Cinemagick


1. Meu livro Cinema de Invenção, segunda edição, foi lançado em São Paulo em novembro no ano passado. Eu pretendia fazer um lançamento melhor no Rio a partir de março. Nessa ocasião conheci Juliano Tosi e fiquei ligado na possibilidade de fazermos uma Semana do Cinema de Invenção com apenas cinco ou dez longas pouco conhecidos.

2. Nosso projeto não vingou, pois em São Paulo estava sendo inaugurado o Centro Cultural Banco do Brasil e o tema – por incrível que pareça – era justamente Cinema Marginal. Isso é o que eu chamo de sintonia: você tem uma idéia e surge alguém que executa.

3. Eugênio Puppo pra mim é um cara que veio do céu à chegou na hora certa pra realizar o que eu e o pessoal da Contracampo não organizaríamso jamais de forma tão ampl. Puppo me ligou e daí pra frente entrei direto na mostra Cinema Marginal e suas Fronteiras.

4. Faço uma elipse: não uma análise crítica, mas uma resenha do tesouro que tenho em mãos. Trata-se do de um livro-bíblia do experimental no cinema brasileiro. Leva o título Cinema Marginal e suas Fronteiras – Filmes Produzidos nas Décadas de 60 e 70. Autores: Eugênio Puppo e Vera Haddad (que eu já conhecia da Dezenove do Carlão).

5. A dupla genial perpetrou um trabalho maravilhoso, muito mais que um super-catálogo, embora menos que um grande livro. Grande livro sobre o tema é o meu, dizem as más línguas...

6. Claro que o meu foi devidamente consultado, vampirizado mesmo antropofagicamente. Ótimo. Vamos dar uma olhada na estrutura: cinema brasileiro, cinema marginal, longas, curtas; ONTEM, HOJE, AMANHÃ, DEPOIMENTOS, HOMENAGENS, BIBLIOGRAFIA, FILMOGRAFIA, AMANHÃ. Achei do balacobaco o lance do "ONTEM, HOJE, AMANHÃ". Abrangente. Parabéns!

7. Todos os elogios ao Banco do Brasil por bancar o projeto. A única crítica é sobre a burocracia kafkiana que se viu no prédio da rua Álvares Penteado. Dava a impressão de haver mais homens e mulheres da segurança do que espectadores!

8. Não queria dizer, mas pareceria que estou querendo propina: o prédio é inadequado para eventos culturais simplesmente porque não se pode fumar e muito menos beber. Cultura não vinga sem essas das coisas, falei?

9. Li o livro, aliás, bíblia, de cabo a rabo e estou babando na gravata. É um trabalho jornalístico de primeira – é informativo, crítico e, por vezes, analítico. Não chega a ser ensaístico – nessa área já existe o meu livro e o do Fernão Ramos. A "bíblia" em resenha tem apenas 120 páginas, por sinal com lindíssima programação gráfica e requinte visual.

10. Nota dez pelo fato de não ter páginas numeradas. Cada leitor tem que fazer a sua, o que é uma forma de se envolver com o objeto do desejo, o prazer da leitura, o êxtase de curtir as melhores fotos sobre o tema. Vamos dar uma folheada linear no caos?

11. Primeira foto: A Margem, do Candeias, embaixo – Bressane, eu e Neville. No meio, Helena Ignez n’O Bandido. E tem uma do Blá Blá Blá. Vou lhes dizer que é a primeira vez que sou colocado na posição que tenho. Por isso é que eu disse que "o Puppo é pop". Pra mim seu nome já diz o que penso – ele é gênio, é maluco beleza. E olhem que não sou de puxar o saco de ninguém não, correto? Essa foto foi no festival de Brasília, 1978. Fui como enviado especial da Folha de S. Paulo, e criamos a mostra, hoje lendária, Horror Nacional.

