Listas de Melhores Filmes, quando tratam
de Cinema Brasileiro, têm tendência a se repetirem, a faltarem
com a originalidade. Os primeiros lugares são intocáveis.
Podem variar um pouco, mas sempre em torno de uma mesma seleção,
já bastante conhecida, de obras consideradas maiores. As razões
para isso acontecer, para não surgirem novidades concretas nesse
tipo de sondagem, são muitas e estão relacionadas a várias
características básicas da nossa forma de fazer, pensar
e consumir cinema. Denotam problemas que, como mais uma vez se comprova,
ainda não foram solucionados.
Não aparecer um filme novo entre
os 10 melhores pode ser entendido como uma incapacidade do nosso cinema
de se superar depois de uma suposta época passada e bonita, ou
não ser nada além de comprovada unanimidade burra, que
não admite tocar nesse tal passado glorioso e confrontá-lo
com um tempo mais recente que contradiria todo o projeto cinematográfico
brasileiro idealizado. É o tipo de discussão que pode
se arrastar por horas a fio em uma conversa, mas o fato é claro:
Existe uma elite de filmes e, como toda elite, ela não vai ser
mudada com tanta facilidade.
Uma elite de filmes tem uma elite de diretores
que a acompanha. São, nesse ponto, os nossos mitos. Sempre que
se fala de Cinema Brasileiro eles reinam absolutos, são nossos
guias, determinam rumos de debates, estabelecem parâmetros. É
difícil não soar irônico ao fazer essas afirmações,
mas não se trata disso, em hipótese alguma. Essa elite
existe sim. É produto de uma história nacional, de anseios
coletivos, de muita reflexão e produção. Se ela
ainda não foi destronada a culpa não lhe deve cair inteira
nas costas. Só podemos lamentar um pouco a falta de condições
atuais para seguirmos com sonhos de construção da nossa
identidade, que parece pertencer a um passado. Essa Lista mostra esse
tempo de compromisso com o que pensamos ser um ideal formador, que não
evoluiu inteiramente até esse século XXI. Nos resta tentar
descobrir e entender os motivos para isso ter acontecido. Até
lá, nos cabe a tarefa, talvez não tão árdua,
de continuar prestando reverência às obras listadas, sempre
buscando estender o debate para não torná-las inertes
e fechadas no seu tempo.
São Paulo S.A. aparecer na
lista não impressiona ninguém. Sempre citado em outras
pesquisas do gênero, sua posição flutua ao sabor
das atualidades e dos humores momentâneos dos votantes. O que
chama a atenção no caso da sua presença, e acredito
que não apenas no momento, mas ao longo dos anos e das listas,
é o seu caráter pouco universal de formador de identidade.
É um filme regional, paulista até a medula. Se os filmes
votados fazem parte de um projeto unificador nacional, sendo essa a
semelhança, São Paulo S.A., se não destoa,
tem peculiaridades maiores. Ele foge do regionalismo alegórico
nordestino cinemanovista de Deus e o Diabo. Foge dessa vertente
não alegórica de Vidas Secas ou da alegoria nacionalista
de Terra em Transe. Também se afasta do modernismo adaptado
de Macunaíma, com seu projeto estético mais compromissado
com mudanças. Está longe da Boca do Lixo, longe da vanguarda
artística modernista, longe do bucólico criador. do início
do século cinematográfico. A maneira de São
Paulo S.A. criar um Brasil, de dar uma cara ao nosso país,
está vinculada à importância de um momento histórico
com localização geográfica bem específica:
o crescimento urbano, a industrialização nacional, a criação
de uma burguesia nas grandes cidades, com seus valores de classe bastante
específicos. Toda uma mudança de rumo que fez do Brasil
o que ele é hoje. Muito diferente do país de base agrária
que escapou de ser. Não passando por imposições
estéticas consideradas revolucionárias ou bem definidas,
que são de grande relevância para incluir um filme em uma
lista de melhores, o que São Paulo S.A. faz é um
cinema urbano, considerado por uns como cinema novo, porém capaz
de tratar da crise de valores da nova burguesia de uma forma que os
coloca no foco principal, e não como simples pano de fundo para
uma suposta criação estética engajada em movimentos
cinematográficos do período. Ele tratou da própria
época, de um acontecimento específico e previu suas conseqüências,
ao expor valores sociais tão ralos para o nosso futuro como nação.
São Paulo S.A. aparece em
nono lugar. Por pouco não aparece entre os 10 primeiros. Dos
primeiros fica bastante distante. Mas ai começa a questão
do próprio mecanismo de confecção da Lista, seus
preconceitos, seus mitos, sua elite. O filme faz parte da elite. Se
não aparecesse entre os 10, seria citado. Nunca esquecido, ele
é relevante demais e não tem intenção alguma
de ser o melhor, se é que isso existe. Seu papel é figurar
como um deles, provar que identidade se constrói também
com tema, não somente com estética, com citação
ou referência. Pode não ser um filme clássico narrativo
na essência do termo, mas também não é de
um radicalismo militante em movimento nenhum. Está entre os melhores
porque tem colocações contundentes, opinião formada
e capacidade para criar um Brasil por antecipação e não
por releitura.
João Mors Cabral