O Filme em Questão: Macunaíma


Grande Otelo e Dina Sfat em Macunaíma

O Jornal do Brasil, como de costume, dedicava duas páginas aos grandes debates cinematográficos. No dia 7/11/69, diversos críticos do jornal escreveram sobre o lançamento do filme de Joaquim Pedro. Os textos vão aqui um após o outro:

Macunaíma, o herói hippie e tropicalesco, está experimentando o sabor do sucesso. O público ri muito dele e da fauna à sua volta. É uma delirante loucura de hora e meia, tempo em que passam na tela as personagens e situações mais extravagantes que Joaquim Pedro foi buscar na narrativa de Mário de Andrade, interpretando-lhe as intenções provocantes e sardônicas em ritmo de comédia bufa. O cineasta superou-se, indo de um extremo a outro – de O Padre e a Moça a Macunaíma, da delicada austeridade à comédia do absurdo. Esse absurdo é o tema permanente do filme, o tem secreto que vem no fundo do caldeirão fervente no qual se misturam gostosamente as mais diferentes componentes do anacronismo brasileiro. O "brasileiro de todos os tempos e de todas as regiões" que fora objeto do exame lírico e grotesco de Mário de Andrade, encontra nos anos 70, um correspondente bem ajustado ao espírito contemporâneo, através de uma visão grotesca e amargamente irônica. Essa exasperada aventura em torno dos nossos costumes, de nossa moral, das contradições, vícios e virtudes caboclas leva o tempero adequado da chanchada, instrumento de comunicação imediata. Macunaíma é um filme tratado à maneira de uma "crazy-comedy", tolerando todos os recursos e pegando por aí, por seu jeito irresponsável. A tônica vem logo na primeira imagem da fita: a Supermãe (Paulo José), em esforço definitivo, acocorada no chão, dá luz a Macunaíma (Grande Otelo) que cai verticalmente, de cabeça. Daí em diante, o herói movimenta-se na sua alegre e penosa trajetória em selvagem alucinação, de preto virando branco e deixando o sertão em troca da cidade em companhia dos dois irmãos (Jiguê/Milton Gonçalves e Maanape/Rodolfo Arena). Na cidade, segue seu caminho zombeteiro, na convivência com guerrilheiras, prostitutas, vilões milionários e personagens de todos os matizes. No fim, depois do caos, a volta para a selva onde Macunaíma desaparecerá como viveu – antropofagicamente.

Macunaíma é um filme que soma farta invenção cômica. Dentro de seu tumulto, a organização e o bom gosto: a cor trabalhada com cuidado, as roupas e cenários desenhados com apurado senso de seleção por Anísio Medeiros, e um elenco que responde bem às difíceis exigências da aventura tropicalesca. Paulo José (Macunaíma branco e mãe de Macunaíma), Grande Otelo (Macunaíma preto) e Jardel Filho (o vilão milionário), os três realmente impagáveis.

Alberto Shatovsky

 

Se o extraordinário M. Cavalcanti Proença, com aquela paciente sapiência que o caracterizava, levou um tempão e tomou muitas páginas para analisar, em "Roteiro de Macunaíma", o livro-vertente de Mário de Andrade, logo se vê que é dificílimo, praticamente impossível, escrever pouco, apressadamente, sobre o filme de Macunaíma. Mas, também, é praticamente impossível escrever às pressas sobre qualquer filme-vertente do Cinema Novo, a começar pela tetralogia com que Gláuber Rocha se propôs desarrumar o arrumado (Barravento, Deus e o Diabo na Terra do Sol, Terra em Transe, O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro). Se, então, quase inevitavelmente, formos levados a considerar em conjunto alguns dos riquíssimos produtos da última safra – O Bandido da Luz vermelha, O Dragão da Maldade, Fome de Amor, Os Herdeiros, Jardim de Guerra e este Macunaíma, por exemplo – muito mais facilmente sairemos para um nutrido ensaio, mesmo para um livro, do que para um pequeno artigo com vagas intenções críticas. Ou, à falta de tempo para aquele ensaio, continuaremos no debate que vem marcando todas as fases do movimento.

