12 livros indispensáveis
à discussão crítica no Brasil
1959 – Introdução
ao Cinema Brasileiro – Alex Viany
A Introdução
ao CB de Alex Viany é o primeiro cadinho da pesquisa histórica
sobre o cinema brasileiro, e é como tal que deve ser vista: com
o atraso (aqui, o atraso das pesquisas: a cinematografia caraíba
já fazia mais de 60 anos e nenhum inventário mais completo),
os defeitos e a imperfeição que sempre revelaram muito sobre
nós. No terreno do cinema brasileiro, onde quase tudo sempre esteve
muito mais entre as aspirações vindouras do que na ordem
das realizações, em tudo que realizou Viany cumpriu seu
papel de tentar reverter o quadro negativo. É preciso lembrar:
o cinema brasileiro daqueles anos evoluiu (e sempre será assim)
na medida em que se processou, que foi se realizando e depurando. Uma
bela Introdução que sem dúvida contribuiu
e muito para se criar um lastro a que todos que se interessam por filmes
no Brasil são tributários – o pessoal do Cinema Novo já
confessou mais de uma vez a sua dívida com os escritos de Viany.
Só é pena que as edições mais recentes não
reproduzam o levantamento filmográfico e os documentos da valiosa
publicação original.
1963 – Revisão
Crítica do Cinema Brasileiro – Glauber Rocha
O movimento
do cinema novo não precisava apenas de filmes e realizadores. Precisava
igualmente de uma história sobre seu passado que jamais havia sido
feita, de um novo debruçar-se sobre o cinema passado para retirar
dele o que há de bom e aprender com os erros dos realizadores ancestrais.
Pouca coisa passa pelo crivo de Glauber Rocha: Mário Peixoto, Lima
Barreto e Walter Hugo Khouri (na época considerado o maior realizador
do cinema brasileiro pela crítica) são sumariamente defenestrados,
mesmo que se reconheça neles talento, inteligência e erudição,
e jogados para fora do campo de influências do cinema novo. Já
Humberto Mauro e Nélson Pereira dos Santos são glorificados
e admitidos como o ponto de partida ideológico dos cineastas do
CN. Radical demais ou não, panfletário ou não, tendencioso
certamente, e mesmo sem a pesquisa necessária para dizer tudo que
disse (criticou Limite sem ter visto o filme), Revisão
Crítica do Cinema Brasileiro permanece até hoje como
a análise mais minuciosa das estéticas dos realizadores
de cinema até 1960 e a prosa mais agressivamente encantadora de
toda a bibliografia do cinema brasileiro.
1967 – Brasil em
Tempo de Cinema – Jean-Claude Bernardet
Mesmo que em
1965 David Neves tenha escrito o adorável Cinema Novo no Brasil,
Brasil em Tempo de Cinema permanecerá sendo a referência
principal de um texto do cinema novo tendo sido produzido durante o próprio
movimento. A explicação é simples: por mais que o
livro de David Neves tenha sido inovador e mais "por dentro"
do movimento (afinal, Neves era da patota do CN), o livro de Bernardet
é a primeira análise exaustiva dos principais aspectos do
cinema brasileiro dos anos 60. Pela primeira vez, um estudo de grande
porte fala sobre a continuidade da problemática social em todo
o cinema brasileiro (desde o cinema comercial até o cinema novo)
e de como inicialmente os novos diretores saem de um cinema em que as
principais preocupações estão no campo para, em seguida,
partirem para a cidade e questionarem a classe média sobre a necessidade
de uma reorganização do país, seja pela revolução
ou pela reforma.
1974 – Humberto
Mauro, Cataguases, Cinearte – Paulo Emílio Salles Gomes
É lançada
a tese de doutoramento de Paulo Emílio, defendida em 1972. Trata-se
menos de uma biografia do cineasta de Cataguases de seu nascimento até
a ida para o Rio – e que engloba a realização dos filmes
Valadião, o Cratera, Os Três Irmãos
(incompleto), Na Primavera da Vida, O Tesouro Perdido, Brasa
Dormida e Sangue Mineiro – do que a construção
do mito do cinema nacional por excelência, da construção
de um relato mitológico que nos fornece um passado glorioso cujo
ímpeto inicial – a saber, um cinema tipicamente brasileiro com
preocupações nacionais em oposição ao cinema
estrangeiro – as futuras gerações deveriam continuar. É
sem dúvida o correlato em cinema daquilo que foi a Formação
da Literatura Brasileira de Antônio Cândido: um sopro
romântico, uma personificação de Ulisses e uma nova
viagem para Ítaca para se descobrir a si mesmo. Enfim, uma procura
pela raiz, pelo nascimento de um espírito. Se o hegelianismo
de Cândido e Salles Gomes é a ideologia por excelência
do Estado Nacional e se o capitalismo nesse século é a dissolução
dos estados nacionais, esse Humberto Mauro, Cataguases, Cinearte
exige uma urgente revisão crítica sob pena de caducar. É,
contudo, um livro de uma doçura e de uma pesquisa inauditas até
então no cinema brasileiro.
