Das
Tripas Surgem as Cordas da Lira
ou Lira Ano 2000
.
Claudio Marzo e Anecy Rocha em A Lira do Delírio
de Walter Lima Júnior
Passados mais de vinte anos de seu lançamento,
A Lira do Delírio tornou-se um dos filmes mais festejados
da carreira de Walter Lima Jr. No entanto, sua acolhida inicial, segundo
o próprio Walter Lima nos conta, não foi das mais fáceis,
devido à trágica morte de Anecy Rocha, protagonista do filme
e sua mulher à época.
A beleza do filme, de todo modo, era tão
evidente que ele acabou naturalmente se tornando um clássico, destes
que aparecem sempre lembrados, seja em mostras, vídeo ou apenas
pela lembrança de outros.
Mas isso não é a Lira...,
de jeito nenhum.
Filme pulsante, filme vivo, arriscado e emocionado,
A Lira do Delírio é um filme único de Walter
Lima, um momento de experimentação e efusividade numa carreira
que caminhava cada vez mais para um classissismo lírico, como veio
a ser o caso de Inocência, Ele, O Boto ou mesmo os
filmes mais recentes.
Na Lira..., a facilidade de compreensão
cede lugar ao impacto. A fluidez narrativa fica em função
do tempo próprio de cada situação, seja o carnaval
de Niterói, o cabaré da Lapa que dá nome ao filme
ou mesmo a imposição das "verdades" pelo editor
de um jornal. Os personagens não têm nomes senão os
de seus atores (exceção à protagonista, a dançarina
de cabaré chamada ‘Nessi Elliot’).
Mas a Lira... não é
um ‘retorno tardio ao cinemanovismo’ de um meio-convertido ao sistema.
Ainda que tenhamos tortura, abuso de poder e tráfico de crianças
ainda em 1978, o filme conta-se de um modo repartido, irreverente e no
entanto incrivelmente lírico, este sendo certamente o adjetivo
mais utilizado com relação aos filmes de Walter Lima. É
isto a Lira..., sua mais ousada tentativa do ideal do cinema-poesia.
Filme ligado essencialmente a Eros, verdadeira
ode à vida e à alegria, o filme curiosa e tristemente se
viu contraposto àquilo que ele não enuncia, a morte.
Anecy Rocha é a força do filme,
quase-improvisando com Pereio, Claudio Marzo, Tonico Pereira, Antonio
Pedro e por aí vai... Grandes atores, que magnetizam a cena enquanto
o narrador nos seduz com músicas climáticas de todo jeito,
musicando o filme em busca de uma atmosfera irreverente e emocionada.
Num momento em que o enaltecimento da livre
criação parece se manifestar, paradoxalmente, em todos os
cantos, a Lira... nos passa a disposição para a alegria
e para a beleza surpreendente. Em tempos tão pessimistas e moralistas,
é sempre um prazer revê-la, nem que seja para notar a capacidade
que sua ficção tem de se encantar com o cotidiano, e de
descobrir o belo nos curtos momentos.
Como num carnaval, ou numa noite de um cabaré.
Daniel Caetano
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