(Entrevista publicada originalmente na
Revista Filme Cultura, edição 47, abril-agosto de 1984)
Zuenir Ventura – Quanto tempo você
levou fazendo esse filme?
Eduardo Coutinho – Em 1962, filmei um comício
em protesto à morte de uma pessoa que eu não conhecia
e que, aliás, era pouco conhecida no Brasil. Em João Pessoa,
soube que era um líder camponês, João Pedro Teixeira,
assassinado por policiais militares a mando de um grande proprietário
de terras nordestino. Eu nunca filmei na minha vida, nem antes nem depois,
mas naquele dia eu tive que filmar. O cinegrafista contratado pelo CPC
era da Agência Nacional, um senhor de idade que ainda por cima
estava doente e tal. Então eu filmei e deu certo. Em maio de
1962, eu voltei para o Rio de Janeiro e o Carlos Estevão, que
era o presidente do CPC, me escolheu para dirigir um longa-metragem.
A idéia inicial era fazer um filme baseado em O Rio, de
João Cabral de Melo Neto. Seria o percurso do rio Capibaribe,
com os poemas sociais de João Cabral, mas sem o nascimento da
criança, sem o final de Morte e Vida Severina. O João
Cabral, que inicialmente havia concordado com o projeto, nos mandou
um telegrama dizendo que não estava mais de acordo. Nunca perguntei
a ele por que fez isso. Mas pode ter sido o receio dele de poder ser
acusado de comunista. Ele é um diplomata e talvez não
tenha julgado oportuno se envolver com uma produção do
CPC da UNE. E aí partimos para a outra historia.
Zuenir — Foram 22 anos de filmagem?
Coutinho — Foram 22 anos, se contarmos
a partir da filmagem do comício. Se contarmos a partir do primeiro
plano rodado, foram 20 anos.
Aspásia Camargo – Você tem
notícia de um filme que tenha levado tanto tempo para ser concluído?
Coutinho – Em circunstâncias exatamente
iguais, não. Há filmes que são interrompidos, mas
não manu militari como no nosso caso. Há também
casos em que a pessoa volta no tempo para recuperar imagens de um filme
de uma outra pessoa, para ver como essa coisa evoluiu e se transformou
no tempo. Li também sobre situações heróicas
como a de um turco que roteirizou e dirigiu um filme, da cadeia. Evidentemente,
do meu ponto de vista, Cabra Marcado Para Morrer não é
uma curiosidade etnográfica, ou acadêmica.
Zuenir — Você disse que fez um filme
para se livrar dos seus fantasmas. Que fantasmas são esses?
Coutinho — Dos fantasmas, eu nunca vou
me livrar. Falei desse fantasma de um copião, de um negativo
que ficou 20 anos na minha casa, ou na casa do David Neves. Era um filme
apodrecendo, uns papéis... eu tinha de dar a volta por cima nesse
fantasma. Esse é o lado mais psicológico. Afinal, por
que a coisa ficou tão viva na minha relação com
as pessoas com quem eu tinha trabalhado? Porque elas também tinham
seu fantasma — que foi 1964. Agora, eu não sabia até que
ponto o fantasma do filme era importante para elas. De repente, um cara
lá no sertão guarda um livro esquecido, como um negativo.
Porque se o filme inicial não significou muita coisa para Elizabeth,
havia aquele garoto de 20 anos que guardou um livro deixado pela equipe,
como se fosse um negativo. E ai, o filme e 1964 são uma coisa
só.
Zuenir — Como um negativo?
Coutinho — O João José —
o ex-garoto — diz que logo depois da partida dos soldados ele tentou
ler o prefácio. Ele diz que mal conseguiu porque era uma linguagem
muito difícil. Diz que achou "a história do livro
contada no prefácio parecida com a história de vocês".
Esse cara que mora numa casa arrebentada, típica de um camponês
daqueles, e mantém numa maletinha um livro em tão bom
estado durante 17 anos, é algo extraordinário. E ele guardou
o livro para devolvê-lo. Naquele livro guardado estava a esperança
da nossa volta.
Aspásia — O interessante é
que o método que você usa não é um método
que você escolheu intelectualmente. Foi a própria vida
que o determinou. Você não quis, por um lado, fazer um
filme etnográfico. Por outro, você também não
quis montar um filme-dentro-do-filme. Você usou oportunidades,
não é?
Coutinho — Em agosto ou setembro de 1979,
quando o Miguel Arraes voltou do exílio e tinha um festival de
cinema em João Pessoa, arranjei uma passagem e me mandei para
lá. Fiquei lá um sábado e, no domingo, fui ao Recife
assistir ao comício da chegada do Arraes. Não fiz nada
de mais pelo filme, mas procurei me informar se o filho mais velho de
Elizabeth estava por lá. Comecei a ver as possibilidades concretas
de se fazer o filme. Nesse ano e pouco que levou até eu rodar
o primeiro plano, eu pensava sobretudo em como construir o filme. E
tive a idéia de reduzir o copião para 16mm e passar para
os autores de 64. Ora, no momento em que decido fazer isso tenho a consciência
de estar fazendo algo que tem um significado estético — as pessoas
vêem um filme no qual elas aparecem. Era bom porque estimulava,
mas era também, de minha pane, como uma prestação
de contas. Aliás nenhum dos camponeses me pediu qualquer prestação
de contas.
