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Fazer listas parece ser uma obsessão do ser humano. Isso não foi Nick Hornby que descobriu ao escrever Alta Fidelidade, muito menos o interessante sítio O Especialista, e nem mesmo Peter Greenaway, exemplo de cineasta obcecado pelo assunto, especialmente nos seus primeiros filmes. Fazer listas é catalogar, organizar o conhecimento, se identificar a partir de preferências em comum. Uma tendência natural do homem, muito ligada com certeza ao medo de se perder num mar de informações e vivências, usando estas listagens para conseguir resumir a si mesmo, sintetizar a vida, organizar e fruir o conhecimento, simplificar o que quase nunca é simplificável. Estabelecer um cânone, em suma, criar, à maneira de Ezra Pound, o paideuma. Nós mesmos em Contracampo já organizamos algumas: os melhores filmes brasileiros dos anos 90 ou, a cada ano, os melhores lançamentos no circuito de cinema. Neste caso, as listas também servem como declaração de princípios, como forma extremamente direta de saber onde se posiciona e a que se filia uma pessoa, ou no nosso caso, uma revista. Tarefa que é especialmente significativa se considerarmos que realizada por uma nova geração da crítica, por um grupo de jovens militantes da causa do cinema brasileiro – e sobretudo quando nos parece buscar outros caminhos, quando nos parece necessário problematizar, de novo, pois as antigas respostas não parecem resolver mais os problemas imediatos que as contingências da realidade nos colocam. Pois bem, quando surge a idéia desta lista de 10 filmes brasileiros para uma História do cinema brasileiro, imediatamente vêm à cabeça as perguntas: o que há de diferente e novo nessa lista então?, quais serão nossas propostas? Talvez o principal uso desta lista seja criar, desde já, um instantâneo de como o cinema brasileiro é visto pelas pessoas que fazem e pensam os filmes em 2001. Sim, pois esta lista é mais do que tudo um retrato do cinema brasileiro visto hoje – mesmo que com os olhos voltados para o que é História. Visto pelas novas gerações, visto pelas antigas gerações com olhos mais distanciados, em suma, o cinema nacional olhando para si mesmo neste tempo específico de hoje. Isso nos parece ter grande importância como diagnóstico do cânone que rege a produção e o pensamento atual de cinema no Brasil. Por que estes filmes são os lembrados em 2001? Neste ponto, se compararmos com listas anteriores percebemos as sutis diferenças que existem: só este dado já faz nossa enquete fugir e ultrapassar o constato do senso comum, para chegar a uma primeira atuação, qual seja, organizar um pensamento e um posicionamento crítico em torno do que é pesquisado. Quais novos filmes adicionaram elementos? Que tipo – se é que há – de influência eles exercem sobre as fitas mais recentes? Quais filmes tornaram-se clássicos? Quais deixaram de ser? A cada momento histórico este olhar realmente se altera? Por isso, o que importa é menos saber quais são os 10 filmes, e sim pensar porque são estes, que tradição estética eles representam, de que maneira moldam o que se espera de uma fita brasileira: por que a supremacia de tal idade de ouro (anos 60), ou do cinema novo; por que exatamente destas exceções; por que do cinema ficcional; por que do local, ou do universal. Ou seja, a idéia por trás dessa pesquisa é menos consagrar as possíveis – e evidentes – perfeições desses 10 ou 11 filmes, do que buscar dialogar com eles (e talvez com os outros também), tentar refazer o processo de criação e entender porque eles fazem a cabeça da gente de cinema. Até por isso preferimos chamá-la de pesquisa, porque essa lista não termina em si mesma; não se trata uma lista de constatação – uma (natura)lista, digamos –, porém muito mais uma pequena revisão crítica do passado do cinema brasileiro tendo como ponto de partida e focal esses 10 momentos privilegiados. Daí a necessidade não apenas de problematizar um pouco e refletir sobre o que essa lista nos diz, como também de um artigo para cada um dos filmes; daí também o desejo de complementar com um documento de época esta visão presente, de tentar ver se algo mudou na maneira com que recebemos estes filmes. Essa é antes de tudo uma lista sobre o presente. Abril de 2001. Nada mais. O que estes filmes mais votados nos dizem do funcionamento do cinema brasileiro?, o que os torna os mais identificáveis com o imaginário cinematográfico nacional? Estas são as perguntas que parecem nos importar responder. Esta é uma pesquisa para o hoje e para o amanhã. Não é uma pesquisa de um ontem congelado no tempo, mas de uma História que vai sendo construída e reescrita pelo olhar da contemporaneidade. Entender o porquê é o que nos parece importar nesta iniciativa. E como quem lista melhores sempre escolhe os seus pessoais, não venham nos ler atrás de respostas. * * * Nunca nos escapou também o quão frágil é se prender aos resultados desta ou qualquer outra pesquisa como verdades que afirmem qualquer coisa estática, perene. Uma lista feita com as mesmas pessoas, daqui a cinco anos, pode dar resultados diferentes, já que as pessoas vão vendo mais filmes, e outros filmes são feitos. Mesmo sem esta passagem de tempo, os gostos mudam, as lembranças dos filmes se alteram. Às vezes a mesma pessoa pode dar duas listas diferentes em dois dias seguidos. Da mesma forma, se passássemos mais tempo