Carlton Arts: pra quem e a que preço?


Nascido num fatídico dia em que os metrôs pararam em greve, criando infinitos engarrafamentos pelas ruas entupidas de ônibus e carros, o grandiloqüente Carlton Arts fica como uma experiência que trouxe inúmeras coisas fabulosas (exposição Cronenberg, Karlheinz Stockhausen em três apresentações, Robet Lepage...) mas que foi em todo caso fracassada.

Primeiro porque não sabia muito bem se decidir: a decoração nos colocava quase em um cenário de comercial ou desenho animado, clean até não mais poder, mas as curadorias artísticas eram criteriosíssimas. Daí a estranha dissonância surgida desse evento: vendido e decorado como badalação para modernosos em geral & funcionários da empresa de entretenimento em perticular (e de fato era esse o público que vinha ao Moinho de Santo Antônio), o evento apresentava artistas de uma sensibilidade apurada demais para estes, enquanto pela marquetagem e pelo caríssimo preço afastava o que seria seu público alvo, o consumidor "cult".

Em todo caso, excetuadas as contradições da produção & concepção, valeu muito ir ao Carlton Arts, mesmo que não se sentisse à vontade a não ser dentro de uma sala de cinema ou de exposição. E já que é isso que importa, a Exposição dedicada a Cronenberg foi um primor. Ocupando duas salas escuras repletas de telões e sons & ruídos de diversos filmes do diretor de Videodrome, a exposição conseguiu exprimir em forma de ambiência a malaise dos filmes documentados. Além disso, expunha-se o mais puro fetiche dos fãs de Cronenberg: os objetos cirúrgicos dos irmãos de Gêmeos, Mórbida Semelhança; os modelos para a confecção dos monstros e cenários de Naked Lunch; os aparelhos usados por Rosanna Arquette e James Spader em Crash; os consoles de videogame e a prótese da bioporta de eXistenZ... O admirador de Cronenberg tem o prazer de aprender a íntima coesão de trabalho que Cronenberg tem com seus projetistas e artistas plásticos.

Quanto à mostra de cinema, apesar de um tema abrangente demais e cheirando a falcatrua (na falta de algum texto teórico ou alguma palestra para dar mais realidade ao tema, "O homem e a máquina" nos parece apenas um bom pretexto para exibir filmes muito interessantes), tudo se realizou a contento. A projeção dos filmes era muito boa – fato raro quando se trata de uma sala de cinema feita apenas para um evento –, as cópias em 35mm idem e a sala conseguia fugir do oba-oba generalizado. Por vezes às moscas (Videodrome e Les Yeux Sans Visage não contaram mais de 10 pagantes cada), por vezes mais cheinha (no fim de semana), a sala que abrigou o evento era simpática e nada mais que isso. Mas nela pudemos ver obras raras, caso de Stereo e Crimes Of The Future, primeiros filmes de Cronenberg, que beiram o cinema de ensaio. Só podia custar menos do que R$18.

Ruy Gardnier