Ana Maria Galano — Você queria confrontar
o seu fantasma com o fantasma deles?
Coutinho — Não pensei muito nisso...
Zuenir — Você escreveu um roteiro?
Coutinho — Não escrevi nada. Mas
tinha na cabeça o objetivo de contar algumas histórias.
E muitas perguntas. E num caderno, anotados muitos dados sobre os personagens
e a história das ligas.
Ana Maria — Acho importante falarmos do
compromisso moral do Coutinho, da sua persistência, dos obstáculos
que ele enfrentou, do preço que ele pagou. Mas não acho
que as coisas sejam tão fortuitas assim. Elas têm uma construção,
mesmo não tendo um roteiro. E seria interessante saber como foi
feito o primeiro filme e, em seguida, o filme em sua versão final.
Inclusive esse negócio de as pessoas guardarem coisas não
ocorreu apenas neste caso. Há exemplo de gente que, percorrendo
o interior do Brasil, chegou a encontrar camponeses já muito
idosos que guardavam dinheiro para a volta da Coluna Prestes — um dinheiro
desvalorizado, sem uso, guardado em máquinas de costura, etc...
E uma história de esperança. No caso do filme é
diferente — você sabia que estava lidando com emoções
estéticas. Gostaria de saber como você vê seu projeto
inicial naquele momento em que o CPC também tinha o projeto Cinco
Vezes Favela? Será verdade a hipótese, levantada pelo
Sérgio Augusto, de que se o primeiro filme tivesse sido terminado
ele teria virado uma mera curiosidade de cinemateca?
Coutinho — Talvez não fosse um bom
filme — se é que essa expressão tem sentido — mas certamente
seria um documento sobre um momento que não volta mais. Seria,
por exemplo, o único filme feito com o movimento organizado da
gente do campo. O que o Sérgio quer dizer com isso, eu acho,
é que teria sido um filme precário. Eu não sabia
dirigir os atores, o diálogo era banal e o roteiro era quase
todo baseado nas informações de Elizabeth sobre a vida
de João Pedro Teixeira, sem invenção. O filme é
uma coisa, a realidade, outra. E o roteiro do filme original tinha mil
"barrigas", ele terminava duas vezes, era convencional, com
personagens muito tipificados — tinha o cara exaltado, o covarde, o
cara de bom senso. Eu ia pecar por isso. Tanto, que a única cena
do filme original que eu dublei era a única cena que talvez indicasse
o melhor caminho de se fazer um filme. Nela, os diálogos
foram feitos pelos próprios camponeses. Não digo a estrutura,
mas os diálogos. E eles disseram coisas que um roteirista jamais
poderia escrever.
Claudio Bojunga — Você não
ia escrever um filme sobre a esperança e terminou fazendo um
filme sobre o medo?
Coutinho — O segundo é sobre os
dois: o medo e a esperança. O primeiro filme seria um filme tradicional,
feito de fora para dentro. O filme atual é um filme que sabe
que é de fora para dentro, um filme que sabe que não
é feito pelos camponeses mas que, ao mesmo tempo, não
os paternaliza ou, pelo menos, tenta não paternizá-los
ou idealizá-los. No que a vertente populista idealiza, a outra
vertente despreza. No primeiro filme estava a minha ignorância
da cultura que gerou as ligas. Mas não havia só otimismo.
Inclusive o filme terminava com um enterro. No máximo, Elizabeth
olhava para a câmera, o que era um vício daqueles tempos,
mas terminava com um enterro.
Aspásia — O primeiro era político-panfletário.
Apenas você não poderia dar uma visão otimista porque
estava lidando com camponeses. E não era possível ter
uma visão otimista do populismo pelo viés do camponês.
Agora, quando a gente vê o filme antigo dentro de um outro filme,
a gente tem a impressão de uma visão mais experiente,
mais cética, mais complexa. Os personagens não são
apenas políticos, vítimas situadas de forma maniqueísta.
São seres humanos de carne e osso, extremamente complexos, com
suas famílias, relações pessoais, contradições.
Retorno então à pergunta: da primeira vez, "de fora
para dentro", seria talvez mais fácil ter tido uma atitude
confiante. Já mais tarde, na segunda versão, você
parece muito mais consciente da fragilidade das coisas — é urna
visão nova sobre o sofrimento daquela gente, e que talvez não
estivesse na primeira versão.
