O direito de Testículos



Testículos de Christian Caselli

Debates depois das exibições onde os realizadores e o público discutiam, falavam, expunham idéias e ideologias. Isso a cada fim de sessão, perfeitamente de acordo com o ambiente de descoberta e experimentação proposto por um festival de cinema universitário.

Tendências díspares coexistindo. Cinemas variados sendo expostos, todo um leque de possibilidades audiovisuais recebendo tratamento crítico de experts. Uma oportunidade única para realizadores encontrarem platéia tão interessada e dotada de capacidade de análise evoluída e nível de exigência muito acima da média do grande público.

A salada de posicionamentos ideológicos que se formava em cada exibição era por si só propensa a atritos e desentendimentos, mas nada de grave, pelo contrário, era talvez saudável. A perseguição, com toda a sua intolerância e preconceitos, acontecia mesmo fora da sala de cinema. Coisa que também não é errada. Todos têm opiniões e gostos inclusive para apoiar e defender uma obra.

Testículos talvez tenha sido bastante injustiçado. Não no sentido literal do termo, mas com certeza foi mal compreendido. O filme caiu na frente de uma banca examinadora muito séria e exigente composta por todos os universitários, realizadores e demais presentes nesse tipo de evento que é o Festival Brasileiro de Cinema Universitário. É um público difícil. Cobraram posicionamento ideológico quando a intenção do filme é justamente negá-lo. Começo até a desconfiar que está se formando uma tendência a padronização dos filmes que exclui qualquer experiência que não tenha intenção nobre, séria, recheada de ideologia, seja ela qual for. Isso é preconceito.

Testículos não veio ao mundo para esclarecer alguma coisa. Ele se encaixa na categoria das obras que trilham o caminho da militância negando-a com todas as forças. É mal acabado, bobo, tem uma história horrorosa que não prova nada, mas deve ter dado trabalho, deve ter sido pensado, estudado. Temos que levantar a hipótese de que esse era o projeto estético imaginado pelo diretor desde o início. Já que se trata de uma obra independente, fechada, o idealizador tem o direito de escolher o suporte que melhor abrigue sua idéia. Testículos é um filme, foi concebido para ser película e é assim que assume a sua função total.

A ligação do diretor com o grupo Zumbi do Mato é conhecida e aqui exposta. Testículos é a transposição da ideologia estética musical da Banda para a película. Exigir que o filme siga uma regra de significação que se afaste dessa maneira escrachada de falar sobre o nada é tirania. Ninguém é obrigado a adotar a arte como palavra de ordem. Seria muito bom se a despretensão de Testículos fosse vista como uma vontade de ser compreendido fora dos parâmetros de avaliação artística usual. Pode-se até não gostar do filme, mas nunca negar seu direito de existir assim como é.

João Mors Cabral