Esqueceram de Mim, de Chris Columbus

Home Alone, EUA, 1990


Esqueceram de Mim, dirigido por Chris Columbus,
mas no fundo um filme de John Hughes

A história é de um moleque abusado e mimado de oito anos que precisa se virar sozinho em casa contra uma dupla atrapalhada de ladrões. Em nenhum momento, aparentemente, esse filme deveria se juntar ao corpus das comédias adolescentes, pois a) o protagonista ainda é uma criança; b) o filme não é dirigido por John Hughes, embora ele tenha escrito e produzido o filme. Mas como não ver na saída de cena dos pais uma reprise de Sixteen Candles, onde um terrificante prólogo colocava Molly Ringwald tendo que aprender a lição da maturidade por ela mesma, aprendendo a fazer dezesseis anos? Bem, Macauley Culkin não aprende a ser adolescente, não vive uma vida de adolescente (não vê graça em revista de mulher pelada, fica assustado quando vê um filme violento, suas maiores felicidades são tomar sorvete e mexer no quarto do irmão mais velho), mas seu percurso é semelhante ao dos adolescentes dos filmes anteriores: na ausência dos pais, trata-se de comportar-se como um pequeno adulto.

Hughesiano até a medula, Esqueceram de Mim repete os melhores filmes de seu escritor, só que em outra chave, menos apimentado, mais caloroso. Afinal, trata-se de uma mudança de faixa etária, o que deve ser levado em consideração antes de tudo. Mas o que não muda é a estratégia por excelência de John Hughes: pensar o filme do ponto de vista do público que verá o filme, do público que se identificará ao protagonista. Como sempre também em Hughes, o tema principal é o amadurecimento, a aprendizagem. Não uma transformação baseada nas regras de conduta impostas pelo mundo externo (dos adultos), mas um crescimento interno, uma descoberta pessoal.

Esqueceram de Mim recebe um Kevin hiperagitado, como toda criança, mas tomado numa corrente absolutamente parasitária, pedindo a ajuda de tudo e de todos para algumas atividades que ele poderia fazer sozinho. Como toda criança um tanto mimada, ele tenta chamar a atenção para si. O percurso do filme será a evolução gradual desse reizinho em dono de casa responsável, cuidando não só de proteger a casa contra dois assaltantes atrapalhados - e que performam algumas cenas de antologia - mas acima de tudo conseguir se alimentar, tomar banho, arrumar suas bagunças, lavar as roupas, fazer as compras da casa...

Mas do ponto de vista da fábula moral que é o filme, a parte mais comovente é o momento em que Kevin se depara com seus grandes medos, uma lareira no porão e um senhor que mora nas redondezas. É instigante como observar uma criança largar a chupeta por já se achar grandinha ou abandonar o medo do escuro porque afinal isso é "coisa para crianças". Esse velho senhor é o responsável pelo momento mais tocante do filme: numa igreja, ele dirige-se a Kevin, que tem todos os motivos para ter medo dele – seu irmão maior havia dito que ele assassinava as pessoas com sua pá –, mas resiste para descobrir o que há por trás da lenda. Descobre um senhor cansado, recusado pela família após uma briga com o filho. Quase um personagem de Tim Burton. Mas Hughes não é Tim Burton: mais do que realçar as diferenças, trata-se de descobrir aquilo que os dois têm em comum: o medo e a coragem para ultrapassá-lo.

Se John Hughes consegue realizar um excelente projeto de filme, o realizador Chris Columbus sabe ajustar-se a ele e aplicar igualmente diversos truques de identificação. Câmera subjetiva que explica a idéia do filme – a infância do ponto de vista das crianças –, uma steady-cam ágil para captar a rapidez e a correria das crianças, mas principalmente aquilo que se tornou o marco visual do filme: Macauley Culkin, correndo, pára um pouquinho em frente à câmera, leva as mãos ao rosto e dá um grito de susto. Um espaço não-diegético é criado, e nele se coloca toda a significação do filme.

Mas Esqueceram de Mim não é tão ácido e anarquizante como, digamos, Curtindo a Vida Adoidado, de longe o melhor filme de John Hughes. Há que entender que não é apenas um filme de criança, mas igualmente um auto de natal, ou seja, um filme sobre a reconciliação familiar. Se num primeiro momento Kevin vibra de alegria por não ter mais à sua frente nenhum familiar chato, logo depois ele desejará ardorosamente que sua família retorne – ele crê que a família desaparecera por um desejo seu. Mas entre a anarquia e a reconciliação moralizante, Kevin já fez sua aprendizagem, já descobriu o seu espaço de liberdade, e isso nenhuma futura reconciliação irá tirar dele. A descoberta de um limiar de liberdade dentro de um espaço moral altamente codificado: não é esse afinal o significado dos filmes de John Hughes?

Ruy Gardnier