Propostas
e realizações
L'Humanité, França,
1999
Há algo de
profundamente perturbador no cinema de Bruno Dumont, e não é
o seu ritmo lento e deliberado, nem muito menos sua fotografia em um inesperado
scope, nem muito menos seu retrato de cenas fortemente sexuais com atores
nem um pouco "excitantes", absolutamente normais, e em circunstâncias
no geral doentias. Não é também o desvendamento de
um mundo interior sórdido e mal resolvido na paisagem idílica
do interior da França. Estas são sim, algumas das suas qualidades.
O que incomoda em Bruno Dumont é que ele não consegue levar
seus filmes até o final sem pisar na bola. Isso para ser bem direto.
Dumont, após
dois filmes, tem claramente um universo estabelecido, e um estilo (ou
seja lá como se possa chamar). Não apenas usa sua câmera
de maneira parecida em seus dois filmes, mas também monta com a
mesma idéia de planos longos, ações banais. Não
só trata da violência inerente ao ser humano, como a localiza
em personagens à beira da loucura e da psicose, com relações
físicas e emocionais extremas com aqueles à sua volta. Mas,
tanto em A Vida de Jesus, seu filme de estréia, quanto neste
A Humanidade que analisamos aqui, em algum ponto ele tropeça
em algum detalhe que torna seu ambicioso projeto estético-temática
incompleto. O que parece é que ele foi endeusado por todos os atributos
listados acima, absolutamente inegáveis, e saudado como um novo
Bresson. Numa época de poucos grandes talentos, e especialmente
rara em propostas ousadas de narrativa, isso é natural. Mas, não
se justifica que não olhemos em mais detalhes os pontos onde seus
projetos chegam à beira da contradição.
No caso de A humanidade,
infelizmente para aqueles que não tenham visto o filme, é
impossível não fazê-lo sem falar do final do filme.
A verdade é que há finais que salvam todo um mau filme e
finais que destróem um bom filme. Isso porque o final não
pode ser menosprezado, é o momento onde o diretor conclui seu trabalho,
o momento em que ele passa o filme de vez do seu controle para o dos espectadores.
Pois bem, se toda a obra de Dumont é centralizada na banalidade
do mal, e sua relação com a banalidade da vida (e, por isso
mesmo, em oposição, o sublime de ambos, por serem humanos
e imperfeitos) não há explicação plausível
para sua conclusão do filme. Ao longo de toda a projeção,
parece ficar claro que a investigação policial e as possíveis
respostas que se possam extrair dela são o menos importante no
seu estudo. São apenas o estopim e a desculpa para a análise
dos personagens e suas ações. Pois bem, quando no final
o diretor em cinco minutos se dedica a desvendar os crimes e encontrar
um culpado, encerrando desta forma o filme, não há como
não se sentir enganado por este autêntico "fecho".
Seria como num filme no estilo "whodunit" mas tradicional, no
final não se revelasse o assassino. É um contrasenso com
tudo que propõe o filme ao longo de quase duas horas e meia.
Repetindo assim os
equívocos do filme anterior (onde a epilepsia do personagem principal
enfraquecia completamente a discussão), Dumont no fundo parece
dono de uma "função" (ou seja, um estilo apurado),
com forte verniz intelectual e filosófico, mas que ele usa de forma
displicente e incompleta.
Eduardo Valente
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