Coutinho — É difícil responder
porque, afinal, eu não completei a primeira versão. E
há mil coisas ligadas àquele momento, em 1964, que eu
esqueci. Coisas que são lembradas por certas pessoas, mas que
eu esqueci, ou talvez tenha bloqueado. Foi um roteiro que eu havia feito
em duas noites, e seria um filme precário nesse nível.
Eu tinha uma grande insegurança em relação ao cinema.
Seria, como disse, um filme acadêmico com diálogos de gente
que eu não conhecia suficientemente. A esse respeito há
um episódio bastante significativo ocorrido com uma pessoa da
equipe. Ao chegarmos em Galiléia, essa pessoa encontrou com alguns
camponeses e, imitando o sotaque nordestino, convidou: "vamo
tomâ uma cachaça aí". Os camponeses obviamente
aceitaram, mas quando a pessoa foi embora, eles me perguntaram: "quem
é esse galego aí?". O episódio é marcante
para mim porque ele exprime a inutilidade de se fingir uma linguagem
ou hábitos que não temos. Aliás, é uma ilusão
que nunca tive. Você pode fingir um sotaque, mas você jamais
será igual ao outro — no sentido de classe e cultura. Essa ingenuidade
eu não tinha. E também estava sabendo das contradições
que existiam no interior das ligas camponesas. Mas eu não tinha
a experiência que tenho agora.
Zuenir — Inclusive no campo do jornalismo
e do telejornalismo...
Coutinho — O problema do autoritarismo
no filme de ficção pode ser mais facilmente superado do
que no documentário. O problema é, aliás, mais
claro no documentário: você vai falar com pessoas de outra
classe social e se pergunta como chegar a elas. E uma relação
de pessoa a pessoa. Da primeira vez eu fui com as idéias prontas,
com coisas que "tinham de aparecer". O que eu aprendi na televisão,
por exemplo — porque eu nunca tinha feito um documentário antes
—, é que se você se posta a uma distância de três
metros de seu interlocutor para não aparecer na imagem, você
não está conversando com essa pessoa. Ninguém conversa
a essa distância. Você tem de estar junto. Senão
é como se houvesse uma barreira, a pessoa fala como se estivesse
falando para a polícia ou para o "cinema", quer dizer,
está prestando um depoimento. Mesmo procurando quebrar essa barreira,
todo depoimento se parece com depoimento policial. Quando um operário
no filme diz, por exemplo, que está satisfeito com seu trabalho
na fábrica, ele está consciente de que está falando
para mim e também para o "cinema". E a pessoa que vê
bem um documentário percebe logo que aquilo pode não ser
verdade. Mais: se ele se queixasse, eu não poria seu depoimento
no filme sem a autorização dele. Tanto que, depois, eu
voltei para filmar esse cara e ele me pediu: "por favor, não
volte mais aqui, senão vou ser despedido". Os patrões
estavam desconfiados e ele me mandou uma carta. Uma carta que tenho
até hoje e que me parece fundamental. Depois dessa carta, se
ele me tivesse dito que não gostava do trabalho dele eu não
ia botar isso no filme.
Bojunga — Essas negaças pontuam
todo o filme. Como no elogio histérico da abertura política
feito pelo filho mais velho de Elizabeth, que tumultua a primeira entrevista.
Mas, na última seqüência, a gente tem a impressão
de que Elizabeth se solta e faz críticas políticas veementes
porque não sabe que está sendo filmada, ou pelo menos
gravada. Qual o limite entre as pessoas e as personagens?
Coutinho — Na minha opinião, se
a última seqüência fosse feita com a câmera
escondida, teria sido um troço eticamente errado. Eu nunca atuei
com a câmera escondida. Apenas estava sentado na frente e o fotógrafo,
atrás. A máquina era visível, ela não reparou
porque era uma situação de despedida, o motor do carro
já estava ligado, inclusive. Há também um outro
momento em que Ehzabeth está totalmente livre, no segundo dia
de filmagem. Eu vou chegando e ela está na janela. Tem duas câmeras
filmando e ela simplesmente não vê porque estamos chegando.
Quando você chega filmando, as pessoas às vezes ficam
espontâneas. No final ela também está solta, não
só pelo que ela diz, solta em seus gestos.
Ana Maria — Você não acha
que ao dizer o que ela diz no final significa que ela reaprendeu a falar
durante o processo das filmagens?
Coutinho — E um ganho de confiança...
Ana Maria — Mas também um reaprendizado.
No início ela fala de coisas extremamente limitadas sobre sua
presença ali. Há uma certa insegurança quando ela
diz "agora já sabem que eu não sou Marta, sou Elizabeth".
Aos poucos ela vai ganhando certas condições que lhe permitem
retomar aquela linguagem política. E há outro fator: o
tempo que a câmera e o gravador ficam ligados. Em certos momentos
é quase insuportável o que acontece com as pessoas — quando
choram diante da câmera, quando gaguejam. E você não
limita os tempos, não corta, trabalha numa montagem em planos
longos....