pesquisando, poderíamos conseguir inúmeras outras listas e opiniões que mudariam o resultado. Aliás, a lista dos que não conseguimos contactar é impressionante e notável: se enviamos emails ou telefonamos para 200 pessoas, ainda assim outros muitos ficaram de fora. E se todos eles respondessem? Sem falar que tratamos de uma matéria que é questão de predileção, logo, subjetiva e nada absoluta: o que é mais valioso para nós de Contracampo (e uma lista com os melhores segundo a revista é bastante surpreendente), por exemplo, para a maioria dos participantes passa por outros filmes, outros estilos. E, vale lembrar, se escolhemos o caminho dos melhores filmes – assim que colocamos a lista para os participantes – foi para chegarmos, por vias meio tortas, aos mais importantes, num trajeto que vai do que é pessoal, ou individual, até chegar ao coletivo. Outro dado: uma lista sobre todos os filmes brasileiros já parte de uma impossibilidade inicial, um paradoxo: ninguém viu TODOS os filmes brasileiros. Portanto, se fôssemos seguir um critério básico de que para escolher seus favoritos as pessoas devem ter analisado todas as opções, já sairíamos perdendo. Escolher o melhor dentre 5, 10 ou 20 (como num festival) é por si só complicado, mas logística e humanamente possível. Escolher os melhores em mais de 100 anos de filmes? Impossível. Assim, cada lista buscada já parte de uma restrição inicial: é a lista dos melhores entre os vistos por cada votante, sempre, o que de forma alguma o faz menos válida. Vários dos participantes chegaram a lamentar esse sentimento de algo que falta – o João Moreira Salles, para ficarmos num exemplo, fez sua lista somente com documentários, pois, como ele mesmo nos escreveu, é o cinema que conhece com lacunas menores e menos graves. Um dado que não deixa de ser revelador, e poderíamos colocar a dúvida: os filmes mais citados não são também os mais vistos? Resumindo: toda lista é sempre parcial, falha, incompleta, e esta não se finge de diferente disto. Mas, falha ou não, acreditamos piamente que a lista tem inúmeros pontos não apenas positivos, mas importantes e significativos do que é o cinema brasileiro – ou então não a faríamos. * * * Significativos, de fato: ao escolhermos (tarefa sempre ingrata) os participantes da pesquisa, uma das nossas grandes preocupações foi deixar reconhecido ali entre os votantes nossa riqueza de expressões no cinema. Nesse sentido, esta talvez seja a primeira pesquisa do gênero feita no Brasil, a primeira a tentar abarcar minimamente todos os tipos de pensamento e atuação no cinema brasileiro – do marginal ao industrial, do engajado ao entretenedor, do veterano ao iniciante. O que buscamos foi, dentro do possível, realizar um verdadeiro apanhado do que pensam as pessoas que têm sua importância para a construção de um cinema brasileiro, seja ele qual for. Este dado é importante porque também é um reconhecimento de que o cinema brasileiro é plural, que nós não somos egocêntricos para pensar que o único cinema que conta é o que, por um lado, é consagrado pela imprensa oficial, e de outro, o que gostamos e admiramos. Porque, sinceramente, acreditamos que a opinião do Jorge Furtado, do Eduardo Escorel, da Tata Amaral ou do Andrea Tonacci – e isso só pra citar nomes que nunca entrariam numa pesquisa mais careta – tão importante quanto a dos críticos mais reconhecidos: são eles que fizeram o cinema brasileiro existir nessas últimas décadas, e portanto devem ser ouvidos. Gente que é muito pouco reconhecida – e eis também uma oportunidade de fazê-lo, por que não? Mas mesmo essa sendo uma lista abrangente, que não se resume ao que nós pensamos, mas ao cinema brasileiro como um conjunto heterogêneo por natureza, mesmo assim não há como não colocar as coisas politicamente – porque essa não é uma pesquisa chapa branca nem para fazer média. Como assim politicamente? Certamente essa é uma posição radical – mas não deixa de ser uma baita posição política, sim, realizar essa pesquisa com mais de cem pessoas, das mais variadas idéias e origens, e não ter nem o crítico mais badalado (e badalador), nem um representante da revista mais vendida (em todos os sentidos) ou do mais tradicional exibidor carioca, nem muito menos ninguém do canal de TV a cabo "campeão de audiência" de filmes – gente que teoricamente, e só teoricamente, seriam ótimos interlocutores. Qual sua importância?, podemos perguntar. Sem dúvida, eles representam uma mentalidade bastante arraigada na sociedade brasileira (o colonialismo, a mentalidade importadora), mas daí a reconhecer neles interlocutores importantes (importantes para o cinema brasileiro, diga-se) vai uma distância enorme. Se essa pesquisa é, entre outras coisas, um reconhecimento de que o cinema brasileiro é muito mais rico que algumas pessoas querem fazer pensar, que tem muitos filmes e diretores geniais e importantes, mas pouquíssimo conhecidos, seria portanto um contra-senso – e talvez até uma falta de respeito com os participantes – consultar aqueles que nunca se posicionaram diante do cinema brasileiro, quando no máximo para denegrir, pichar, fazer troça e consumir o que é de fora – e acreditamos que essa é a única posição que não deveríamos aceitar de jeito nenhum. As demais posições e opiniões, o leitor que confira nesta edição especial da revista. Eduardo Valente e Juliano Tosi |
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