Tudo
por uns passarinhos bonitinhos
Anima Mundi 2001

O Anima Mundi talvez seja o
mais peculiar fenômeno cinematográfico do circuito carioca
de cinema. Tendo completado em 2001 sua nona edição, a cada
ano parece atrair mais e mais espectadores num frenesi louco ao CCBB e
suas cercanias, ávidos por participar do que há de novo
na animação mundial. Há por trás dele hoje
um esquema de marketing fortíssimo, é verdade, mas devemos
lembrar que mesmo em suas primeiras edições o festival sempre
foi um sucesso (ainda que mais moderado). Porque será isso? Esta
é a pergunta que ressoa com igual insistência a cada dia
que se tenta (nem sempre se consegue) frequentar as salas que exibem os
filmes.
É claro que a animação
tem conexões absolutamente primordiais com o imaginário
do público. Na maioria das vezes é o formato pelo qual as
pessoas são introduzidas, ainda na infância, ao mundo da
imagem em movimento, seja pela via da TV seja pelo cinema. São
poucos os que não possuem, portanto, uma relação
emocional com este formato. De uma certa forma, esta corrida ao Anima
Mundi representa uma volta a esta infância, o fascínio pelo
cinema primordial de cada um, onde a imaginação se permite
liberdades que o cinema narrativo normal não mais permite.
Mas é claro que o cinema de animação
não é só infantil, aliás o Anima Mundi prova
a cada ano que talvez isso seja o que ele menos é em termos de
percentagem da produção. A animação permite
aos realizadores tamanha liberdade de exploração de temas
que eles se voltam também para filmes adultos, filmes densos, filmes
experimentais. Portanto, explicar este fascínio somente pela linha
do infantil parece pouco.
A animação, especialmente nestes
anos que são marcados pelo festival, também é hoje
tecnologia de ponta. É computação gráfica,
é efeitos. É, acima de tudo, novidade. Sabe-se que o público
já adora uma novidade, e não por acaso tudo que se relaciona
com computação gráfica tem sido um sucesso com os
frequentadores do festival. Já temos portanto dois fortes componentes:
a infância idealizada sendo buscada novamente, e o fascínio
pela novidade e pela tecnologia de ponta. Não parece ainda suficiente.
Pois bem, a animação possui
uma vantagem em relação aos outros modos de cinema: pode
ser feita em casa praticamente por uma só pessoa. Claro que estamos
no caso reduzindo a animação ao seu mais básico,
mas é fato. Com isso, todos sentem-se mais próximos do fazer
cinematográfico. A produção do festival sacou isso
mais rápido, e teve a muito bem sucedida experiência de criar
verdadeiras oficinas de produção que funcionam durante o
evento, atraindo milhares de pessoas que vivem por um dia o sonho de realizar
um filme. Não se deve menosprezar, inclusive, o efeito destas oficinas
no crescimento da produção de animação no
Brasil, que o festival só fez deixar claro. Criar um filme com
massinhas ou com pixilation, com desenhos a tinta ou com o computador,
fica ao alcance de todos, inspirando um jogo lúdico altamente atraente
ao espectador, em especial o infantil.
Talvez aí já tenhamos as chaves
principais de atração do Anima Mundi: um equilíbrio
entre a experiência prática lúdica, a volta à
infância (ou talvez a vivência plena desta) e a atualização
com as novidades do mundo. O conceito todo do Festival fecha que é
uma beleza portanto, e seu crescimento mais que se justifica. Mas aí
é a porca começa a torcer o rabo...
Porque justamente este crescimento parece
hoje exagerado. O número de filmes em exibição é
tamanho (entre filmes e vídeos) que é impossível
se traçar um painel global do que seja o resultado desta produção,
e muito menos possível ainda acompanhar de fato a mostra toda.
Claro, o gigantismo é marca de muitos festivais, mas fica especialmente
grave no Anima Mundi por conta do seu espaço escasso (as salas
não são exatamente enormes), que nem a Praça Animada
(projeção ao ar livre, com 600 lugares) soluciona de todo.
Talvez com menos filmes e mais sessões de cada programa fosse mais
simples acompanhar a mostra sem fazer um diagrama de guerra.
Mas, principalmente, os filmes não
justificam este gigantismo. Devido ao excesso de opções,
neste ano precisei me ater ao que se pode chamar do "filé do festival",
ou seja, as sessões em cinema da mostra oficial. Vi 13 dos 15 programas
em exibição, em si mesmo, uma proeza. Pois bem: o fato é
que a média dos filmes é muito fraca. Em cada programa de
7 a 10 filmes, 2 ou 3 no máximo justificavam a sessão, que
resultava por este problema cansativa e desinteressante. Há inúmeros
"software demonstrations", ou seja, curtas que só se justificam
como demonstração de uma nova forma tecnológica de
fazer animação, mas sem procurar desenvolver qualquer narrativa.
Há inúmeros e repetitivos experimentalismos que já
esgotaram sua novidade há pelo menos 20 anos. Há uma série
de piadas animadas, pouquíssimo engraçadas. E sobram pouquíssimos
filmes que causem sensação, o que fica ainda mais diluído
no meio de tantos outros. Dá para ver só por esta mostra
que há gordura sobrando, que 10 programas podiam fazer facilmente
o trabalho dos 15, e que talvez quantidade não seja qualidade,
afinal.
Finalmente, há um problema essencial:
a atitude do público perante o material exibido. O fato é
que, como de resto é o caso em muitos outros fenômenos artísticos,
o público parece estar interessado somente na confirmação
do já conhecido. Mesmo com tamanha quantidade de filmes fracos,
há vários outros que exploram os limites da animação
com enorme relevância, e muitíssimo sucesso e coragem. São
geralmente recebidos com, não apenas desinteresse, mas no geral
desdém e cansaço. Parece que o público espera a cada
sessão rever tudo que já conhece: o cinema da Disney, ou
da Cartoon Network. Acima de tudo, piadas, muitas piadas. A animação
parece sofrer da síndrome da risada solta: espera-se dela que seja
engraçada, sempre. Não por acaso o vencedor do júri
popular foi o curta For the Birds, o que mais encarna estes valores.
Uma muitíssimo bem realizada, inegavelmente engraçada animação
da Pixar (braço computadorizado da Disney). Mas que não
é nada mais do que aquilo que a Pixar tem apresentado em todos
os seus longas e curtas. O que incomoda é que todas aquelas 600
pessoas por noite na Praça Animada parecem estar enfadonhamente
esperando pelo próximo For the Birds, e se decepcionam com
tudo que não o seja. É assim que filmes de uma beleza ímpar
como o canadense Le Chapeau (investigação audiovisual
dos traumas de infância, da sexualidade), o polonês Crime
e Castigo (com sua atmosfera excepcional), o irlandês The
Goblin Market (estranhíssimo e sensual) ou o tcheco Pád
(um impressionante filme de escola) ficam perdidos, sendo jogados
às traças pelo sistema excruciante que resulta da programação
excessiva, muitas vezes cansativa, e pelo público que só
quer saber de rir, rir, rir. É caso de se pensar numa programação
menor, mas não só. Talvez seja preciso tematizá-la,
não como forma de guetizar a produção, mas como comprovação
de que as piadas milionárias da Disney não podem impedir
a garimpagem de pérolas que buscam um público com outros
interesses que não só a gargalhada fácil. Porque
se não for assim, de que adianta trazer estes filmes para a mostra?
Eduardo Valente
|
|