Cemitério de Elefantes


Por ocasião do debate realizado no Teatro da UFF, após a sessão do Festival Universitário em que foi apresentado Cemitério de Elefantes, tive a oportunidade de fazer uma pergunta ao realizador do filme, Rodrigo Lorenzetti. Eu tinha uma dúvida na mente, e tentei descobrir se algo havia me escapado ao longo da sessão. Minha pergunta foi simples : Por quê fazer este filme?

Não que tenha me parecido que o filme tenha algo de errado, de anti-ético, como chegaram a cogitar alguns. Talvez até tenha, uma vez que procura seduzir sua platéia mostrando a degradação alheia. Mas isso pode ter um propósito, e tendo um propósito é plenamente justificável. Afinal, sendo a realidade desagradável, não há razão em mascará-la.

Só que a resposta não fugiu do que ele já falava diante de outras perguntas, e não me satisfez muito. O diretor argumentava que sua motivação é que queria fazer o filme para misturar ficção e documentário, para ver os limites entre um e outro.

Eu continuei com a impressão de que ele não sabia o que o levou a fazer esse filme. E fiquei pensando nessa disposição de partir para um projeto sem saber o que se espera dele. E daí fazer filmes que não sabem bem o que pretendem.

Sim, porque há uma curiosidade de Lorenzetti pelo mundo que ele investiga, mas ele mesmo parece não saber o que quer investigar neste mundo. "Entendê-lo"? Ora, isso ele e todos nós sabemos que não dá pé. Mas o problema é que o filme é um documentário que não sabe o que quer descobrir. O diretor que partiu para fazer um documentário não acreditava em documentários, ao menos não da forma tradicional, como ele mesmo notou. Então, ao invés de se colocar em seu filme, como fazem, por exemplo, os seguidores de Eduardo Coutinho, preferiu colocar um ator para fazê-lo, mascarando sua intenção documental com uma falsa ficção.

Porque, na verdade, não há ficção no filme. Há um ponto de partida ficcional, mas o próprio diretor reconheceu seu fascínio em documentar reações de seu "ator" inesperadas e perdidas entre realidade e atuação. O filme é, portanto, essencialmente um documentário, e só isso já é bastante, mas não parece ser o bastante para quem o concebe.

Talvez porque, se não há ficção, do mesmo modo o documentário não parece ter razão de ser. Afinal, sobre o que ele trata? Sobre os bêbados de rua? Mas o que aprendemos com eles, em que eles nos fazem pensar, refletir? Parece que o tema mais palpitante nos debates sobre o filme era a baba elástica que pendia do lábio de um dos bêbados, que Lorenzetti se orgulhava em ter mantido na película, porque, afinal, "o mundo é assim".

Certo, é assim mesmo. E aí? Troca-se a supremacia do belo pela supremacia do feio, e então?

Não há intenção em documentar aquela situação, porque a única maneira de apreender aquele mundo, ao menos na visão do filme, é conviver diretamente com ele, associando-se tal como um ator tenta incorporar um personagem. Mas a atitude de colocar um ator para fazer seu papel denuncia essa atitude medrosa que significa mais que uma simples recusa a estruturas tradicionais de documentário.

E esse medo se justifica plenamente, é um medo lindo, de tão humano.

Porque o filme não é sobre bêbados ou sobre um ator, é sobre Rodrigo Lorenzetti. E isso ele não quis ver.

Porque fazer um filme sobre bêbados perdendo a linha não ensina nada sobre esses bêbados, mas diz muito sobre as opções de um certo setor de produção artística brasileiro, especialmente paulista. Opções que resultam numa ambição mista de chocar a burguesia e de encontrar as flores no pântano, uma herança clara dos artistas modernistas somada à dos artistas marginais. Com sua baba elástica que tanto orgulho deu ao diretor, Cemitério de Elefantes certamente se saiu bem na atitude de chocar os burgueses, e por esse motivo está de parabéns, No entanto, não soube superar esse papel histórico já um tanto quanto antigo, digamos assim.

Porque é muito bacana que o realizador tenha curiosidade sobre o mundo q o cerca, e q tenha despertado essa curiosidade justamente por quem está no limite da lucidez e da sociedade.

Mas faltou perceber que ir até eles não significa compreendê-los de fato, e que seu filme não nos diz nada sobre eles, mas sim sobre ele, realizador, e sobre sua relação com o meio que o criou.

Se a intenção do filme era expulsar da sessão as tias de seus colegas, que foram assistir aos filmes de seus sobrinhos nas sessões do Festival de Curtas de São Paulo, o filme certamente foi bem-sucedido, e merece parabéns por ter irritado uns e divertido outros com esse tipo de reação.

No entanto, não me parece que se possa esperar ou depreender mais da obra que se vê. É um filme ao mesmo tempo corajoso em ir ao encontro de um outro mundo, e medroso demais para se colocar nele de fato. E, com essa atitude, acaba por não descobrir nada.

Daniel Caetano