O Cinema Novo, numa primeira fase de tateios, assumiu conscientemente – como método de trabalho, preocupação temática e pesquisa de linguagem – nosso próprio subdesenvolvimento, e passou a investir de peito aberto, por vezes de maneira esquemática e/ou ingênua, contra os grandes problemas do cinema brasileiro, e do homem e da cultura do país, em geral. Muito apropriadamente, Vidas Secas de Nelson Pereira dos Santos – o deflagrador do movimento, em 1955, com Rio, 40 Graus – foi o coroamento desta fase. E, quase ao mesmo tempo, Gláuber Rocha saía com Deus e o Diabo, para dar início a outra fase, em que as pesquisas se aprofundam e se ampliam de tal modo que só podiam mesmo desaguar no estonteante vale-tudo desta terceira fase – que, a falta de melhor expressão pode ser provisoriamente chamada de antropofágico-tropicalista.

Não é a toa que Nelson Pereira dos Santos tenta, há vários anos, levar à tela um roteiro canibalesco, Como Era Bom o Meu Francês que, segundo tudo indica, finalmente será realizado em 1970. E há toda uma série de motivações para que, a esta altura, o Cinema Novo retome certas proposições antropofágicas da Semana de Arte Moderna.

Estranho determinismo histórico este que faz dos Andrades – que nem parentes são – os profetas da nova antropofagia. Mas, realmente, há que deglutir e expelir muita coisa, agora como em 1922.

E, para fazer seu filme de Macunaíma, Joaquim Pedro de Andrade teve de deglutir e expelir muita coisa, inclusive do próprio Mário de Andrade: o roteiro com que iniciou as filmagens foi o terceiro ou quarto que escreveu. Ele próprio, como qualquer outro cineasta de talento, poderia tirar inúmeros roteiros diferentes do livro de Mário de Andrade; e é possível que um ou outro tivesse até mais validade que o roteiro do filme. Não importa. Importa, isto sim, que o filme de Joaquim Pedro de Andrade é uma interpretação moderna, pessoal, criadora, dos múltiplos e magníficos tipos e temas registrados em "Macunaíma" – livro.

Num esplêndido elogio da grossura, o cineasta bota mesmo pra derreter, em sua fedorenta feijoada, a carne seca dos preconceitos, a lingüiça do maucaratismo, as costelas magras do subdesenvolvimento, o toucinho do tropicalismo, temperando tudo com os mais variados condimentos das tais três praças tristes.

A trilha sonora, de uma cafonice exemplar, encontra uma perfeita correspondência nos figurinos e na cenografia de Anísio Medeiros. Mas, também, Joaquim Pedro de Andrade soube cercar-se de contribuições maravilhosamente grossas, em todos os setores e níveis, para dar seu recado – ou, talvez, para somar seu recado ao de Mário de Andrade.

Num elenco excepcional, Grande Otelo está tão fabuloso que faz falta quando Macunaíma vira branco; e olhem que o Macunaíma branco é Paulo José, igualmente inesquecível no papel da mãe. Destaquem-se, ainda neste apressado finzinho, as contribuições de Rodolfo Arena, Milton Gonçalves, Jardel Filho e Dina Staf, que muito ajudam a colocar a grossura e a antropofagia ao alcance de todos.

Alex Viany

 

Finalmente, um sucesso totalizante – de experiência, de crítica e de público – do cinemanovismo. Nos últimos dois anos começou a ser freqüentado, com timidez ou vergonha, o programa sugerido pela crítica desde o impulso de 1962 entrou em declínio. Macunaíma é o primeiro êxito – depois da crise de comunicação – na área mais extremada do que se convencionou chamar de Cinema Novo.

