Alguém aprende samba no colégio?



Onde Fica a Casa do Meu Amigo? de Abbas Kiarostami

Das muitas questões que se pode colocar sobre o ensino universitário de cinema, certamente a que precisamos ter em mente todo o tempo é acerca das suas intenções: o que se espera, afinal, de uma escola de cinema? Não há uma única resposta, e é em torno dessa opção (quando há chance de escolha...) que cada escola vai encontrar seu caminho e suas características.

E quais seriam as respostas à questão? Uma possível seria esperar fazer muitos filmes ao longo do curso. Outra, ter a possibilidade de entrar em contato com equipamentos tecnológicos de ponta, ou então aprender a fazer as tarefas tradicionais técnicas ou de assistência, para estar preparado para o mercado de trabalho. E também se pode querer de uma escola que dê aos seus alunos uma ampla formação humanista, ou então uma formação aprofundada em determinados aspectos da teoria cinematográfica. Além disso, colocar em contato gente com intenções e projetos semelhantes e complementares é um papel nada desprezível de uma escola que faça jus a esse nome.

Certo. Então é bom que se diga que não há notícia de qualquer escola que possa vir a cumprir todos estes papéis, pelo menos não em língua portuguesa. Portanto, é preciso considerar qual deles terá prioridade sobre os demais.

Costuma-se dividir esses caminhos principais em duas vertentes básicas, a "técnica" e a "teórica". Assim, pode-se considerar que, embora tenham intenções diferentes, pessoas interessadas em fazer muitos filmes ou em aprender as tarefas básicas ou em conhecer novos equipamentos estarão todas buscando escolas com um perfil "técnico", enquanto pessoas que priorizam encontrar um ambiente de debates e estudos preferirão escolas "teóricas", seja se preferirem estudos mais plurais ou mais centrados.

Visto assim, é preciso notar que não há escolas essencialmente teóricas no Brasil, nem tampouco existem de fato práticas, o que há, na verdade, é uma grande confusão. As escolas universitárias estatais, UFF e USP, têm como orientação antiga e justificável que seus alunos devam ser preparados como profissionais mas também como cidadãos, para assim poderem retornar à sociedade o investimento em seus estudos.

São, no entanto, escolas inconstantes. Que, em determinados anos, podem oferecer ensino técnico bastante razoável, por conta de raras verbas ou de convênios ocasionais, para em pouco tempo voltarem à situação em que o aprendizado técnico é severamente limitado pela falta de grana. Da mesma forma, seus salários espremidos dificultam a contratação de profissionais adequados em ambas as áreas, o que atrapalha especialmente o estudo teórico, e esse problema só pode ser resolvido a partir da disposição de uns poucos, que se dispõem a ganhar pouco em troca de um trabalho fixo, de um ponto no currículo ou mesmo apenas do prazer de dar aulas.

A impossibilidade de escolher entre o caminho técnico ou o teórico dificulta a resolução desses empecilhos, a partir do momento em que, tudo sendo prioridade, não há prioridade em qualquer aspecto. Essa inconstância da escola, agravada ainda por problemas eventuais na escolha do corpo docente ou na administração dos cursos, faz com que a disposição do aluno para decidir como será seu próprio curso seja necessária muito além do ideal, encontrando finalmente o problema da defasagem e sucateamento de material técnico.

Nas escolas particulares, também poucas, temos uma única opção comum a todas, que se propõem a tornar o aluno "capacitado para o mercado". Uma vez que o tempo total de estudos precisa ser curto, já que este será pago, prioriza-se então a questão técnica e o aprendizado do manejo de equipamentos, o que novamente será complicado devido à limitação de verbas para produzir. Mas, se certamente o ensino privado tem depondo contra si seu aspecto elitista, é importante reconhecer que as escolas pagas serão muito mais constantes e coerentes que as universidades públicas, pela sua maior agilidade em lidar com problemas e definir prioridades, enfim, pela sua própria natureza.

O que se poderia aprender com modelos de outros países?

