Mostra Belair 30 Anos

 

Algumas semanas depois do Festival do Rio BR 2000 aconteceu o evento cinematográfico mais importante do ano. Livre de badalação, obrigações financeiras, preocupação com filas ou coisas do gênero, foi a celebração do audiovisual pelo seu valor cultural e histórico.

A Mostra Belair 30 anos programou quatro dos filmes produzidos pela produtora montada por Rogério Sganzerla e Júlio Bressane nos anos 70, quando lançaram em pouco espaço de tempo obras extremamente incômodas. Com um profundo caráter experimental esse conjunto de filmes era marcado pelo orçamento baixíssimo como fator integrante da estética adotada. Porém, já distanciados do Cinema Novo, possuíam uma temática estranha que se junta perfeitamente à avacalhação bem estudada da encenação. Se a intenção dos diretores sempre foi provocar e lançar uma nova forma de se pensar o cinema ou a arte narrativa como um todo, com essa produção relâmpago da Belair eles podem até ter criticado mais certeiramente a produção industrial em série para o cinema. Mas, como são filmes anárquicos, fica mesmo difícil definir uma linha de contestação. Fazer tal coisa seria tentar entendê-los seguindo regras usadas para compreensão de um cinema estruturado na narração. Certamente, para tirar algum proveito da complexidade dessas obras não é recomendável procurar por intenções fáceis. É possível achar no meio da confusão que aparece na tela algum grito contra a ditadura? Claro. Contra a fome? Também. E contra inúmeras outras desgraças que impede o homem de ser grande. Mas toda essa contestação se arma primeiramente renegando qualquer forma de assimilação convencional. Não há nada mais revoltado e eficaz do que isso. É o protesto que não aponta a saída, porque ela não existe, mas apenas mostra que o mundo tão belo não passa de mais uma representação. E o público que se vire, porque só vai deixar de ter trabalho quando abrir mão de seus tão sólidos valores interpretativos.

Depois do Maior Festival de Cinema da Cidade, onde a exaltação da mesmice velha encontrou sua morada, nada melhor do que um punhado de quatro filmes que detonam com essa concepção arcaica de cinema. Curioso é lembrar que esses míseros quatro filmes tão significativos não são nem um pouco novos. Poderia seu longo período de afastamento do público ser explicado pelo tamanho poder de desestruturar esse esquema ultrapassado de criação atual?

O evento teve seus problemas. Problemas graves que só permitiram a exibição de Sem Essa Aranha, Família do Barulho e Copacabana Mon Amour. Mas a importância do que aconteceu na sala de exibição da Casa de Rui Barbosa não vai ser abalada. A prioridade foi reunir os filmes e conseguir um espaço para exibi-los democraticamente. Cabia ao público segurar a ansiedade aumentada pela grande espera e pela certeza de ter diante dos olhos obras de real importância para a definição do que é a atividade cinematográfica no Brasil.

Se nem tudo aconteceu como deveria, isso é compreensível. Afinal, a mostra foi uma iniciativa nobre e quase sem apoio financeiro. E, atitudes como essa, de preocupação em mostrar e possibilitar um debate sobre o que essa produção da Belair representa para nossa história do cinema, só de existirem já são motivo para deixar qualquer interessado bastante aliviado.

João Mors Cabral