Documentário
ou, pensando bem,
apontamentos sobre uma fera ferida
(1º Parte)
"A história
não é somente uma ciência,
mas também uma forma de memória"
Walter Benjamin
Humberto
Mauro em preparação de filmagem
Noturnal momento da escrita. Um caso quase
sem solução o do documentário. Muitos realizados.
Muitos nos cinemas. Muitos nas TVs. Muitos documentários nos dias
de hoje do Brasil. Realizadores de todos os tempos. Realizadores novos
a cada saída de cinema. Uma verdadeira inundação
constante de temas. Vejo de certa forma uma moda do gênero. Um passadiço
momento pela ação de um mercado televisivo e de novas tecnologias.
Muito pouca concretude no dançar de câmeras e perfurar de
idéias.
Vamos remexer o passado, o presente, a pontualidade
significativa do documentário. Do trabalhar com as realidades,
com o pensamento, com a história, estórias e personagens
do real. Nos locomover no tempo e nos encontrar na estação
de Lion ou na saída da fábrica, ou com algum esquimó
perdido no gelo singular do extremo da Terra.Rever a baia da Guanabara
pelo olhar de Afonso Segreto, em 1898.
Observar a realidade, ver o movimento das
coisas, dos animais e dos homens. Sociologizar ou não. Pegar de
cada momento o seu mais sutil ou diabólico instante e fabricar,
transpassado de seu olhar, a sua observação do mundo: documentar.
O céu negro. A terra roxa. Um carro
que explode ou uma mulher sendo sufocada por policiais ou ainda o remexer
no espaço do toque de um tambor de maracatu. O documentarista,
emocionado, não grita em nenhum momento, corta. Esta visualidade,
este trabalhar das idéias, arte de conjugar conflitos adicionando
ideogramas, organizando pensamentos ou o desejo de transmitir emoção,
raiva, alegria e consciência para quem vê o mundo. O documentário
vai do cinema para TV, do filme para o digital, apreendendo realidades,
verdades e mentiras, axiomas e dores da vida.
Nestes dias entre viagens, filmagens e textos
encontro uma observação de Glauber Rocha sobre Engenhos
e Usinas de Humberto Mauro, em artigo de Umbelino Brasil: "Nesse
documentário, o cineasta pioneiro do cinema brasileiro estabelece
uma relação orgânica entre a evolução
econômica e industrial das usinas em comparação com
os engenhos de cana-de-açúcar, usando a narrativa dramática
dos poemas de Ascenso Ferreira. O filme penetra nos problemas sociais,
tentando evidenciar as causas da tensão na relação
homem-máquina, motivando Glauber Rocha a fazer a seguinte análise:
Este seria um documentário de três planos, inclusive, caso
Mauro quisesse: após a força do plano inicial, tendo montado
uma roda de engenho e logo uma turbina de usina, toda a história
da economia açucareira do Brasil, que marcou a agricultura no primeiro
período colonial, estaria levantada. Aí nesse plano inicial
está a raiz do enquadramento do filme brasileiro..."
Voltando, percebo nesta afirmação
de Glauber, uma intenção perdida no tempo, já que
agora não sinto na maioria dos documentários realizados
ou mesmo em filmes não documentais, tentativas de que com um plano,
uma seqüência ou até mesmo um filme inteiro, se chegue
a uma estética, uma idéia de um cinema brasileiro, de uma
cinematografia nacional. Ter tanto a consciência ideológica
da partícula-plano como o que um enquadramento deve informar, foi
implodido quando do cinema brasileiro pró ideologia dominante.
Claro que devemos recordar sempre que ainda
existem diretores, documentaristas, que pensam o cinema e o documentário
como um dia Walter Benjamin pensou a história.
Vamos continuar nesta pista documental para
falar de realizadores que carrego com minhas idéias.
Ricardo Miranda
continua
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