Coutinho — Eu e o Edgar Moura filmamos
certos personagens continuamente, com um rolo de filme inteiro, de 10
minutos. E isso permite grandes atuações, de ator mesmo.
Quem lembra o passado é tarnbém ator. Aquele cara que
fala dos cubanos, do sotaque carioca, por exemplo, falou durante 10
minutos, sem corte. Guardei uns quatro. Outro exemplo: o ator que interpretava
João Pedro no filme original. Tem aquela cena em que ele está
com medo de falar. Foi um chassis inteiro, um plano só. A mulher
de Caxias, idem. Procurei, o mais possível, o tempo real. O que
eu aprendi fazendo televisão (não podendo usar na televisão)
e pratiquei radicalmente no filme foi o seguinte: acabar com o fantasma
— o entrevistador que não aparece, a voz em off, respostas
sem as perguntas correspondentes, etc... Identificar o entrevistador
situa um pouco essa pessoa, sua ideologia, sua classe social. E minha
função é ficar olhando para os olhos dos entrevistados,
não para a câmera.
Aspásia — Uma situação
de parteiro...
Coutinho — O problema é que a gente
tem uma relação a resolver com o entrevistado. E impossível
ficar isento, a gente manifesta simpatia ou antipatia, disfarça
etc... O câmera tem que pegar isso tudo e o Edgar foi formidável
nisso. Mas eu não olhei para a câmera, durante as entrevistas.
Bojunga — A propósito da televisão,
em seu filme não se trata de uma implosão da linguagem
ideologicamente controlada de Globo Repórter?
Coutinho — Não sei aprofundar isso.
Sei que a experiência na televisão foi utilíssima.
Eu jamais poderia fazer o filme sem uma grande experiência no
documentário, na reportagem, experiência que eu tive na
televisão. Na televisão você tem condições
de filmar muito, de captar o "real", de se aproximar das pessoas.
Mas eu também sentia que o que eu fazia lá estava submetido
a uma série de limites. Você não pode conhecer as
pessoas porque tudo é feito muito rapidamente, hão limite
da edição, pois ninguém vai falar três minutos
seguidos. Mais importantes do que as limitações de ordem
ideológica ou política, são as limitações
de ordem estética, pois lá você não pode
questionar o produto que você está fazendo. Aquilo que
você faz não pode inclusive "aparecer como produto",
mas como "naturalismo". O limite da televisão é
o seu naturalismo. O repórter aparece como que para aprofundar
a presença do "real", que é um real entre aspas
e que nao é discutido.
Bojunga — Há essa ficção
de que o documental é sempre o real, e a falácia de que
a ficção não é verdade. Quais os limites
entre documentário e ficção sob esse aspecto?
Coutinho — O que me ocorre agora é
que o estatuto da imagem no documentário é dito verídico
e o da ficção, não verídico. Isso é
ambíguo.
Aspásia — Acho que você sentiu
a impotência daquela primeira fase populista, na qual você
tinha respostas prontas, em que Pedro Teixeira é um herói,
sua mulher uma vítima, e a história será sobre
os mártires da sociedade brasileira. No segundo momento, você
chega modestamente dizendo eu não pertenço a este mundo.
Para que eu saiba como as coisas funcionaram, eu tenho de ouvir todas
as pessoas envolvidas, em seus vários percursos e opções:
um aderiu, outro não aderiu; outro se converteu ao protestantismo,
outro permaneceu fiel ao seu pensamento. A própria Elizabeth
Teixeira é uma mulher que aparece com suas fragilidades humanas,
suas fraquezas de mãe, uma mãe talvez não muito
bem-sucedida. Acho que houve essa modéstia, que é a postura
do verdadeiro historiador: eu não tenho a verdade, eu chego a
ela através de mil caminhos. Para o documentário foi a
televisão. E você teve de destruir a linguagem do documentário
oficial. Destruir dialeticamente, ou seja, revelando o papel do entrevistador,
se autodefinindo...
Coutinho — A picada que o filme abre, a
meu ver, não é tanto o fato de a equipe aparecer — isto
se faz muito. O importante, a meu ver, é que certas informações
de texto e de estrutura do filme servem para indicar as condições
de produção da "verdade". Quer dizer, hoje as
pessoas falam dessa maneira, numa determinada situação;
no dia seguinte, de surpresa, podem falar de outra maneira. O ator que
faz o João Pedro, que tem medo, por exemplo. Constato que ele
tem uma máquina na cara dele e tem o medo redobrado diante dessa
invasão. O João Virgínio, que descreve a tortura
— é claro que o que ele diz ocorreu —, mas ele fala 20 anos depois
para um público habituado àquilo, e ele é um ator.