1976 – A Bela Época
do Cinema Brasileiro – Vicente de Paula Araújo
Para o pessoal
que ainda tem dúvidas sobre a origem da onipresença do cinemão
americano (o monopólio e o colonialismo cultural, claro!), A
Bela Época do Cinema Brasileiro é um livro obrigatório
e de muitas ressonâncias com os dias de hoje. Com talento raro para
a pesquisa, e sempre com uma composição de alto relevo,
Vicente de Paula Araújo mostra como nos primórdios do cinematógrafo
– quando a indústria estrangeira ainda não havia instalado
suas bases por estas bandas – para o público brasileiro filme era
mesmo o nacional. E ninguém reclamava, pichava ou deixava de prestigiar
o que estava na tela: entre 1907 (ano em que a energia elétrica
começou a ser produzida em escala maior, o que possibilitou a multiplicação
das salas de exibição) e 1912 (quando o comércio
de filmes começou a se construir em função do produto
importado), as fitas brasileiras davam de goleada em qualquer Griffith
ou Max Linder. Quem duvida, que leia essa Bela Época e tire
a prova. No mais, é o que escreve Paulo Emílio na apresentação:
"Como a história de nosso cinema é a de uma cultura
oprimida, o esclarecimento de qualquer uma de suas etapas ou facetas se
transforma em ato de libertação".
1982 – Crítica
de Cinema no Suplemento Literário – Paulo Emílio Salles
Gomes (2 volumes)
Aí estão
dois livros de cabeceira para fazer a cabeça de toda a gente. Os
dois volumes reúnem os artigos que Paulo Emílio, decano
entre os decanos da crítica nativa, publicou entre 1956 e 1965
no Suplemento Literário, que vivia então sua fase áurea
sob a batuta de Décio de Almeida Prado. Paulo Emílio escrevia
como poucos, sabia argumentar com uma facilidade de dar inveja e dissertava
sobre o que fosse (de Méliès a Rossellini, de Eisenstein
aos então novos lançamentos) com a mesma propriedade – mas
o importante a reter ao longo dos textos é sua conversão
ao cinema brasileiro (o mesmo tipo de emancipação
por que passaram Alex Viany e Almeida Salles), adesão que um pouco
mais tarde o levaria a afirmar que só o cinema brasileiro me
interessa (vide o também obrigatório Um Intelectual
na Linha de Frente). No mais, para Paulo Emílio, cinema era
conversa, e não é outra coisa que ele fazia toda semana
com seus leitores – e só os corruptos incorrigíveis para
não se deixar influenciar por sua escrita-diálogo.
1986 – Cinema de
Invenção – Jairo Ferreira
O livro de Fernão
Ramos (Cinema Marginal – A representação em seu Limite)
pode ter sido lançado um ano antes, mas, com todo respeito, em
matéria de cinema-boca-do-lixo, é o do Jairo Ferreira que
entra no paideuma da crítica no Brasil. Cinema de Invenção
é a arqueologia do udigrudi (barbarismo do Glauber que,
revisto hoje, devia pegar) feita por quem mais conhece do riscado – porque
contribuiu decisivamente para uma penca de filmes, porque viveu o momento,
porque escreve sem fazer academia, mas poesia (dado fundamental)... O
leitor que aproveite, porque ao contrário do que muita gente pensa,
o biscoito fino costuma acabar logo na praça, e depois de muito
tempo de espera, Cinema de Invenção, depois de revisitado
pelo autor, foi reeditado em novembro último.
1987 – História
do Cinema Brasileiro – Fernão Ramos (organizador)
Se desde os
anos 50 era preciso organizar uma verdadeira história do cinema
brasileiro (vide cronologia 1955-6), essa tarefa só pôde
ser levada a termo depois de um reassentamento dos pesquisadores de cinema
dentro da universidade. Assim, num grandioso esforço de sete pesquisadores
e uma infinidade de referências, fez-se enfim a primeira história
do cinema brasileiro. Os três primeiros capítulos são
dedicados ao cinema até 1930. Os dois seguintes destinam-se ao
cinema entre 1930-55 (chanchada no Rio e aventura industrial em São
Paulo), enquanto os dois últimos são estudos de caso sobre
uma geração inteira (Fernão Ramos analisa o cinema
de 1955 até 1970 e José Mário Ortiz Ramos analisa
o cinema de 1970 até 1985, data em que a pesquisa acaba). Apesar
de não se constituir como uma revisão crítica, o
livro revê os preconceitos correntes da crítica cinematográfica
em relação a gêneros como a chanchada e a pornochanchada
e entrega um belo trabalho de pesquisa que, mesmo se recorre às
vezes a uma visão sociologizante, é um instrumento obrigatório
de estudo.
