Crioulo Doido (1970)




Crioulo Doido de Carlos Alberto Prates Correia

Crioulo Doido é o primeiro filme de Carlos Alberto Prates Correia e nele já podemos observar a principal originalidade de sua obra dentro do cenário cinematográfico brasileiro: a depuração da dramaturgia e do plano, a discrição e a simplicidade das soluções de mise-en-scène. Mas não se pense que simplicidade possa ser confundida com preguiça ou desleixo. Ao contrário: a obra de Carlos Alberto Prates Correia tem uma rigidez e um apuro formal alcançados através de um trabalho intelectual profundo e uma compreensão aguda do plano cinematográfico.

Quando assistimos a cada um de seus filmes, somos sempre desfigurados pela força de sua direção, pelo peso que tem cada plano, pela forma nada dinâmica através da qual personagens e situações vão se desenhando. Não que a forma em seus filmes se imponha ditatorialmente àquilo que é narrado: é que o "como", as escolhas do encenador, é em seus filmes tão ou mais sedutor do que o "o quê", aquilo que é narrado. Da mesma forma que a encenação, as histórias dos filmes de Prates Correia são simples, quase simplórias.

Filmado inteiramente no estado de Minas Gerais, terra natal do diretor (mais especificamente Montes Claros), narra a vida de um costureiro negro, um eficiente profissional que tem contudo problemas emocionais devido a sua falta de afirmação social, atribuída por ele ao preconceito de cor (e não à toa). Ele então vai almejando mais e mais posições sociais que o tornem mais bem sucedido, tanto social quanto financeiramente.

Uma mudança decisiva ocorre numa cena hilária e ácida em que o crioulo (ainda não doido) vai a uma festa. Ele conversa com a filha da dona da casa, que certamente imbui-se de preconceitos diante de um costureiro negro. Quando ele trata a moça com mais intimidade, ela lhe dispensa o mais frio dos tratamentos. Quando, mais tarde na festa, ela descobre que ele está rico e tem futuro promissor, passa a dedicar-lhe todas as atenções, até nos meses seguintes conseguir casar-se com ele.

Casado, sua vida financeira passa a caminhar em progressão geométrica, e as aporrinhações em casa vão pelo mesmo caminho. Cada vez mais rico e, por pressões da esposa, tornado fazendeiro, nada que o crioulo faça consegue suprir a sede de poder de sua esposa, a quem ele nitidamente se deixa submeter, por se considerar inferior. Crioulo Doido narra a história de seu protagonista na curva de ascensão e na do fracasso, quando, entre as crianças e à mercê da notícia de que o mundo iria acabar, o pobre coitado surta e dispara pela cidade.

Em Crioulo Doido, os personagens existem sem vida própria, joguetes do destino e da manipulação social, dos valores vigentes em sociedade. Carlos Alberto Prates Correia desenha com esse seu primeiro longa-metragem uma visão cínica de um mundo provinciano regido pelo medo e pela convenção. Adequada à história narrada, o ritmo lento e a estética depurada do filme ajudam a mostrar os personagens como pálidas caricaturas de um mundo onde não há vontade própria. Prates Correia usa a câmera para transformar seus personagens em peixes num aquário.

Ruy Gardnier