É uma cena extraordinária de verdade e de atuação.
E por que não? O Edgar Moura, o fotógrafo, lamentou não
estar mais perto dele naquela cena. Pessoalmente acho que ficou muito
melhor assim. Você não tem o rosto dele (aliás,
ele está de óculos escuros). Além disso, a câmera
trabalha em campo aberto e vê-se ao fundo um projetor, que é
uma marca do teatro. É uma cena de teatro. E de verdade terrível.
O que me irrita em certos livros de História e Sociologia é
que não aparecem as pessoas, o cotidiano das pessoas.
Aspásia — O mais importante é
a complexidade, porque ninguém tem controle sobre o resultado
final. E cada um vê o filme de uma maneira. Teve alguém
que disse que Elizabeth parecia uma mulher fria...
Ana Mana — Gostaria de saber como foi o
seu trabalho com o Escorel. E falar da visão que você tinha
na época do CPC e sua posterior evolução?
Coutinho — É pena que o Escorei
não esteja aqui porque ele deve ter a visão dele. Posso
dizer que trabalhamos em grande harmonia — ele foi fundamental, e não
só no sentido profissional. Trabalhou e criou muito na montagem
e no copidesque do texto. Quase nunca falamos sobre política
ou estética — a gente se entendia, acho. A concepção
do CPC era da arte como utensílio, como algo utilitário
(o que era um absurdo). Era também a concepção
do povo como utensílio, como puro instrumento da Revolução,
etc... E eu já era um cara vacilante em termos de CPC. O fato
de eu ter sido um pouco marginal no CPC e no Cinema Novo me serviu,
de qualquer fora, para alguma coisa: ver mais claramente os erros que
se cometeram, pois eu não estava empenhado numa posição,
que, no fundo, desprezava a ideologia popular. Aliás, essa postura
está nos documentos, não tanto nas obras concretas, que
às vezes foram interessantes. Resumindo: o negócio terrível
era querer ser "porta-voz do povo". No filme, tento dar àquelas
pessoas, ao máximo, a voz que elas podem ter, mas não
estou negando que é um filme. E o fato de dizer que é
um filme dá uma cota de verdade maior. Ora, quais são
as tendências nos documentários tradicionais? Uma, é
captar o "real" justapondo entrevistas e sem fazer um texto,
sob a alegação de que não se quer ser autoritário,
de "não interferir". Isso é muitas vezes preguiça,
ou medo de se definir. Você cria a ilusão de que a matéria
bruta produz a verdade. A outra tendência é a do texto
normalizador, a do texto autoritário, a voz em off que
diz o que se deve pensar da realidade. Não digo que isso é
desprovido de interesse por princípio — cada caso é um
caso. Mas esses são os documentários tradicionais. Se
é na televisão, o normalizador é o locutor. O locutor
é a voz da televisão, do chefe, do modelo.
Aspásia — No seu filme o locutor
não é um engajado profissional, nem um censor. Teu texto
em off é histórico e eu sei como você procedeu
com cuidado, com meticulosidade, checou as datas. E isso o que aparece
na narração...
Coutinho — O fatual é importante.
Acho que muito cinema-documentário que se faz por aí é
meramente preguiçoso. A apuração da notícia
na televisão foi para mim um exercício importante, mas
o mais importante no meu filme não é o fatual. Não
há adjetivos no texto. O texto não diz o que o espectador
deve pensar. Dá o fatual e permite que as coisas saiam nos depoimentos,
pela maneira como são articuladas.
Ana Maria — O filme incita a uma reflexão
sobre um tipo de ficção em que as técnicas de agitação
e propaganda estão muito presentes e uma reflexão sobre
um tipo novo de documentário. Uma reflexão que só
pode ser feita hoje, porque aquele primeiro filme não vai mais
ser feito. Agora, a parte ficcional é um documento extraordinário
sobre o CPC e o que era uma concepção de arte para o povo.
Mas isso só se revela confrontado com....
Coutinho — Com a crítica concreta
disso. Uma contradição do CPC era de que, por um lado,
você tinha que vender um produto politizando, conscientizando
aquele cara que era "vazio". Por outro lado, a empresa que
faz esse produto tem que sobreviver. Acho que a televisão, em
certo sentido, incorporou isso tudo e inverteu, criando a politização
negativa, isto é, a despolitização. Eu pude pensar
nesse assunto inclusive porque eu não vivo de cinema. A economia
do cinema é tão trágica que muitas vezes impede
as pessoas de pensar no assunto. Como trabalhei durante oito anos para
um público de 40 milhões de pessoas, estou sequioso por
ter agora um público de 100 mil espectadores.
Ana Maria — De alguma forma, você
incorporou essa linguagem dos 40 milhões para falar aos 100 mil.
Coutinho — Se o filme for contraditório
com o público a que ele se destina, é preciso que se saiba
que isso é uma tragédia real.