O que apontavam os críticos que discordavam dos rumos cinemanovistas? Uma seriedade impostada à míngua de senso de humor, e que o humor fabricado de um Fome de Amor, por exemplo, não contestava. A inconsciência dos limites individuais e da receptividade popular (nem todos podiam pretender, aos primeiros passos, o plano de "réussite" que Nelson Pereira dos Santos levou uma década para encontrar com Vidas Secas). A falta de pesquisa no terreno do espetáculo (falha mortal para um cinema sem tradições industriais firmadas). A irrisória pretensão de promover uma consciência coletiva de metamorfose social a partir de comícios em lata, de experiências amorfas no plano artístico e sem comunicabilidade. O primarismo político por trás da recusa à co-produção ou mesmo à produção associada com distribuidoras aqui constituídas.

Os tempos mudaram e muitos desistiram de ser Peter Pans e de sonhar com a Terra do Nunca no país do jeitinho. Joaquim Pedro é um dos que dão prova de amadurecimento: não pretendeu com Macunaíma um filme que fosse importante para sua contemplação pessoal, e sim que sensibilizasse a imaginação e a sensibilidade populares contribuindo para o enraizamento definitivo (em um futuro não remoto) do cinema como uma necessidade do país, da cultura e da economia nacionais.

Macunaíma foi produzido sem miséria técnica (é um espetáculo que pode girar mundo sem constrangimento) graças à participação financeira de uma distribuidora de filmes estrangeiros. Foi possível uma rica fotografia em cores por ter sido viável, antes, pagar uma equipe de nível expressivo, incluindo um artista como Anísio Medeiros com base orçamentária para trabalhar comodamente na criação cenográfica e de figurinos (dois fatores capitais para o êxito do filme). Acreditou-se em fazer uma comédia comunicativa sem temer o "cinema velho" em uma das suas tradições mais duradouras – a chanchada.

Joaquim Pedro de Andrade arquivou todos aqueles pavores antes de realizar esta comédia feroz que, por usar elementos burlescos, grossos, não deixa de substantivar sua crítica ao herói sem caráter, herói de nossa gente (e de outras gentes subdesenvolvidas). Um herói cuja falta de caráter Mário de Andrade não quis expor apenas sob o ponto de vista moral, mas também como entidade psíquica. Instável, flagelado, subnutrido, pasmo ante a civilização tecnológica, esse herói vive e morre de esperteza, sem saber onde termina a realidade e onde começam os mitos.

Com filmes como Macunaíma (e, em ascensão, mais empenhados) o cinema brasileiro poderá evitar paralelos com esse personagem e adquirir uma personalidade própria sem ceder terreno ao hermetismo e à indefinição.

Ely Azeredo

 

Apenas 10 anos depois de seu aparecimento o Cinema Novo adapta diretamente Mário de Andrade, mas em verdade desde os primeiros instantes foi o espírito de Mário que esteve por trás dos filmes do novo cinema brasileiro. Como os que fizeram em 22 a Semana de Arte Moderna, o cinema novo ao começar, 10 anos atrás, sabia com certeza apenas o que não se devia fazer: era preciso não tomar a ótica do velho intelectual brasileiro, voltado para os padrões da cultura européia (no livro retratado através da carta pras Icamiabas). Sabia apenas – com o por várias vezes acentuou Mário – que "aqui é que está o que devemos seguir", que era preciso "meter a cara na mata virgem".

Assim, o processo de criação do Cinema Novo, como o da literatura modernista, foi um processo de descoberta do Brasil, e à medida que os filmes iam sendo feitos, conscientemente ou não, o único ponto de apoio encontrado era a obra literária a partir de 22 ( e não foi certamente por acaso que Vidas Secas foi o primeiro grande momento do cinema brasileiro). Contrariamente a uma atitude de imitação tomada pelas elites intelectuais como a posição válida, o intelectual brasileiro depois do modernismo voltou-se para a cultura popular, esta sim uma cultura viva e autêntica, desenvolvida a partir de condições sociais particulares do brasileiro.

Meter a cara na mata virgem significava num primeiro instante agir quase como um documentarista e revelar o Brasil. Num segundo instante assimilar a cultura brasileira ao processo artístico do homem intelectualizado da cidade. Ao seguir a proposta de Mário de Andrade, o cinema brasileiro tinha !resolvido forçar a nota do brasileirismo, não só pra apalpar o problema mais de perto como pra chamar a atenção sobre ele". E agora, ao tomar intimamente à proposição de Mário, com o Macunaíma, de Joaquim Pedro, o cinema brasileiro não apenas continua a mesma luta iniciada por Mário, mas adota o mesmo sistema de trabalho.

