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Cinema se aprende na escola? Artes plásticas se aprende na faculdade? Teatro? Literatura? Não dá para ter certeza, mas os cursos superiores existem, e neles, aulas são dadas, pessoas se formam, alguém diz que aprende algo sobre essas matérias. Essa é uma discussão complicada. Achar que a arte é simplesmente capacidade pessoal não adquirida, não treinada, recebida por um número muito pequeno de capazes na hora do nascimento não faz desses cursos dispensáveis. Ver a arte apenas dessa forma é mais uma maneira de não compreendê-la na sua totalidade. A genialidade precisa ser reconhecida. Ela não aparece simplesmente e é notada por ser genial. Saber distinguir é saber apreciar e a formação artística é a única que pode preparar os interessados para apontar o que é bom. Essa formação, é claro, pode ser adquirida fora de qualquer instituição, mas nunca aparece de repente para uma pessoa. É um processo longo e ininterrupto que exige demais de quem está disposto a levá-lo a sério e conhecer alguma coisa, mas tem a vantagem de não ser excludente. Todos podem seguir esse caminho sem ter que assumir um contrato de dedicação exclusiva. A academia, a faculdade, é mais um caminho, tão válido quanto qualquer outro. O espaço acadêmico concentra a atenção no objeto artístico que estuda. Não impossibilitando a discussão fora dos seus limites, é o lugar mais adequado à briga, à agitação. Supostamente, é lá que a reflexão teórica é incentivada e assim se alargam as fronteiras da compreensão dessa arte. A função maior da faculdade é formar quadros capazes de fazer a arte evoluir conceitualmente para que ela seja realmente compreendida e assim continuar existindo como arte. Para fazer cinema não é necessário freqüentar uma faculdade de cinema. Pode ser uma de medicina, direito. Filme se compra. Câmera se aluga. Idéias todo mundo tem. Desde que se saiba o que se está fazendo, desde que o cinema pensado e realizado seja realmente fruto de uma proposta estudada, bem intencionada artisticamente, não há impedimento algum para sua feitura. Porém, essa preocupação quase heróica com o cinema é muito mais facilmente encontrada nas escolas, e não é apenas isso, pois lá, a técnica é também trabalhada e vinculada às teorias que permitem a sua correta utilização. Fazer um curso de cinema em uma faculdade não é para qualquer um. Com tantas opções, escolher essa carreira incerta exige no mínimo paixão. A atual valorização do cinema nacional apenas contribuiu para fazer crescer a ilusão de romantismo em torno da classe cinematográfica, o que não corresponde à realidade. A imagem que se tem do cineasta, ligada sempre ao glamour, levando uma vida coberta de realizações, reconhecimento e utilidade está longe se tornar possível para quem quer viver de cinema sem que este seja obrigado a lutar muito, estudar demais e perseverar bastante. Pode ser uma vida divertida, algumas vezes, mas não é nada fácil, o que faz com que uma faculdade de cinema seja o lugar mais propício para se encontrar um número considerável de pessoas comprometidas e preocupadas com o esclarecimento do fenômeno audiovisual. A maneira como a sociedade vê a universidade mudou e continua mudando. O que ela deseja desse tipo de instituição é o que confere ao ensino a sua cara. Em um mundo técnico-científico objetivo, cada vez menos aberto a mudanças de paradigmas, a universidade acompanha a busca pelo imediato deixando de priorizar a sua vocação crítica e se concentrando no ensino voltado para a aplicação direta no cotidiano social. Essa tendência não aparece somente nos curso objetivos por natureza, mas vem se espalhando por todas as áreas do conhecimento, incluindo, é claro, o cinema universitário. É uma guinada que não deve ser justificada apenas colocando-se a culpa na instituição. Muito antes disso, é o resultado dos valores que carregam os próprios alunos. A objetividade cobrada de todos para adaptação ao mundo faz parte também da vida de qualquer estudante. Quando arte, no caso cinema, passa a ser considerado mais um entre tantos objetos de aplicação objetiva isso representa um problema. Sem querer entrar na discussão do papel da arte e de sua inserção no mundo do consumo, fica claro que o horizonte social, cada vez menos voltado para a subjetividade, experimentação e liberdade, não combina muito com as intenções da Arte. Mas a origem dessa discrepância não surgiu agora. É fato que o cinema, a forma de arte com maior apelo popular e mercadológico, é parte integrante do mundo do consumo. Ele é a arte com dupla personalidade, sempre transitando entre arte-pura e mercado, o que afrouxa o debate sobre suas possibilidades fora desse eixo. Surge então uma questão simples: Se for para consumir, vamos consumir algo ruim? Não, claro que não. E já que é cinema, é arte, a única maneira de se evitar o consumo ruim é entender, analisar, criticar. Produções com alto nível artístico só vão aparecer para consumo se for feito um esforço nesse sentido, do contrário, cinema, como já acontece, é apenas produto desinteressante que se compra apenas e não se usufrui. A existência da Academia se justifica desse modo. É lá que as questões, tão relevantes para qualquer aprimoramento, devem ser colocadas. Funcionando como um campo aberto para a experimentação de linguagem e o estudo teórico construtivo a faculdade tem importância. A responsabilidade dessa cruzada em busca da total compreensão da arte não é apenas dos acadêmicos, mas eles são os únicos que não têm comprometimento com outra causa além desta. Cinema na universidade é vital para o seu próprio desenvolvimento. O debate que lá ocorre tem poder de gerar conhecimento suficiente para colocar em xeque essa necessidade de consumo a qual está atrelado ou então confirmá-la. Seja qual for a escolha, ela tem que ser pensada e discutida até o esgotamento antes de virar uma conclusão. A faculdade é um possível caminho para se chegar à essência do que é o Cinema, ajudando-o a encontrar a sua verdadeira vocação nesse mundo confuso que talvez não saiba ainda muito bem o que fazer com ele. João Mors Cabral |
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