Cinema Brasileiro
...uma história não erudita

Em julho de 1974 é lançada a revista Cinegrafia nº1. Coordenada por Eder Mazini, Inácio Araújo e Carlos Reichenback (sic), ela é creditada como sendo publicada pelo Centro Acadêmico Armando de Salles Oliveira, da USP. Além dos textos dos editores, Cinegrafia nº 1 contou com a colaboração de, entre outros, Jairo Ferreira e Ozualdo Candeias, e foi nela publicada uma entrevista clássica com Paulo Emílio Salles Gomes, realizada por Inácio Araújo e Carlos Reichenbach. Já que Cinegrafia acabou não tendo continuidade e está hoje restrita ao uso dos freqüentadores de CPDocs de cinematecas, Contracampo publica o artigo de Candeias – um inusitado e irreverente balanço da história do cinema brasileiro – como raro documento escrito de um dos maiores cineastas brasileiros (R.G.)

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90 do século passado - aconteceu o primeiro giro da manivela, da máquina de filmar, claro né, no Brasíl foi na baia da guanabara, conforme a história. O cara que girou a manivela tinha o nome de paschoal segrette e se encontrava a bordo de um paquete francês.

00 já do presente século - tida como a bela época, o cinema brasileiro constava de longas/curtas metragens do cotidiano que eram distribuídos e transportados debaixo do braço dos seus produtores/autores. Onde mais se produzia era na guanabara e são paulo. (está informação foi cedida pelo valtinho no ponto 4). A duração/projeção começou com alguns minutos, foi para quase uma dúzia de horas e hoje anda aí pelos 100 minutos.

10 deve ter havido pequena evolução no século acima, pelo menos nada de importante pois poucos dão noticia das atividades cinematográficas desta década. 0 paulo emílio, adhemar gonzaga, alex viany devem ter coisas, em coisas históricas do nosso cinema eles sabem das mesmas. Para quem gostar de história de cinema está aí a indicação.

20 humberto mauro, medina, gonzaga, ciclos de campinas, cataguazes, de recife, de porto alegre...sonoro vitafone...lulu de barros...

30 sonoro fotográfico, thecnicolor (?) - janets e marthas, nelsons e schipas, mogicas e gardeis motivam os primeiros musicais brasileiros que mais tarde evoluíram para a chanchada (?) Nesta década, talvez tenha se completado o processo de auto colonização do nosso cinema por razões...as razões não importam, o que poderia importar seriam as tentativas para a descolonização. O colonialismo vem sendo formado, temático e até problemático. Muita gente bem intencionada não percebe devido ao subdesenvolvimento do complexo autor/diretor/produtor. Vai ver que até isso vem a ser um bem...de qualquer maneira há algumas fitas brasileiras descolonizadas, do passado e do presente. Foi nesta década que apareceu um tal de jaime pinheiro que junto com outros peças, conseguiram do getulio a famigerada lei 8 ou 10 x 1, como instrumento de reserva de mercado. Constou dessa mesma leí a obrígatoriedade do complemento nacional-ancestral do cinema publicitário. Não se sabe se essa lei foi um bem ou um mal.

40 glória da chanchada - talvez devido a rede exibidora/produtora/distribuidora do severiano ribeíro - oscarito, grande otelo, ankito, anselmo duarte, liana, mazzaropi e sei lá mais quem. ...nesta década a chanchada evoluiu (?) enveredando ou entreverando pelo policial/espionagem ou pelo musical/suspense. ..é...como disse na década lá atrás...as transas da guerra e os bons de los angeles...vera-cruz/multifilmes/maristela/kino filmes .:.são paulo chega a empolgar a opinião pública - agora o cinema vai - mas não foi - pois não havia uma reserva de mercado...a multifilmes realizou a primeira fita à cores no Brasil (processada nos EUA)...na década de 30 "bonequinha de seda" já apresentava uns momentos à cores.

50 continuam as veras cruzes - chega ao Brasil os processos para a edição em sons magnëticos...surgem o cinemascope e as fitas de sons estereofônicos...nasce e morre o vistavision, deixando como saldo positivo a tela panorâmica como definitiva...acho que surgiu o cinerama e outros macetes mas que não tiveram importância alguma...críticos e técnicos de cinema (SP) conseguem a primeira lei municipal de ajuda ao cinema - prêmios adicionais e proporcionais à renda do filme realizado no município, prêmios para os técnicos, atores e também ao documentário...o mesmo grupo conseguiu tambëm uma lei estadual nos mesmos moldes ou quase idênticos...o grupo era formado (que me lembro) por flavio tambelliní, plinío sanches, jacques dezenlai, agustinho pereira dos santos, cavalheiro lima. ..e muitos outros mais...agonia da chanchada...

