientistas que prevêem tudo errado, o mundo salvo pelas crianças... a única diferença é a visão dos alienígenas, na época sempre ameaçadores, aqui vistos como crianças crescidas, querendo brincar e atazanar os adultos (no caso, os governantes da Terra).

Uma das grandes sacadas são os discursos do presidente. São ocos, não dizem nada com nada, extremamente enrolados. Foram encomendados às mesmas pessoas que fazem os discursos dos (ex) presidente Clinton. Claro, uma citação a Plan Nine deve ter sido plantada por Burton ('os eventos que acontecem aqui afetarão nossa vida no futuro, que é para aonde estamos indo')... Falando nos funcionários do governo, o assessor de marketing vivido por Martin Short é espelhado em um subordinado de Bill Clinton, que ficava contando segredos militares para as prostitutas...

Uma das grandes vítimas da visão de Burton é o politicamente correto. 'Simbolizado' pela personagem de Anette Benning, é o motivo de dezenas de piadas do filme, com seus papos sobre 'nova era', força dos cristais e quejandos. Por sinal, o que detona a fúria dos alienígenas é uma pomba da paz solta por um hippie, desejoso de uma 'nova ordem mundial'.

Assim como Novo Aeon, de Raul Seixas, este é um trabalho feito no ponto alto da carreira de um grande criador que bombou nas bilheterias e não foi entendido propriamente em seu tempo. Mas é um dos grandes filmes de Burton, e um dos melhores momentos do cinema americano dos anos 90. E, mais raro ainda, um blockbuster inteligente e debochado, que pode ser entendido em vários níveis.

Carlos Thomaz Albornoz