Bojunga — Como vê o seu filme em
relação aos outros documentários que estão
sendo feitos? Você vê seu filme entrando no mercado tradicional
de cinema?
Coutinho — Se quero ampliar o filme é
porque desejo ampliar o público — não só em tamanho.
O documentário é problemático porque se as pessoas
não querem ver documentário no cinema é porque
acham que já vêem documentário na televisão.
E a televisão não vai passar esse tipo de documentário
que eu fiz. Agora, repito que o documentário oficial não
me interessa. Creio que tanto na ficção como no documentário
devemos deixar que o público participe na elaboração
da coisa. A ficção pode inclusive dar mais conta de um
momento histórico do que um documentário. As coisas não
devem se resolver na tela. Os "amanhãs que cantam"
não resolvem.
Zuenir — A televisão não
pode se reapropriar da sua linguagem? Sistematizá-la?
Coutinho — É possível. Esse
negócio, por exemplo, de chegar filmando. A televisão
incorpora tudo e em geral dilui as coisas...
Zuenir — Você teve alguns problemas
éticos durante as filmagens, problemas que a gente subentende,
há coisas que você omitiu da história...
Coutinho — Coisas ligadas a Elizabeth.
Não posso falar disso, apenas se ela me der autorização...
Zuenir — O papel do filho mais velho, por
exemplo...
Coutinho — É delicado. Ele é
o primogênito.., só depois de todos terem visto o filme
e tiverem me dado a autorização...
Zuenir — Mas você não acha
que isso prejudica um pouco a compreensão das razões que
a levaram a ficar 16 anos escondida, razões que não são
apenas de ordem política...
Coutinho — As razões políticas
bastariam largamente. Sei que há outros problemas de ordem pessoal.
Se foram obstáculos para ela encontrar os filhos não sei.
O fato é que eu não posso falar e não colocaria
no filme coisas que eu não abordei com Elizabeth. Eu não
censurei nada da ordem da política no filme. Eu não quis
fazer uma obra de gênio, mas um trabalho com pessoas vivas. E
todas as vezes que a gente trabalha com pessoas vivas, pessoas marginalizadas,
você tem que saber o que elas topam ou não, você
tem que manter uma relação honesta com quem você
filma. Eu entrava filmando e ia entrevistando os filhos, eu posso entrar
filmando pessoas da classe média? Então, são pessoas
desprotegidas, e elas toparam. Todo mundo sabia que era um filme — ninguém
disse para mim: não põe isso no filme". Mas, se dissessem
eu não poria. Quando eu registro a resistência de alguém
em falar eu estou expressando a verdade daquela pessoa, mas não
estou prejudicando a vida dela...
Aspásia — É a primeira vez
que se entra no universo camponês, não em seu naturalismo,
mas em sua universalidade. No fundo não se trata sequer de um
filme sobre o camponês brasileiro, o que já seria muito,
mas sobre seres humanos, com essas mazelas todas nem sempre registradas
pelo historiador. Mas há limitações do ponto de
vista histórico: o filme não deixa claro o que Ehizabeth
representou dentro do movimento camponês. Ela foi uma vertente
do movimento, mas não foi o movimento. Ela foi muito contestada...
Coutinho — Aí há um negócio
que é de estrutura: jamais quis fazer um filme que fosse uma
análise do movimento camponês. Sobre as contradições
entre os partidos e tendências. Também não pretendi
que as pessoas reconstituíssem o passado, simplesmente porque
é impossível reconstituir o passado, quis fazer algo sobre
a memória do presente, como me disse um espectador. Nunca tentei
recuperar na fala delas a reconstituição da integridade
do movimento camponês e suas contradições — que
eram também contradições da sociedade. O importante
era a memória delas, falando depois da anistia e diante de uma
câmera. O que é, afinal, um filme histórico? Você
pode recuperar integralmente o que aconteceu? Nunca. As reconstituições
são sempre falsas.
Zuemr — Em que medida as palavras de Elizabeth,
elogiando a abertura de forma aparentemente forçada, não
são determinadas pela presença do filho? Em que medida
ela já não incorporou esse discurso?
Coutinho — É uma boa pergunta, que
já me fizeram em São Paulo, em geral é a pergunta
da emoção... Quando a filmei pela primeira vez estava
claro que o filho estava lá para dizer isso. Ele começou
esculhambando todos os líderes de esquerda daquele tempo, disse
que nada prestava, etc... Em seguida, foi aquela postura: "mãe,
fale da abertura política". Mas ela continuou falando de
coisas fortes com o filho zanzando por ali. Aliás, na minha opinião,
a melhor parte da entrevista é essa, feita na sala. O filho estava
lá, mas havia um clima tensíssimo. A segunda parte da
entrevista, no quintal, era uma situação mais de cinema,
mais fria. Agora, quando eu vou embora e ela fala que não pôde
lutar, que ficou escondida e em seguida elogia a abertura política,
o Figueiredo, sem que ninguém lhe tenha pedido isso... é
diferente. Existem dois momentos em que ela fala da abertura. No primeiro,
ela é empurrada pelo filho. No segundo, com uma certa liberdade.
