Batman, o Retorno



Danny DeVito e Michelle Pfeiffer em Batman, o Retorno de Tim Burton

"Para mim, personagens como Batman
preenchem o espaço que, em outras culturas,
é ocupado por mitos, lendas e contos de fadas.
Histórias em quadrinhos nos dão a nossa versão de uma
mitologia. Eles são nossos mitos, nossas metáforas.
Foi nesse sentido que Batman me interessou."

Tim Burton

The Bat, the Cat, the Penguin; essa é a tagline de Batman, o retorno. Ela já anuncia o festival de tipos aberrantes que farão parte dele. Para Tim Burton, o diretor, a chance de fazer uma seqüência do Batman foi boa no sentido em que pode trabalhar mais com a estranheza dos personagens, na sua posição de excluídos de um certo tipo de sociedade. Em mostrá-los como o outro do que é normal, comum; essa chance ele parece não ter tido no primeiro filme, como disse em entrevista: "O único filme [meu] em relação ao qual sinto frieza foi o primeiro Batman". Tendo titubeado quando recebeu o convite para dirigir o segundo, acabou aceitando fazê-lo porque poderia ter mais controle sobre a produção – o sucesso do primeiro e o Edward Mãos de Tesoura feito a seguir o conferiram prestígio.

E se no primeiro Batman nem tudo é Burton, neste segundo podemos reconhecê-lo em cada uma das cenas; o que vai interessá-lo aqui é o Bruce Wayne que não consegue e nem pode se integrar socialmente . O que vale no homem-morcego de Burton é justamente o seu lado sombrio, não-adaptado: nunca se perde de vista que Wayne é o menino que viu seus pais serem assassinados em sua frente e que, tendo crescido, vive na mais abjeta solidão, sendo um tipo totalmente melancólico. E é essa a faceta do morcego que vai interessar.

A ele Burton junta ainda dois anormais, a mulher-gato e o pingüim. Circo completo, o espetáculo pode começar: um rico casal, quando a esposa dá a luz um bebê deformado, livra-se dele jogando-o em um rio. O menino cresce em um zoológico abandonado, junto com os pingüins e se torna logo um deles. Crescido, quer que o mundo o engula tal qual ele é, diferente, mesmo repugnante frente às outras pessoas. Para isso, entra em cena o manda chuva da cidade, Max Shreck, um magnata corrupto, que, sendo chantageado pelo Pingüim, acaba por ter que jogar ao seu lado Shreck, porém, une o interesse do freak ao seu: faz da criatura seu candidato a prefeito. A isso tudo se junta a bela: Selina Kyle, solteirona retraída, acaba assassinada pelo chefe (ninguém menos que o Shreck) por ter descoberto alguma de suas falcatruas; morta, de alguma maneira é trazida de volta à vida por gatos que correm ao seu redor, e a partir daí assume o alter ego mulher gato.

O espaço onde acontece essa torrente, Gothan City, Burton a constrói como se ela tivesse saído de um conto de fadas: é a neve que sempre cai, o figurino que fica em algum lugar dos anos 50, enfim, a direção de arte, a fotografia e todos os outros elementos que fazem com que a cidade fique situada numa espécie de tempo sem tempo, de lugar sem lugar e que só é passível de ser nas histórias fantásticas. E então, quando temos Shreck, o Pingüim e a mulher-gato pondo a tal cidade de cabeça para baixo, eis que surge o herói, o Batman; e, longe de ser o bonachão do seriado de TV e o super herói clássico que salva mocinhas inocentes das garras dos vilões, ele é também um outsider. É o morcego.

O que temos é então algo único: é uma guerra entre os estranhos. De um lado, aqueles rejeitados, desprezados que querem se vingar e do outro aquele que é considerado um bom aberrante, aquele que, apesar de ainda ser um excluído, conseguiu conquistar a simpatia da sociedade. Em determinado momento, o Pingüim diz, de modo desafiador: "Você está com ciúmes de mim porque eu sou um freak de verdade e você tem que usar uma máscara". O que está em jogo em Batman é isso, é a não aceitação, a não adaptação.

Não é que no mundo de Burton seja bonito ser feio. Não é isso; o que ele nos oferece é um outro olhar, ou melhor, o olhar do outro. O seu universo nos convida a ver de uma maneira diferente, tudo o que está em jogo nele é um certo modo de enxergar; porque se há o um, é necessário que haja o outro. E esse outro de si que tanto perturba, é ele que vem dar as caras. Dentro desse movimento, Batman é o único herói possível e a sua única luta essa contra, que ele trava de forma ambígua – não podemos esquecer da atração que une tanto Bruce Wayne e Selina Kyle como Batman e a Mulher-gato– com os seus iguais.

Perguntado acerca de seus personagens, sobre o motivo de eles serem todos uns outsiders, Burton respondeu: "Isto tem a ver com o fato de que eu entendo esses personagens. Eu me identifico com eles, é mais fácil para mim". E neste Batman, o tema predileto do diretor – a posição social daqueles que são excluídos, que não fazem parte do establishment e as implicações políticas disso – aparece belamente delineado dentro de um mundo de fantasia, de modo que se torna mais rica a discussão, pois, em se tratando do mito, do conto, a coisa não poderia ser mais concreta, mais realidade experimentada.

Juliana Fausto