Crimes
Of The Future, de David Cronenberg (1970)

Desde cedo o interesse principal
de David Cronenberg é a patologia. A recorrência de médicos,
instituições, hospitais, é imrpessionante. Gêmeos
– Mórbida Semelhança, Enraivecida pela Fúria
do Sexo, Scanners, A Hora da Zona Morta... Mas há
em seus dois primeiros filmes algo que os diferencia de todos os outros.
Stereo e Crimes Of The Future são acima de tudo relatórios
médicos, a voz na maioria das vezes separada daquilo que aparece
à tela, a narração sempre em off, sem qualquer
som ambiente. Parece que é o próprio David Cronenberg que
assume a posição de médico, e a câmera é
apenas a metáfora da consulta clínica.
Crimes Of The Future acontece "num
futuro próximo". O filme se passa numa instituição
médica (a "Casa da Pele") para o tratamento de pessoas afetadas
por uma estranha doença que parece ter nascido a partir de certos
cosméticos e afetado milhões de mulheres. As pessoas afetadas
pelo "mal de Rouge" soltam estranhos líquidos por todos os orifícios
quando mortas, e os internos do hospital sentem uma estranha pulsão
de sorver o líquido que sai dos mortos.
A frieza costumeira de Cronenberg é
aqui elevada ao zênite. O filme acompanha as andanças de
Adrian Tripod, discípulo do idealizador e chefe da Casa da Pele,
desaparecido e possivelmente morto. O filme acompanha o lento relato de
Tripod no áudio, enquanto a tela nos mostra, sem qualquer movimento
de câmera, os jardins e as imediações do hospital,
e o olhar impassível de Tripod diante das vítimas e de seus
internos. Todas as mulheres do planeta tendo sido mortas, a sobrevivência
da espécie reside nas mãos das meninas pré-púberes
que jamais usaram cosméticos, o que faz com que os pedófilos
sejam chamados para garantir a reprodução na Terra.
Crimes Of The Future não é
nem considerado um "filme" por Cronenberg (ele considera Calafrios
sua primeira obra verdadeira), e foi realizado, como Stereo,
quando ele ainda se encontrava na faculdade. Obra de experimentação,
assemelhada de fato a um relatório médico transposto para
o audiovisual, Crimes... pode cansar mais de um, mas tem ritmo
e temática incomuns, conseguindo de fato criar interesse no público
cinéfilo mais exigente. Além de ser um pequeno ensaio para
tudo o que Cronenberg fará dali em diante: orifícios, sexo,
doenças bizarras, modificação corporal, ciência,
medicina... Crimes Of The Future permite observar a gênese
do universo de um dos autores mais importantes de nossa época.
Ruy Gardnier
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