Um ano mais tarde eu vou entrevistar a filha e, na carta que Elizabeth
lhe mandou há uma referência à abertura. Está
claro que é uma coisa que existe nela. Ela escreve: "meus
filhos, filhos de uma raiz humana, do amor entre mim e seu pai, graças
a essa abertura eu vou poder vê-los"... Eu aceito as contradições
do discurso dela porque se a gente não aceitar as contradições
não faz filme. Como podemos julgar o que pensa um camponês
que está há 17 anos sem ver os filhos? Não é
com o nosso critério. Para nós a abertura começou
há mais tempo.
Ana Maria — Em 1979, João Virgínio
tinha o mesmo discurso que ela. Seis dias depois da anistia ele dizia:
"hoje, esse presidente que nos deu a abertura, etc...
Aspásia — O que chama a atenção
é a relação de vassalagem, de dependência
do camponês em relação ao poder central, como se
ainda fosse o rei, uma relação mágica com o poder...
Coutinho — Isso é relativo. Você
não pode julgar a fala dela como você julga a nossa, de
intelectuais. E um julgamento de fora. A fala dela não está
incluída para facilitar a liberação do filme. Ela
está lá porque é real, e é um troço
contraditório...
Zuenir — Uma denúncia importante
do filme está na fala do João Virgínio, quando
diz que foi torturado. Passamos 20 anos ouvindo que a tortura começou
em 1968, como resposta à guerra revolucionária, aos terroristas,
e aí houve o revide. E no depoimento dele fica claro que aquele
pessoal começou a ser torturado em 1964.
Bojunga — A impressão é de
que a tortura sempre fez parte do cotidiano deles, de que não
é um fenômeno como nós o categorizamos historicamente.
Daí eu ter falado em medo...
Coutinho — Essa presença do medo
é muito mais difundida do que parece, não há medo
apenas no meio camponês. Quando um camponês fala para um
registro público desse tipo, é para ter ou não
medo? Por que não reconhecer o medo? E uma história de
sofrimento...
Bojunga — E há aquela frase genial
dele: "não há nada como um dia depois do outro com
uma noite no meio"...
Coutinho — É, as pessoas aplaudem.
É uma frase que ele diz depois de falar na tortura, depois de
cuspir. Mas não vale, a meu ver, só aplaudir essa frase.
E preciso aplaudir — ou não — todo o seu discurso, que é:
"não há nada como um dia atrás do outro com
uma noite no meio. As graças de Deus estão caindo de hora
em hora". E as pessoas nem sempre aceitam o discurso inteiro. Eu
já ouvi gente comentando: "que alienação".
A pessoa que acha isso, deve pensar: "como é possível
acreditar em Deus numa situação dessas?" Fico furioso
com essa coisa. Como se não houvesse esse sentimento religioso,
de outro tipo, nos partidos que querem transformar o mundo.
Zuenir — A heroína do filme é
Elizabeth, não o cabra do título?
Coutinho — As pessoas estão inclusive
dizendo que o filme pode ter um certo sucesso fundamentalmente por causa
de Ehizabeth e sua família. Se fosse um filme sobre o movimento
camponês, sobre Galiléia, o filme não teria tanto
impacto. Mas eu não pensava que a família fosse ficar
tão importante quanto acabou ficando. Quando comecei a filmar
nem sabia quem estava vivo ou morto. Sabia que tinha duas pessoas de
Galiléia vivas e que Elizabeth estava escondida, provavelmente
viva. Quer dizer que eu não podia construir um filme baseado
em pessoas que eu não sabia se existiam ou onde estavam. Primeiro
descobri Ehizabeth através de um filho. Depois descobri o filho
com quem ela fugiu. Depois eu volto a Sapé e sei que vou revelar
outra realidade da família dela. Eu pensava em falar com o pai.
Havia dois filhos em Sapé, mas eu não previa que afinal
filmaria oito filhos em 10. Quer dizer, eu não sabia como ia
ficar essa constelação familiar, que ela seria tão
forte...
Ana Maria — A Aspásia observou o
caráter universal das personagens. Saindo do filme, eu ouvi pessoas
comentando: "pena que seja um filme tão nordestino".
Fico perplexa diante disso, afinal se a Aspásia falou como historiadora
eu queria falar como socióloga. Na minha opinião esta
família é quase que um protótipo da família
popular: desagregada, com variadas ocupações, que não
sabe se se encontra. Ora, isso não é uma coisa só
nordestina, nem se encontra apenas no movimento camponês, nem
apenas debaixo de um regime ditatorial, não acha?