Imagino que se possa aprender bastante, pessoalmente pude eu mesmo descobrir algumas coisas. Primeiro, que mesmo em países ricos as escolas estatais definem suas prioridades. Na França há o exemplo das escolas FEMIS (http://www.femis.fr/), mantida pelo Ministério da Cultura, e Louis Lumière (http://www.ens-louis-lumiere.fr/), mantida pelo Ministério da Educação. A primeira tenta abarcar todas as possibilidades listadas lá em cima, porém produzindo relativamente pouco e consumindo muito tempo de estudo, enquanto a segunda é curta, também não produz muito, mas produz com todas as condições técnicas e se volta exclusivamente para a formação técnica específica de técnicos em imagem e som, contratando inclusive pessoas para produzir os filmes dos estudantes. Na FEMIS, que durante muitos anos foi conhecida como IDHEC, onde estudaram vários cineastas de todos os cantos, o estudante fica cinco anos, três dedicados à teoria e história de cinema e cultura geral e dois para trabalhar em filmes com sua turma e se dedicar ao aspecto técnico de sua escolha. Na Louis Lumière, o aluno só entra depois de três anos em outra escola superior (o equivalente aos três anos iniciais da primeira), e desde o início se dedicará somente a aprender tudo sobre uma área específica, seja imagem ou som, e o aluno de uma área não aprende nada sobre a outra. Uma escola busca formar intelectuais capacitados, a outra busca formar técnicos, e ambas são oferecidas pelo Estado. Em que se pese a diferença de verbas e estrutura, vale a lição de que estabelecer as diretrizes de cada escola e torná-las claramente diferentes umas das outras permite ao aluno estruturar melhor seu aprendizado.

Por outro lado, as escolas pagas precisam igualmente escolher suas prioridades. Se a intenção for de fazer seus alunos se revezarem em todas as funções no maior número de filmes e no mais curto espaço de tempo possíveis, vale a pena conhecer o modelo da escola inglesa London International (http://www.lifs.org.uk/), que em dois anos faz seus alunos produzirem um mínimo de seis filmes, cada um produzido de forma diferente. No entanto, se a intenção for preparar os alunos para funções específicas do mercado de trabalho (enfrentando a concorrência dos cursos técnicos típicos), a curiosidade valeria para a comparação entre as duas escolas de Nova Iorque, a da Universidade Columbia (http://www.columbia.edu/) e a da NYU (http://www.nyu.edu/), onde uma se dedica mais a formar técnicos e a outra a formar produtores.

Isso parece distante, no nosso pobre e desorganizado mundo. Mas não é tanto assim. Pode-se comparar então com as faculdades argentinas, onde a Universidade do Cinema (http://www.ucine.edu.ar/faccinema.htm), particular mas com apoio do estado, se guia pelo viés da produção, e na década de noventa, entre vários curtas e um festival de cinema, produziu três longa-metragens, sempre coisa rara no meio universitário, enquanto a ENERC (http://www.incaa.gov.ar/universidades/enerc/index.asp) focaliza especialmente o lado histórico/teórico.

Nosso falso desenvolvimentismo engana a realidade, e com isso a UFF se propõe a ser ao mesmo tempo uma escola de Comunicação, uma escola de teoria e história do cinema e uma escola de capacitação de profissionais. Quem conhece o cotidiano dela sabe que todos os lados saem prejudicados na história. A ECA/USP, durante um bom período, foi um oásis devido à sua boa organização e ao orçamento muito mais regular que no caso niteroiense. No entanto, nos últimos anos o curso arriscou-se numa empreitada que o juntou com o curso de Rádio e TV, criando um novo curso com o amplo nome de Multimídias. Se funcionará, só o tempo dirá.

No entanto, mais uma vez isso sinaliza uma disposição de fazer um curso em tese abrangente, mas cujo principal sintoma é essa falta de coerência em estabelecer prioridades, como continua a acontecer em Niterói, onde a disposição tecnicista e produtivista de sua direção se contrapõe à dedicação de alguns professores da área histórico/teórica.

O resultado? Bem, a um sujeito que pretende se dedicar a um curso de cinema a primeira coisa que eu aconselharia é que estabeleça suas prioridades. Isso feito, considere a necessidade de compensar por conta própria as eventuais omissões de seu curso. E, certamente o mais importante, trate de encontrar seus pares, seus díspares e suas figuras ímpares. O mais importante de uma escola de cinema, e nisso todas são comuns, é juntar num mesmo espaço pessoas com idéias, propostas e educações diversas, mas com a mesma intenção de fazer cinema. Daí surgem as discussões, idéias, projetos e produções que por si só justificam plenamente a existência de tais academias.

Daniel Caetano