São Paulo S.A., de Luís Sérgio Person


São Paulo S.A., de Luís Sérgio Person

Listas de Melhores Filmes, quando tratam de Cinema Brasileiro, têm tendência a se repetirem, a faltarem com a originalidade. Os primeiros lugares são intocáveis. Podem variar um pouco, mas sempre em torno de uma mesma seleção, já bastante conhecida, de obras consideradas maiores. As razões para isso acontecer, para não surgirem novidades concretas nesse tipo de sondagem, são muitas e estão relacionadas a várias características básicas da nossa forma de fazer, pensar e consumir cinema. Denotam problemas que, como mais uma vez se comprova, ainda não foram solucionados.

Não aparecer um filme novo entre os 10 melhores pode ser entendido como uma incapacidade do nosso cinema de se superar depois de uma suposta época passada e bonita, ou não ser nada além de comprovada unanimidade burra, que não admite tocar nesse tal passado glorioso e confrontá-lo com um tempo mais recente que contradiria todo o projeto cinematográfico brasileiro idealizado. É o tipo de discussão que pode se arrastar por horas a fio em uma conversa, mas o fato é claro: Existe uma elite de filmes e, como toda elite, ela não vai ser mudada com tanta facilidade.

Uma elite de filmes tem uma elite de diretores que a acompanha. São, nesse ponto, os nossos mitos. Sempre que se fala de Cinema Brasileiro eles reinam absolutos, são nossos guias, determinam rumos de debates, estabelecem parâmetros. É difícil não soar irônico ao fazer essas afirmações, mas não se trata disso, em hipótese alguma. Essa elite existe sim. É produto de uma história nacional, de anseios coletivos, de muita reflexão e produção. Se ela ainda não foi destronada a culpa não lhe deve cair inteira nas costas. Só podemos lamentar um pouco a falta de condições atuais para seguirmos com sonhos de construção da nossa identidade, que parece pertencer a um passado. Essa Lista mostra esse tempo de compromisso com o que pensamos ser um ideal formador, que não evoluiu inteiramente até esse século XXI. Nos resta tentar descobrir e entender os motivos para isso ter acontecido. Até lá, nos cabe a tarefa, talvez não tão árdua, de continuar prestando reverência às obras listadas, sempre buscando estender o debate para não torná-las inertes e fechadas no seu tempo.

São Paulo S.A. aparecer na lista não impressiona ninguém. Sempre citado em outras pesquisas do gênero, sua posição flutua ao sabor das atualidades e dos humores momentâneos dos votantes. O que chama a atenção no caso da sua presença, e acredito que não apenas no momento, mas ao longo dos anos e das listas, é o seu caráter pouco universal de formador de identidade. É um filme regional, paulista até a medula. Se os filmes votados fazem parte de um projeto unificador nacional, sendo essa a semelhança, São Paulo S.A., se não destoa, tem peculiaridades maiores. Ele foge do regionalismo alegórico nordestino cinemanovista de Deus e o Diabo. Foge dessa vertente não alegórica de Vidas Secas ou da alegoria nacionalista de Terra em Transe. Também se afasta do modernismo adaptado de Macunaíma, com seu projeto estético mais compromissado com mudanças. Está longe da Boca do Lixo, longe da vanguarda artística modernista, longe do bucólico criador. do início do século cinematográfico. A maneira de São Paulo S.A. criar um Brasil, de dar uma cara ao nosso país, está vinculada à importância de um momento histórico com localização geográfica bem específica: o crescimento urbano, a industrialização nacional, a criação de uma burguesia nas grandes cidades, com seus valores de classe bastante específicos. Toda uma mudança de rumo que fez do Brasil o que ele é hoje. Muito diferente do país de base agrária que escapou de ser. Não passando por imposições estéticas consideradas revolucionárias ou bem definidas, que são de grande relevância para incluir um filme em uma lista de melhores, o que São Paulo S.A. faz é um cinema urbano, considerado por uns como cinema novo, porém capaz de tratar da crise de valores da nova burguesia de uma forma que os coloca no foco principal, e não como simples pano de fundo para uma suposta criação estética engajada em movimentos cinematográficos do período. Ele tratou da própria época, de um acontecimento específico e previu suas conseqüências, ao expor valores sociais tão ralos para o nosso futuro como nação.

São Paulo S.A. aparece em nono lugar. Por pouco não aparece entre os 10 primeiros. Dos primeiros fica bastante distante. Mas ai começa a questão do próprio mecanismo de confecção da Lista, seus preconceitos, seus mitos, sua elite. O filme faz parte da elite. Se não aparecesse entre os 10, seria citado. Nunca esquecido, ele é relevante demais e não tem intenção alguma de ser o melhor, se é que isso existe. Seu papel é figurar como um deles, provar que identidade se constrói também com tema, não somente com estética, com citação ou referência. Pode não ser um filme clássico narrativo na essência do termo, mas também não é de um radicalismo militante em movimento nenhum. Está entre os melhores porque tem colocações contundentes, opinião formada e capacidade para criar um Brasil por antecipação e não por releitura.

João Mors Cabral