Coutinho — Mas está certamente ligado
ao desenvolvimento capitalista, sobretudo quando aplicado a um país
como o Brasil. Eu tive que cortar, por razões de estrutura, alguns
personagens que não estavam ligados diretamente à família
de Elizabeth e que são interessantes sob esse aspecto: os filhos
do ator que no filme original interpretava João Pedro Teixeira.
Eram três filhos: um, metalúrgico; outro, gráfico;
uma outra, operária numa fábrica de brinquedos e que adora
os brinquedos que fabrica — essa coisa terrível da alienação
de gostar dos produtos que se fabricam, etc... Esses filhos moram em
São Paulo e não se encontram, um mora em Carapicuíba,
a outra na periferia de Interlagos, etc... Essas pessoas trabalham muito,
é uma situação muito diferente da situação
da classe média. Aliás, é típico que alguns
intelectuais gostem menos da parte final, quando entram os filhos. Se
o filme tem muita aceitação é justamente pelo seu
lado humano. Agora, o espectador que eu prefiro vê o lado humano
implicado na luta de classes. E não como um negócio humanista
entre aspas. E ou não é um episódio da luta de
classes? Há certamente coisas que extrapolam a luta de classes,
mas que não a excluem.
Bojunga — Entre o filme original e o filme
final você não perdeu suas ilusões?
Coutinho — A palavra ilusão é
boa. E um problema pessoal e histórico. Antes de fazer o filme
eu me disse, e ingenuamente: "quero fazer um filme que seja a morte
das ilusões" — um filme contra as ilusões. Ilusão
é muita coisa, é ideologia que não se sabe ideologia,
otimismo revolucionário entre aspas, etc... Na verdade, tolice
minha: se você mata algumas ilusões, nascem outras.
Aspásia — Há uma informação
fundamental nesse filme: a luta pelos direitos de cidadania. Está
claro na maneira pela qual as pessoas falam do passado que estas pessoas
são desprovidas de direitos. São como gado. Houve mesmo
um caso de um camponês que foi ferrado porque desobedeceu seu
patrão...
Ana Maria — Essa discussão agora
é mais propriamente nordestina. Falava de outras dimensões
que são partilhadas com gente que está vivendo conosco
aqui no Sul, como porteiro, empregada doméstica, etc.
Coutinho — E há a mágoa de
Elizabeth de ter sido abandonada pelas organizações nas
quais batalhou ou pelos aliados. Certo, ela se escondeu, muita gente
que podia ajudá-la estava presa, exilada, etc... De qualquer
forma, quando a coisa estoura, os mais esquecidos são os desprovidos
de capital social e cultural. Daí ela endossar num dado momento
o discurso do filho, de que todos os regimes são iguais para
o pobre...
Aspásia — Essa queixa é muito
comum nos militantes — não só camponeses. Desde a década
dos vinte, militantes operários se queixam de que suas organizações
não os protegem.
Coutinho — Eu gostaria de que um troço
também passasse nesse filme: a necessidade de se aumentar a responsabilidade
do militante de classe média, do militante que não pertence
a uma classe pela qual ele pretende lutar e que dá palavras de
ordem, muitas vezes sem pensar na desigualdade das conseqüências
para cada um.
Bojunga — Tudo gira em torno de João
Pedro, que está ausente. Vemos seu túmulo sem nome, os
elementos que criam uma mitologia...
Coutinho — Quando João Pedro morreu,
ele já era conhecido na Paraíba. As pessoas que mitificam
o homem são pessoas que não o conheceram.
Aspásia — Chama a atenção,
que o único registro que se tenha dele no filme é sua
foto, morto.
Coutinho — Também quando ele morreu
nenhum jornal deu uma foto dele, vivo. A exploração da
morte do militante é muitas vezes um troço meio manipulado.
O importante era o cara vivo.
Zuemr — Foi isso que levou você a
chamar o filme de Cabra Marcado Para Morrer?
Coutinho — Eu não sei dar título.
Saber dar título é saber fazer publicidade, dar mensagens
positivas. O título foi tirado do folheto do Gullar. Agora, voltando
um pouco ao negócio da família, eu li outro dia um troço
que me chamou a atenção. E que há um plano da História,
dos grandes acontecimentos, das revoluções, e há
a vida —o sujeito nasce, fica adolescente, tem filhos, morre —, os ciclos
da vida e da morte. Este é o plano das sociedades arcaicas, de
comunidades camponesas como havia no Brasil de há 20 anos, e
ainda há hoje. E a mediação entre a vida e a História
é a família. Isso é fundamental. A família,
no filme, que à primeira vista parece menos "político"
é, nesse sentido, fundamental, é mais essencial do que
aquilo que é propriamente político. 1964 para aquele cara
é o dia em que ele viu a mãe pela última vez. Assim
como a guerra para mãe coragem é o dia em que morreu sua
filha.