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Nono filme de Hou hsiao-hsien, este A Filha do Nilo marca uma mudança na obra do autor: se até aqui ele fez filmes que abordavam, principalmente, o passado e um ambiente rural, a partir daqui parece se mostrar mais preocupado com o presente urbano de Taiwan, isto é, com o seu aqui e agora. Mas se isso acontece, se o objeto do filme muda, o tratamento que a ele é dispensado, e mais, o tipo de problemas que Hou destaca nele, tudo isso está em seus filmes anteriores; a passagem da infância à idade adulta, as relações entre passado, presente e futuro e mesmo a posição da câmera, que, distante da ação, apresenta um quadro sem, no entanto, tomar partido dele. Dito isso, passemos ao filme: a filha do Nilo de que fala o título é uma heroína de história em quadrinhos, moça americana que se vê perdida no Egito antigo – terra desconhecida para ela – e lá é seduzida por um príncipe. É através dos olhos de Lin Shiao-yang, personagem de Hou, que vemos as páginas da revista. É certo que há uma identificação entre a filha do Nilo e Lin, desde que a jovem também se vê em terreno desconhecido: com a morte prematura de sua mãe, se vê obrigada a tomar conta da casa onde vivem, além dela, duas irmãs, o avô, e, eventualmente seu irmão marginal e seu pai; à parte do trabalho na casa, Li ainda trabalha e estuda. A moça, mesmo sendo o centro da narrativa, não é agente ativo dos acontecimentos; ela é, porém, o lugar onde estouram as bombas: quando um amigo de seu irmão precisa escapar, é ela que levanta o dinheiro preciso, quando seu pai, policial, é ferido em serviço, é ela que faz as vezes de enfermeira, e ainda é ela que ajuda a pequena irmã a fazer os deveres escolares. Dividida entre a vida adulta e a infância, no momento mesmo em que está entre um e outro, é aí que observamos Lin; e o que na sua vida realmente impressiona é a inconseqüência não só de suas atitudes, mas de todos os personagens. É uma vida sem um sentido dado e à qual nenhum tipo é conferido – não há planos, e, portanto, os gestos não têm motivo algum. Dentro desse cenário vazio de sentido, a violência que permeia a existência da jovem – e não poderia ser diferente, com ela vivendo em um centro urbano tendo como irmão, um gangster – é absolutamente sem importância e está inserida em seu quotidiano da mesma maneira que está, por exemplo, o fato de seu avô jogar na loteria todo santo dia. Filme de transição na obra de Hou, A Filha do Nilo, em mostrando um pequeno pedaço da vida de Lin Shiao-yang e daqueles que a cercam, se não chega a se comparar com outras obras do autor, consegue delinear todos os temas que a partir dali passaram a fazer parte de sua obra com uma beleza singular. Juliana Fausto
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