12. O primeiro texto – de fôlego – é do Jean-Claude Bernardet, que puxa a brasa para a sardinha do Cinema Novo. Eu não conhecia o texto dele – o catálogo demorou a sair – e disse isso no primeiros dos três debates. Ao ler notei que ele me cita duas vezes. Claro que gostei: sempre admirei JCB, mas ele é do Cinema Novo e tem um caso com o cinema de invenção. É meu amigo? Não. É um chato de galocha, eu durmo numa palestra dele. É muito cartesiano. Mas é inteligente, muito culto. Belga que nós deglutimos amando e odiando.

13. Textos surpreendentes de Rubens Machado e Ismail Xavier. Predominância do academismo. Mas são acadêmicos altamente competentes. João Luiz Vieira poderia estar nesse bloco, mas pintou em outro que ficou ótimo. Fora do contexto: Sganzerla disse na frente de todo mundo que adorou meu depoimento!

14. Sou suspeito para comentar o texto de Inácio Araujo. Somos amigos, trabalhamos juntos na Boca e, de certa forma, ele é meu sucessor na Folha onde pintei e bordei.

15. Não pude ver Caveirinha, mas caí de quatro com Perdidos e Malditos. Eu tinha visto pedaço em 1980 na mostra Cinema Independente que Sylvio Lanna organizou. Agora posso dizer que Geraldo Veloso fez um filmágico – um verdadeiro tratado sobre magia – cinemagia. Aliás, pedi ao Puppo pra botar o "K" no meu texto. Não é CINEMAGIC, é CINEMAGICK. O "CK" é um lance de adepto, de hermetista, de Aleister Crowley, de Raul Seixas, que gravou o sublime Love is Magick. Magia sem "CK" é picaretagem. O filme do Veloso deve ter cópia em vídeo urgentemente. Todo mundo precisa ver.

16. Tenho a impressão que os melhores observadores são Ismail Xavier e João Luiz Vieira. Ismail saca o que Jean-Claude Bernardet nunca entenderá. João Luiz me parece totalmente adepto do Experimental & sente o lance chave da paródia que perpassa todos os filmes do período e da fronteira ascendente. O cinemão é uma bosta porque não faz paródia. Ou tou enganado?

17. Hoje o negócio é contestar a globalização, não é? Já estava passando da hora. Eu quase me suicidei porque achava que era o único revoltado. Mas se é para o bem de todos, estou de volta e quero filmar. Aliás, eu e Caio Plesman estamos rodando o vídeo KYNO 2001 ou AS AVENTURAS DE JAIRO FERREIRA NA PAULICÉIA EXAGERADA. Fica pronto em 24 de agosto, meu aniversário.

18. Gostei também do Desesperato. Mas há muitos outros filmes que ninguém viu. Por exemplo: Surucucu Catiripapo, do Neville. Se você, Neville, me consegue uma cópia levanto uma polêmica do caralho que é essa "eterna" briga entre INVENÇÃO e CINEMÃO. Neville é o único mestre em ambos. O que está em cima é como o que está embaixo e fim de papo.

19. Se eu morrer, morro em paz: meu nome é o mais citado n livro todo. Assinalei quase trinta referências. Fico gratificado por ser reconhecido em vida. Ninguém fatura em cima do meu cadáver, pois eu sou a múmia 6666 – sou Horus. Sou o que sou. E amo Hélio Oiticica, para quem "o artista é um inventor. Se ele não for inventor, ele não é artista". Evoé!

20. Não posso esquecer de celebrar a bibliografia comentada do cinema marginal, by Arthur Autran. Resgata todos os livros. Mas, como diz Jean-Claude, ainda há muito o que escrever sobre cada um dos filmes. Eu diria que uns dez deles mereceriam um livro de estudo.

21. Agora vaiaqui um recado pro viado do Sérgio Cohn, que é um puta editor e mora no Rio: meu romance Só por Hoje tá pronto – uma parte foi datilografada e tá com Caio Plesman. O final está com Carlão em disquetes.

22. Em tempos de apagão, fiquei sem telefone, sem luz, sem gás – só tenho água. Moro numa caverna, virei KAVERNISTA! Estou trabalando num segundo romance – SOCIEDADE PARALELA. Até breve!

Jairo Ferreira