Quase todas as observações que Mário, em diversas cartas, fez sobre seu "Macunaíma", podem ser estendidas ao filme, cuja fidelidade aos acontecimento descritos no livro não é tão importante quanto a fidelidade ao método de trabalho. O que no livro de Mário é um pretexto para uma coletânea de frases, expressões e anedotas que compõem um retrato do brasileiro, no filme de Joaquim é um pretexto para uma coletânea de imagens que compõem o mesmo retrato. É uma coletânea de imagens que age e, duas faixas paralelas, porque em determinados momentos Joaquim Pedro se preocupa em conduzir os atores de modo a obter um retrato caricaturado do gesto brasileiro. Em outros se preocupa em partir de um estilo de encenação popular francamente apoiado na habilidade de movimentação em cena do ator brasileiro. Ao mesmo tempo uma caricatura do brasileiro e do estilo de espetáculo brasileiro.

"Se o herói brasileiro não tem caráter – perguntava Gláuber Rocha em artigo escrito antes de filmar O Dragão – se está perdido e perplexo, sem tradição e sem futuro, como filmá-lo? A instabilidade a técnica de filmagem está ligada a isto." Joaquim, toma a proposição de Mário e mete a cara na mata virgem, para filmar o herói sem nenhum caráter de modo a devolver ao brasileiro o seu retrato numa linguagem carregada de uma malícia tão comum a nós todos. Com o Dragão da Maldade e com Os Herdeiros de Diegues (ainda não lançado comercialmente) Macunaíma assinala um novo ponto de partida do cinema brasileiro. A redescoberta das coisas nossas chega a um ponto definido, e a cultura popular começa a ser assimilada e transformada pelo artista brasileiro. Completa-se a viagem de descobrimento. Brasil, 1500: terra à vista, já se vê o monte Pascoal.

José Carlos Avellar

 

Geralmente, os filmes inspirados na literatura criam polêmica, pois os defensores do escritor colocam-se contra os filmes acusando-os de deturpar a obra, enquanto os que defendem o filme acham que ele não desmerece a obra escrita, e assim por diante. No caso de Macunaíma, tal não aconteceu. Isto não quer dizer que Joaquim Pedro de Andrade tenha-se mantido estritamente dentro da história de Mário de Andrade, mas dele extraiu as idéias básicas e transformou Macunaíma num trabalho quase autônomo, vibrante, agressivo, reformador.

Para o cinema brasileiro, Macunaíma, no cinema, tem, de certa forma, as mesma características que fizeram em 1928 o trabalho de Mário de Andrade ser considerado um dos mais importantes da literatura brasileira. Naquela época, Macunaíma derrubava tabus e abria novas perspectivas ao romance (não fosse Mário de Andrade um reformador modernista) e criava, para si, a glória de imortalizar nas letras, as figuras da mitologia brasileira, os protótipos do nosso povo.

No cinema, Macunaíma explodiu seu talento num mundo de cores e marca um tento favorável ao cinema brasileiro, como filme de abertura para um gênero novo. A sátira antropofágica aos costumes, destruidor dos velhos arcabouços de idéias, tendo como centro um herói cínico, preguiçoso, oportunista, um verdadeiro mau caráter.

Joaquim Pedro criou um mundo onde o grotesco tem o seu lugar e os atos de heroísmo chegam a ficar ultrapassados. É uma surpresa o resultado deste trabalho de Joaquim Pedro, depois do seu O Padre e a Moça, um filme feliz, um trabalho poético e intimista. Macunaíma é o grito, é a vida e a morte, é a mistura de tudo num filme dos mais importantes que se realizou nos últimos tempos, dentro da história do cinema brasileiro.

Não foi simplesmente por falar que a crítica internacional dedicou a Macunaíma os melhores elogios. Ele merece, pelos bons momentos que nos oferece de nosso cinema.