60 relatórios para comissões do senado...cinema novo...jânio/jango... revoluções...geicine...instituto nacional do cinema... 54 x 365 (dias, com a promessa de aumento de dias de obrigatoriedade na razão direta do aumento de produção)...prêmios adicionais/proporcionais a renda...premiações pessoais...coproduções...documentários categorias especiais...

castelo branco - geicine/INC...obrigatoriedade 54 x 365, subs- tituindo os 8 x 1 (para cada 8 filmes estrangeiros 1 nacional). aparecimento da "boca do lixo" no cinema brasileiro, secção são paulo. o cinema-distribuição, talvez pela proximidade das ferrovias se instalou na rua do triunpho lá pelo ano de mil novecentos e trinta e não sei. com a instalação do INC e suas conseqüências oniricas a produção de filmes aumentou muito rapidamente. na época a maioria dos produtores de filmes e filmecos eram do grupo chamado independente e eram uns duros, uns idealistas, idealistas/picaretas e etc etc. estes caras sendo independentes tiveram que procurar distribuidores na rua do triunpho e lá se encontravam. hoje a coisa mudou, aqueles idealistas desapareceram, desta ou daquela maneira. morreram simplesmente ...ou se engajaram no sistema do esquema produzir filmes em co-produção distribuidor/ exibidor. a "boca do lixo" como boca do submundo deve ser tão velha quanto a prostituição nesta cidade de nobrega a anchieta.

costa e silva - obrigatoriedade sendo manipulada - deve aumentar na medida do aumento de produção. documentário recebe: categoria especial. glória da "boca do lixo". até os últimos dias do governo de costa e silva os caras abaixo poderiam ser vistos na "boca" bem como alguns outros tidos como sérios ou fazedores de cinema "sério":


Roberto Santos e Rubem BiáforaXXXXXX L. S. Person


Carlos Reichenbach, Antonio Lima e Rogério Sganzerla

garrasrazumédici - 114 x 365 - retornando para 84 (porque a produção aumentou) e quase para 54...é... filmecos de 150 a 200 mil, colonizados principalmente, faturam mais que "chefões"...na minha opinião os filmes colonizados atendem ao consumo...o que há de se fazer, já dizia o sambista: quem vem ao baile, baila...mas, o pessoal da censura, parece, não andou gostando do sucesso destes filmecos e andou deslocando alguns de cartaz e encanando outros...esta atitude da censura "no preservamento de uma certa moral"(?) e o rebaixamento da obrigatoriedade provocou a queda de produção de filmes nacionais, de 100 filmes (anuais nos anos gordos) para 40 e as prateleiras se encheram e quem faturou foi o cinema estrangeiro...tem gente que pensa que tem havido pressões políticas/econômicas ou econômicas/culturais ou ainda sei lá que tipo de pressões...estas pressões já foram chamadas de poderes "ocultos" ou forças "ocultas", besteira...hoje "elas" já não são ocultas e não estão ocultas...até torcedor de futebol sabe onde "elas" se encontram...só que isso ou essa de saber de nada adianta...

70 ...acho que vou voltar as décadas e esta década ao que tudo indica vai findar por isto ou aquilo mesmo, salvo haja alguma balançada de coreto...isto em relação ao cinema brasileiro/produção. talvez daqui para oitenta aconteça o que alguns vem preconizando e mesmo faturando...o 16 mm vai desaparecer, assim como desapareceu o 9 mm. a TV continuará a afastar o público do cinema, logo o cinema do futuro tem de ser, por razões econômicas, o super 8 mm, e quem estiver por dentro do dito super 8 mm vai ser o bom de cinema e tem mais - todos aqueles que hoje fazem cinema brasileiro são uns ruins de cinema, os bons são aqueles que ainda nada fizeram...por injustiças oficiais ou não oficiais. naturalmente o pessoal do 35 mm também vai desaparecer, os gurus do super 8 mm vão comandar tudo. a procura do cinema comercial/profissional de uma melhor imagem que resultou no scope, cinerama e sons (estereofônicos) não deu e só sobrou a tela panorâmica... mas cinema é cinema em 9, 8, super 8, 16, 35 ou 70 mm, porque cinema não é uma coisa sujeita a bitola de- cimal e muito menos aos processos conhecidos de gravação - fotográfico e magnético...a TV, por exemplo, é uma emanação do cinema no tocante a linguagem...mas deixa pra lá...

80 pode acontecer de não ter ainda por estes lados chegado, mas independente de bitolas o cinema já é magnético - amador ou profissional - curta, curtíssimo ou longa metragem...

Ozualdo Candeias