Paulo César Saraceni
no Festival do Rio BR 2000



O Desafio de Paulo Cezar Saraceni

Qual é a importância que um espaço de exibição exclusivo em um festival tem para um realizador? Qual é o papel de uma retrospectiva para uma cinematografia nacional? O que representa a retrospectiva para um público? O que representa uma retrospectiva de Paulo Cesar Saraceni?

Certamente muitas outras perguntas semelhantes surgem apenas ao se lançar a primeira. As circunstâncias são diversas. Existem muitos fatores para serem considerados. Daí a discreta retrospectiva de Saraceni, de qualquer maneira, ser um acontecimento de relevância dentro do Festival do Rio BR 2000.

Aliás, classificá-la de discreta é consequência da forma como ela se deu, não de sua abrangência.

Característico da importância dada a existência de uma história do cinema brasileiro e mundial, o espaço reservado aos filmes "antigos", que tem reconhecidamente um papel na construção de uma cultura cinematográfica atual, tem muito a dizer sobre o que promotores culturais e público buscam em um evento do porte desse Festival. Em meio a todos os filmes, misturada com inúmeros estilos, técnicas, temáticas, que não tem como receberem tratamento crítico adequado em um evento excessivamente voltado para o entretenimento, a filmografia de Saraceni foi parar na sala do Museu da República. Sala que, apesar da localização quase central, sempre foi considerada fora do Festival. O público que aparecia para as sessões dos filmes de Saraceni não era desavisado. Todos sabiam perfeitamente do que se tratavam aquelas exibições. O conhecimento, ou mesmo a busca por ele, era o que diferenciava a audiência presente no Museu. Ninguém vai ver Porto das Caixas ou Ao sul do meu corpo sem ter uma idéia, por mínima que seja, do que significam.

Paulo Cesar Saraceni, sem entrar em questões críticas, é um cineasta importante. Fazendo cinema a muito tempo, esteve presente, fazendo filmes, nos mais destacados momentos e fazes da história cinematográfica brasileira. Sua obra variada, ao mesmo tempo que pode ser incluída em movimentos maiores, nos quais teve participação relevante, consegue manter características próprias que definem um estilo individual e autoral. Isso faz com que seus filmes integrem um conjunto indispensável para a formação de qualquer pessoa que considere o cinema como um processo artístico. Não se pode nunca ignorar esse tipo de filmografia se se pretende entender o que é o cinema brasileiro.

Uma retrospectiva Saraceni, acontecendo da maneira como aconteceu, no Festival do Rio permite então que se chegue a algumas conclusões intrigantes. Tornar possível à um público interessado ver a vasta produção de Saraceni, incluindo curtas, é um ato digno de elogios para qualquer evento. Porém, deve-se avaliar esse acontecimento, nesse festival, com uma dose a mais de crítica.

Desde o início o Festival do Rio fica caracterizado como um festival aberto demais. Seu foco é o geral. O número de filmes exibidos não permite definir um perfil. É um acontecimento que tem o objetivo de mostrar cinema para um público que não está muito interessado em debater, criticar ou entender. Busca-se saciar uma vontade de conhecimento acrítico. Se o cinema, junto com qualquer outra forma de expressão artística, está sendo tratado como objeto de consumo para uma elite que o enxerga com entretenimento culto, a simples iniciativa de exibir mais de 400 filmes em duas semanas é conivente com esse tipo de tratamento dispensado aos filmes. A preocupação em se criar debates, formar público exigente, alargar as formas de compreensão e de produção de cinema não passa somente por um esquema de exibição. Para se atingir esses objetivos maiores deve-se procurar sempre um caminho da reflexão, do estudo. Tornar disponíveis uma imensa quantidade de obras passa a não ter muito sentido se a iniciativa tem o intuito apenas de entreter e não expor. O debate crítico e elucidativo surge quando o público tem a noção do que está sendo exposto e não simplesmente vai ao encontro da exposição para satisfazer uma vontade de consumo estético. Com a necessidade de se justificar financeiramente, o que é normal em uma sociedade de mercado, os festivais tem que assumir essa conformação de provedores cultura comercial.

No meio de tudo isso, a cinematografia de Paulo Cesar Saraceni sofre com o mesmo tratamento inadequado que é dispensado à qualquer filme. Um conjunto de obra de tamanha importância para a compreensão de nossas raízes culturais no cinema acabou fazendo parte da avalanche de filmes exibidos durante o Festival e não teve direito a um debate que estivesse de acordo com a sua condição. Parece que estava lá apenas para tapar o buraco na programação que foi aberto por uma possível audiência para o cinema nacional "histórico". Uma Mostra Saraceni deve ser independente e a sua inclusão no Festival do Rio desse ano foi desperdício devido ao ecletismo descompromissado do evento.

João Mors Cabral