Miriam Alencar

 

De Macunaíma não faço crítica. Esforço de análise pode ser encontrado em outros trabalhos do Conselho. Mas, para não deixar sem justificação, esclareço que, depois de três contatos com o filme e apesar de alguns deslizes de produção e direção e do receio de Joaquim Pedro em trair Mário por Osvald, Macunaíma me surge como o filme mais saudável do ano. Glória aos homens heróis desta pátria, a terra feliz do Cruzeiro do Sul.

Ronald F. Monteiro

 

Paulo José travestido de velha, abre as pernas, deixando cair um feto: é Grande Otelo – a versão negra de Macunaíma, herói sem nenhum caráter, gerado por Mário de Andrade em 1926. Acocorada na terra, olhando para o que parira, a velha não esconde o espanto: "Ô xente, que menino feio danado!"

Berrando furiosamente, chupeta vermelha na boca, comendo formigas ou barro, Macunaíma levou seis anos para falar. Vivia deitado no berço esplêndido da floresta, dormindo, cultivando a preguiça, vendo a saúva derrotar o Brasil. Só saía do torpor quando via dinheiro ou a família ia tomar banho no rio. Deixava a camisola na terra, pulava nágua nu, mergulhando rumo as pernas das mulheres, por onde entrava, brincando de piaba. Aliás, Macunaíma sempre gostou de brincar com as moças. Foi assim que, uma vez, quando brincava com a companheira do irmão, roçando corpo com corpo, virou príncipe louro e bonito.

Acabada a encantação, voltou a ser o que era: feio e preto. Mas, um dia em suas andanças pelo sertão, viu uma fonte brotar do chão seco, expelindo água milagrosa. Banhou-se. Ficou branco e racista, veio para a cidade grande, na pele de Paulo José, onde encontrou uma guerrilheira urbana, afogueada pelas batalhas diurna, fogosa na rede. Após muitas lutas, e muito esforço do herói, a vitória afinal sorriu para o casal: a nova aparição de Grande Otelo é saudada com uma gargalhada pela platéia.

Uma bomba acaba com a mãe e o filho. Mas o filme continua. Até que, finalmente, Joaquim Pedro cumpre a sua promessa: a de contar a "história de um brasileiro que foi comido pelo Brasil". Pois, conforme lembra o cineasta, a antropofagia sempre foi cultivada com prazer pelos nossos antepassados. Não sendo, portanto, à toa que "os modernistas de 22 dataram o seu manifesto antropófago: ano 374 da deglutição do Bispo Sardinha".

Partindo de um romance dificílimo para ser digerido, sem os aperitivos adicionados por Cavalcânti Proença ao roteiro Joaquim Pedro conseguiu a proeza de filmar um livro infilmável. Amante dos empreendimentos complexos, aos quais se dedica de corpo e alma, o autor de O Padre e a Moça rivaliza com Walter Hugo Khoury (Corpo Ardente) na disciplina emocional e naquele célebre distanciamento dramático. Por temperamento e estilo, configurados na racionalidade, Joaquim Pedro impede a explosão do caos verde-e-amarelo. Registra os fatos. Mas nunca entra em transe – e Macunaíma clama pela fúria tropicalista de um José Celso.

Evidentemente, a seu modo, Joaquim Pedro consegue chegar até o burlesco, conviver com o grotesco, misturando passado com presente sob o som de "O Guarani", vozes de Francisco Alves, Luis Gonzaga, Ângela Maria, Roberto Carlos. E, visualmente, soterrando o herói nas banhas de Wilza Carla, jogando-o nos braços de um gigante (Jardel Filho: irreconhecível em excelente caracterização), ameaçando servi-lo como linguiça, na feijoada dos canibais, à qual não faltam pedaços de gente, embora o Gigante – antes de morrer – assegure que falta sal.

Driblando a vigilância de Joaquim, Grande Otelo está absoluto, expansivo e espontâneo, diabolicamente hilariante, compondo um Macunaíma memorável.

É pena que o cineasta não tenha mandado o seu autocontrole para o inferno, pois, na terra de Macunaíma, ser racionalista não dá pé.

Valério Andrade