Mostra
Competitiva: balanço geral
A Sintomática
Narrativa de Constantino
de Carlos Dowling
Com o recorde de 14 escolas participantes
e 48 filmes, a Mostra Competitiva do VI Festival Brasileiro
de Cinema Universitário foi, a meu ver, um marcante passo adiante
no estabelecimento de um panorama da produção cinematográfica
das escolas brasileiras. Apresentando uma grande gama de filmes que se
destacaram positivamente em seu aspecto técnico e, principalmente,
por estabelecer caminhos consistentes dentro de suas narrativas (ou não-narrativas...),
a Mostra Competitiva terminou com o que poderíamos chamar de um
saldo positivo. Inovando na premiação dos filmes, a Mostra
inaugurou o chamado prêmio Sal Grosso que, premiando os melhores
técnicos nos diferentes filmes, resultará na produção
conjunta de um curta-metragem sob a batuta dos premiados.
Além dos números e das premiações,
o quê de melhor aconteceu no Festival, diferentemente dos dois anos
anteriores em que acompanhei a competição, foi a maior presença
de um trabalho consistente na superação das dificuldades
técnicas/econômicas e sua transformação em
aspecto criativo dos filmes – resultando em curtas mais representativos
e firmes em suas propostas – o quê atiçou, e muito, as discussões
e os debates.
* * *
Dentre os 48 filmes apresentados, alguns
se destacaram com efervescência nos debates pós-sessões,
onde participavam realizadores, público e júri – acumulando
elogios e ataques impetuosos:
De Pernambuco, os barulhentos realizadores
do Telefone Colorido trouxeram seu Resgate Cultural o filme
e, a despeito das críticas, conseguiram ser uma presença
única e diferencial de um cinema supostamente defendido como anárquico.
Embora muito mais preocupados em fazer o público rir e se divertir
com suas gags, os representantes do filme que estiveram no debate chamaram
atenção pela radicalidade de suas idéias e pelo modo
de produção baseada no total improviso e num descontrole
da equipe... É uma pena que os representantes do filme no debate
não tenham tido a mesma eloqüência de seu filme, desperdiçando
uma boa oportunidade de expressar as idéias que os levaram a um
filme tão singular.
Optando pela discrição e com
uma maior quantidade de filmes representantes, o grupo de realização
Cabeçasol de Brasília também teve destaque na competição
pela maneira delicada e surpreendentemente poética com que seus
5 filmes tratam de temáticas nacionais. Dois deles, Cá
e Lá e Bumba, foram os mais felizes em sua comunicação
com o público e na beleza como se utilizam de elementos do folclore
nordestino para costurar pequenos ensaios universais – fugindo do radicalismo
e da diluição fácil ao falar de problemas sociais
e dilemas pessoais.
Outro aspecto que chama atenção
para o Cabeçasol é seu modo de realização:
uma espécie de cooperativa independente onde cinco estudantes de
Brasília, juntando dinheiro próprio, correndo juntos atrás
de patrocínios e trabalhando em diferentes funções
nos filmes uns dos outros – levaram um ano inteiro na produção
e finalização de seus filmes que são, dessa forma,
ao mesmo tempo trabalhos extremamente coletivos e autorais.
Outro destaque importante foi o filme paraibano
de Carlos Dowling, A Sintomática Narrativa de Constantino
– filme mais premiado desse ano, ganhou o prêmio oficial de Contribuição
técnica ao contar a irônica fábula de um corretor
da bolsa de valores que vai morar dentro de um supermercado – a imagem
do personagem adormecido sobre os repolhos foi uma das mais marcantes
do Festival.
Além, é claro, do júri
popular: o divertido Arábia de Tiago Morena.
* * *
Outra marca dessa edição do
Festival, ainda que não muito citada, foi a presença marcante
dos filmes de gênero documentário. Seguindo uma certa tendência
de valorização do gênero, 5 curtas documentais realizados
em película foram apresentados tendo quase todos (com a exceção
do irregular Pedaços de um Pedaço), de uma forma
ou de outra, se destacado entre os demais filmes:
Aqui é Assim (sobre uma tribo
indígena do Acre), embora tenha ficado de fora das premiações
e tenha se mostrado um filme muito primário no estabelecimento
de sua narrativa, foi a estrela do primeiro debate realizado no CCBB e
alvo de inúmeras críticas e elogios que diluíram
a presença dos outros filmes. Sua diretora, uma auto-proclamada
indigenista, criou polêmica com seu discurso ecologicamente radical
e cinematograficamente ingênuo.
O jogo criativo proposto por Filme de
Família demonstrou uma vertente interessante de questionamento
sobre o fazer documental, ao propor a realização de um filme
com a co-direção de amadores. Porém, apesar de sua
proposta criativa, o filme obteve um resultado raso, que não se
realiza efetivamente – não alcançando um corpo firme no
desenvolvimento do tema: os filmes realizados pelos amadores tornam-se
extremamente pobres diante das possibilidades que o filme promete.
Por outro lado, o documentário classicamente
realizado O Catedrático do Samba, apesar de cair num tema
batido e numa construção de personagem óbvia – conseguiu
uma comunicação mais forte com o corpo de jurados – que
o deram o prêmio de Expressão Cultural e de Melhor Montagem
(no prêmio Sal Grosso). Um sinal de que, apesar de o Festival Universitário
ser um espaço de experimentação, em certos aspectos,
seu júri preferiu optar pelo previamente consagrado, pelo facilmente
palatável...
Fechando os 5 citados, está, sem dúvida,
um dos filmes mais importantes desse Festival (tanto por sua consistência
e proposta inovadoras como pela agitada polêmica causada entre público
e júri): Cemitério de Elefantes. Um filme que incomoda
desde o início por sua pretensão e crueza ao tratar do dia-a-dia
de mendigos de São Paulo, mas que constrói sua força
justamente nesses aspectos. Se havia filmes nesse Festival que sobreviverão
na memória e nas imagens do público e dos jurados, um deles
será, com certeza, Cemitério – uma proposta radical
de documentário que, alvo de acusações de fascismo
e elogios rasgados, foi um dos maiores focos de atenção
de toda a Mostra.
* * *
Em suma, é isso: entre bombas superproduzidas,
exercícios mal-fadados e criatividade única – a Mostra Competitiva
do 6º Festival Universitário acumulou belos filmes
e debates em que, diferentemente da frieza de outros Festivais, o Cinema
como um todo foi questionado, discutido, defendido com unhas e dentes...ou
condenado por seus equívocos. Uma Mostra viva, que não se
limitou à projeção dos filmes, mas também
se projetou adiante na cabeça e nos olhos de seu público...
Felipe Bragança
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