1989 – Este Mundo
É um Pandeiro – Sérgio Augusto
Quando todo
mundo só pensa no sério-dramático e no pomposo, é
preciso lembrar que um dos dados mais inventivos do cinema brasileiro
é a chanchada, verdadeira tradição de resistência
– vide a avacalhação revisitada pelos olhos anormais da
dupla do barulho Bressane e Sganzerla, os primeiros a sacar essa verdade.
Mas é aquele negócio: cinema popular no Brasil sempre provocou
horror a nossa elite tacanha também de idéias, foi sempre
mal-visto e pagou o pato por todos os erros cometidos – exemplo: a aceitação
vexaminosa que as chanchadas receberam dos críticos até
pelo menos meados dos anos 70. E na seara da Atlântida e similares,
das patuscadas de Grande Otelo, Oscarito e Zé Trindade, momento
crucial do cinema tropical, a reavaliação passa obrigatoriamente
por Este Mundo é um Pandeiro, livro que é fruto de
uma década de pesquisas de Sérgio Augusto, crítico
meio afetado mas com freqüência muito bem informado.
1993 – Alegorias
do Subdesenvolvimento – Ismail Xavier
Depois do cinema
novo, todo o esforço crítico das décadas seguintes
precisava responder uma pergunta específica: o que aconteceu em
1968? O que caracteriza o momento de efervescência cultural que
culminou nos momentos mais fortes do Brasil no século XX, o período
62-71? É justamente essa a pergunta que Ismail Xavier consegue
formular e responder em Alegorias do Subdesenvolvimento, livro
que leva em seu subtítulo os três grandes movimentos desse
período: "cinema novo, tropicalismo, cinema marginal".
Analisando os filmes Terra em Transe, O Bandido da Luz Vermelha,
Brasil Ano 2000, Macunaíma, O Dragão da
Maldade Contra o Santo Guerreiro, O Anjo Nasceu, Matou a
Família e Foi Ao Cinema e por fim Bang Bang, Xavier
mostra como a fragmentação narrativa e o caráter
alegórico dos personagens e das situações criam uma
estética que, mais do que mostrar o subdesenvolvimento, nos permite
compreender o que é ser subdesenvolvido.
1995 – Historiografia
Clássica do Cinema Brasileiro – Jean-Claude Bernardet
Há vários
motivos para esse Historiografia não figurar numa lista
de "12+": trata-se de um estudo fragmentário, um degrau
mais do que uma escada, e acima de tudo por colocar mais pontos de interrogação
do que resolvê-los. Mas essa Historiografia supera tudo isso
porque conseguiu ser o único livro dessa década a parecer
com a época em que viveu. Esse livro de Bernardet tenta voltar
às fontes básicas de referência sobre a história
do cinema brasileiro – sobretudo Alex Viany e Paulo Emílio Salles
Gomes – para mostrar como se criou o mito do nascimento e da "bela
época" do cinema brasileiro, e a que tipo de ideologia respondia
essa necessidade de mi(s)tificar. Em outros ensaios, analisa o nascimento
da figura do intelectual como personagem dentro do cinema novo e, por
fim, analisa como o cinema brasileiro dos anos 80 encara a televisão,
com ressentimento e, por vezes, até com ignorância. A ênfase
do livro todo, porém, é clara: os anos 60 criaram certos
mitos de cinema que precisam ser revistos ou, então, padeceremos.
O único livro dos anos 90 a dar conta da necessidade de um novo
cinema, de uma nova crítica, de uma nova pesquisa.
2000 – Enciclopédia
do Cinema Brasileiro – Fernão Ramos e Luiz Felipe Miranda (organizadores)
Ainda que o
cinema brasileiro não seja um terreno tão desconhecido (ou
não: o sentimento é de quanto mais se descobre mais se ignora,
tantos são os tesouros escondidos e inacessíveis. Nunca
perca sua curiosidade, já dizia Ezra Pound.) e ocupe um lugar razoável
no interesse dos críticos mais esclarecidos, nem por isso existia
um livro de referência mais completo – ao menos até bem pouco
tempo atrás. Havia a já comentada História do
Cinema Brasileiro, havia também o Dicionário de Cineastas
Brasileiros (também organizado por L. F. Miranda), mas só
com a recente publicação (após 4 anos de pesquisas)
da Enciclopédia do Cinema Brasileiro podemos dizer que o
filão ganhou uma obra a altura da diversidade histórica
do cinema nacional: são 700 verbetes divididos por quase 600 páginas,
mais um valioso álbum de fotografias. Espera-se que o lançamento
da Enciclopédia venha ser também um símbolo
de uma nova onda (as coisas se movem em ciclos) de interesse e vitalidade
do cinema nativo – afinal, em um país onde o descaso pelo passado
é enorme, a memória também é ideologia e ação.
Ruy Gardnier e Juliano
Tosi
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