Refletir ou refletir?

 

16 de março, 2001, Rio de Janeiro. Às 21hs, é aberta no Centro Cultural Banco do Brasil a mostra "Cinema Brasileiro: Anos 90, 9 Questões", que ao longo de nove dias se debruça sobre a produção brasileira de 1990 a 2000, levantando pontos que pareçam pertinentes à discussão crítico-teórica do que foi o cinema da década. É exibido o filme Urbania, de Flavio Frederico, inédito no Brasil, como uma aposta nos caminhos dos próximos anos. Às 21hs, no Espaço Unibanco, acontece a première nacional de Amores Possíveis de Sandra Werneck, recente ganhador de prêmio no Festival de Sundance. Refletores na porta do cinema, festança em seguida no Parque Lage, palco de cenas clássicas do próprio cinema brasileiro, como a de Macunaíma ou a de Terra em Transe. No CCBB, presença da mídia de sempre (Canal Brasil, Revista do Cinema Brasileiro, Metrópolis), no Espaço Unibanco idem, menos a Revista do Cinema Brasileiro e mais os repórteres das colunas sociais. No CCBB, grande número de jovens estudantes de cinema que mais cedo debateram com o prof. Ismail Xavier sobre "Como se constrói um país?". Além deles, críticos, e os membros da equipe do filme exibido. No Espaço Unibanco, boa parte dos diretores e técnicos do cinema nacional sediados no Rio. Corte seco.

O simbolismo bobo contido nesta infeliz coincidência ensina muito do que é hoje o cinema brasileiro. Nada contra o filme de Sandra Werneck, muito pelo contrário, ele apenas calhou de ser aquele em exibição nesta noite. Mas o fato é que, se a década de 90 talvez tenha sido o período mais baixo do cinema nacional no que se referiu a discussão estética ou temática dos filmes realizados, a culpa ao que parece está longe de ser apenas dos próprios críticos, da mediocrização da grande mídia, da falta de interesse do público. Pois os críticos (ou pelo menos alguns dos melhores entre eles) se colocaram a disposição deste evento, a mídia deu destaque à sua existência, e o público compareceu, em especial um público jovem que lotou os debates até mesmo no fim de semana. Só faltaram os diretores, os realizadores. Estes não apareceram. E não só na abertura, onde havia este conflito de datas. Eles não apareceram em nenhum outro dia, em nenhum debate, em nenhum filme. Aliás, para não ser injusto, um deles apareceu sim: não por acaso um cineasta que não filmou nos anos 90, Maurice Capovilla, um dos grandes mestres do cinema nacional surgido nos anos 60 e 70.

E destaco este fato porque eu mesmo, como um dos organizadores da mostra, jamais poderia esperar tamanha demonstração de desinteresse por qualquer coisa que se relacione com discussões estéticas, ideológicas e/ou temáticas. Acreditava eu também que a culpa era da falta de espaço para este debate. Qual nada. Aparentemente o cinema brasileiro entrou numa nova era onde o melhor é não perguntar, não questionar. Ao invés da reflexão de críticos, a luz dos refletores da festa da nossa "indústria". Refletir ou refletir, eis a questão...

E a opção parece tomada: continuam jogando o jogo de um mercado inexistente, maravilhados agora com o interesse das majors americanas no cinema nacional. Esquecidos de que este cinema já foi abandonado e sabotado por estas mesmas senhoras que agora estendem a mão. Aceitando mais uma vez as migalhas jogadas, e se bandeando para longe de qualquer preocupação artística ou de formação real de público, de discussões que podiam enriquecer muito o entendimento dos diretores da recepção a seus filmes, e certamente enriqueceram os espectadores com a revisão crítica.

Ao longo dos debates, uma coisa ficou clara: o principal problema do cinema nacional é que ele passa por uma crise esquizofrênica. Não sabe quem ele é, porque ele é, a quem ele fala, como ele fala. Não sabe nem mesmo como ou se ele está chegando a alguém. Mas tudo está OK enquanto houver uma festinha de lançamento aqui, um coquetelzinho ali, umas câmeras de TV aqui, uns refletores ali. Tudo vai bem. Os problemas, se existem, são dos outros: a culpa é do MinC, o problema são os críticos, o vilão são os americanos. No nosso seio, tudo às mil maravilhas.

Mas, o cinema brasileiro é tão rico que resistirá a mais esta fase empobrecida de pensamento. O cinema brasileiro é tão variado que consegue produzir belas obras mesmo neste momento maníaco-depressivo onde boa parte das obras não dialoga com ninguém, onde os próprios cineastas não dialogam entre si. No máximo o tapinha nas costas da próxima pré-estréia: "Parabéns. Belo filme." O debate é esse. Nada mais, só o silêncio.

Que assim seja, mas não podemos nos deixar levar. As obras nos dizem coisas, se os realizadores não o querem fazer. Os filmes falam sem parar, eles sim não mentem. E durante nove dias muito se falou sobre eles. E durante nove dias um público novo, inestimável, teve a chance de ver pela primeira vez, ou de rever obras que já são parte de nossa história e nos dizem muito sobre nós. Pena que os cineastas não tenham aprendido com o público nem com os críticos como estes estavam dispostos a aprender com os filmes. Vai ver que a lógica é essa mesmo. Só não venham reclamar depois da falta de atenção. Cai a máscara, o rei está nu: o cinema não quer falar nem ouvir. Chance como esta ainda vai fazer falta...

Eduardo Valente