Picardias
Estudantis, de Amy Heckerling

Fast Times At Ridgemont
High, EUA, 1982

Phoebe
Cates e Jennifer Jason Leigh em Picardias Estudantis
de Amy Heckerling
É
começo de ano letivo na escola Ridgemont High. Rapidamente, a câmera
nos apresenta a fauna e o habitat: os rapazes e as garotas que se entreolham,
o carro luxuoso que vale como moeda de status, as portas dos armários
dos alunos nos corredores, o shopping center, as garçonetes
correndo atrás dos clientes bonitões, o adolescente malandrão
que acha que sabe de tudo, o amigo tímido que serve como capacho...
Na banda sonora, a música pop agitada das Go-Go's mostra que esses
jovens de fato vivem fast times, momentos rápidos em um
ambiente rápido. Amy Heckerling sabe respeitar a rapidez desses
momentos por simplesmente recusar toda a dramaturgia grave, nuançar
as elipses temporais (um ano escolar inteiro se passa sem que nos demos
conta) e colocar todos os seus persoangens sem pára-quedas nessa
espiral de montanha-russa que é ser um adolescente dos anos 80.
Picardias Estudantis
segue a vida de seis adolescentes de escola colegial, a maioria deles
empregada de meio-expediente no shopping center local. O tema principal
não poderia ser outro: sexo. E o que torna a história interessante
é que é o sexo visto do ponto de vista de uma adolescente
de 15 anos, Stacy (Jennifer Jason Leigh), que se considera uma alienígena
por ainda ser virgem. Ela protagonizará algumas das cenas mais
sintomáticas do filme, conversando com sua amiga Linda (Phoebe
Cates), supostamente mais experiente por já ter feito sexo com
seu namorado universitário: seja simulando uma felação
em pleno refeitório colegial com uma cenoura, seja discutindo com
sua amiga qual é o tempo ideal de uma trepada ou perguntando sobre
orgasmos, temos a idéia de que elas falam muito sobre sexo, desejam
tornar-se experientes rapidamente, mas não tem idéia nenhuma
do "para quê" desse procedimento; Linda mal sabe se teve um orgasmo
("meu namorado é um universitário, ele deve fazer as coisas
direito...") e as duas mentem descaradamente sobre a performance de seus
parceiros. Mas é em ação que Stacy é mais
surpreendente ainda: para perder a virgindade, combina um encontro com
o primeiro sujeito que a convida para sair, e vão a um esquisito
quartinho num descampado chamado de "point". Amy Heckerling não
torna o momento nada sutil ou doce, pelo contrário: como contraponto
ao rosto patético de Jennifer Jason Leigh, que sente apenas dor,
vemos no teto a pichação de jet "surf nazis", o que de certa
forma acaba definindo perfeitamente o encontro. Mais tarde no filme, ela
ainda tentará levar mais um menino para cama, sem sucesso, e outro,
com sucesso mediano, pois ele terá ejaculação precoce
e, envergonhado, sairá de fininho.
O comportamento dos
homens não é diferente. Mike (Robert Romanus) faz pose de
homem experiente, não cansa de dar conselhos sabichões a
seu amigo Mark (Brian Backer), que entretanto não consegue deixar
de entrar em pânico quando lida com o universo feminino. Brad (Judge
Reinhold), irmão de Stacy, aumenta o time dos garotos em crise:
apesar de declarar-se sexualmente satisfeito com seu relacionamento de
dois anos, nunca chegou a ter relações com a namorada. Da
mesma forma que com as meninas, para os homens não importa de fato
a experiência, desde que a fama deles permaneça intacta.
O único adolescente para quem sexo não parece importar é
Jeff Spicolli (Sean Penn), surfista abobado que gasta todas as horas de
seu dia em fumar todas as drogas possíveis, tirar a camisa em lugares
públicos e atormentar a vida do professor de História, Mr.
Hand. Mas, mesmo patéticos em suas tentativas de serem quem não
são, Amy Heckerling agracia todos os personagens do filme com uma
simpatia incomum nos filmes do gênero. Mais que simpatia: ela inocenta
a todos, exceção feita talvez a um único personagem.
Mas a intenção da diretora não é moralizar
seus persoangens e muito menos passar a mão na cabeça: ela
apenas se dá a função de retratar uma juventude com
seus rituais próprios, sabendo que por mais que eles passem por
situações constrangedoras, eles cedo ou tarde vão
conseguir superar tudo isso. Daí o tom leve desse filme.
Picardias Estudantis
não é um filme simplesmente exploratório, à
maneira dos filmes adolescentes do estilo Porky's; está,
inclusive, muito mais para o retrato de uma geração, o que
ele consegue ser impressionantemente bem (Cameron Crowe, como a heroína
de Nunca Fui Beijada, volta à escola colegial disfarçado
de aluno para escrever o roteiro do filme). Além de fazer um honesto
retrato da sexualidade adolescente, toca em outros tópicos fundamentais
da época, como a afluência dos jovens ao shopping center
como novo local de agregação social, os empregos de meio-expediente,
a relação com as drogas, o aborto como a solução
a uma gravidez indesejável e fora de hora... Mas em relação
à polêmica, Picardias Estudantis é uma espécie
de anti-Kids, o provocador filme de Larry Clarke. Ao contrário
de Kids, onde os personagens só existiam a fim de animar
o retrato apocalíptico (e, no limite, profundamente moralista)
que seu diretor realizava, Picardias Estudantis dá vida
a seus personagens porque sim, porque não os considera a
partir do certo e do errado, mas de suas vivências particulares,
além do bem e do mal. A diretora se coloca ao mesmo nível
dos personagens, não se coloca como controladora de seus passados,
presentes e futuros. Ela não sabe mais ou menos do que eles. E
essa entrega faz de Picardias Estudantis, mais do que tudo, um
filme apaixonante.
Ruy Gardnier
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