O Que Ainda Não Vimos



Made In Hong Kong de Fruit Chan

Pois é, o mais incrível é que mesmo após dois anos com quase 400 títulos no Rio e 180 em São Paulo, ainda assim o cinólatra brasileiro continua sem ver alguns dos filmes mais importantes que o cinema mundial realizou nos últimos anos. O lado bom desta constatação é perceber que se, com a oferta que temos hoje, ainda temos uma grande demanda, que dirá há dez ou quinze anos... O lado ruim é que precisamos questionar as seleções das mostras que nos trazem inúmeros títulos inexpressivos, e mesmo assim não conseguem exibir alguns filmes relevantes como estes. Muitas vezes, é verdade, isso não é culpa dos organizadores, mas simplesmente uma dificuldade na negociação com os produtores. O mais preocupante é quando vemos verdadeiras pérolas inesperadas e desconhecidas, e paramos para pensar quantas outras perdemos a cada ano, e nem imaginamos. O sonho do "cinéfilo total" que a tudo assiste, torna-se mais e mais inatingível à medida em que aumenta a produção mundial.

Esta lista de filmes que nos falta ver, devemos destacar, é uma lista incompleta, pois como os filmes não foram vistos, devemos nos balizar por comentários ou nomes conhecidos. Há certamente mais uma série de filmes importantes dos quais nunca ouvimos falar e que não chegaram até aqui. Também é importante frisar que para fins desta listagem, consideramos o Festival do Rio e a Mostra de SP como um fenômeno só, ou seja, cada uma das cidades perdeu também uma série de filmes que só foi exibida na outra. Sobre estes filmes tratamos no artigo "5 Anos de Motivos para ir ao Rio E SP", na cobertura da Mostra de São Paulo.

Passando direto à listagem, que é o importante aqui:

De Cannes 2000, não nos chegaram os seguintes filmes:

  • Requiem for a Dream, de Darren Aronofsky (diretor de Pi)
  • Les Destines Sentimentales, de Olivier Assayas (de Irma Vep)
  • Trolosa, de Liv Ullman
  • Guizi Lai Le, de Wen Jiang (dentre os muitos filmes orientais exibidos este ano, este ficou faltando, tendo recebido prêmio em Cannes)
  • Kippur, de Amos Gitai (diretor de Kadosh)
  • Tabu, de Nagisa Oshima (prometido por ambos os festivais, mas que acabou não sendo exibido em nenhum deles por problemas com o distribuidor brasileiro)
  • Shadow of the Vampire, de E. Elias Merhige (com Willem Dafoe interpretando Max Shreck, o ator que foi o Nosferatu de Murnau – aliás, interpretado por John Malkovich)

De Veneza 2000, não chegaram aos festivais:

  • Liam, de Stephen Frears (filme que disputou palmo a palmo o Leão de Ouro, e que marca mais uma volta de Frears a Inglaterra, após Alta Fidelidade)
  • The Man who Cried, de Sally Potter (diretora de Orlando)
  • Denti, de Gabriele Salvatore (diretor de Mediterrâneo)
  • Liulian Piao Piao, de Fruit Chan (a outra grande ausência oriental)
  • Sellon Matthieu, de Xavier Beauvois (jovem diretor francês de Não se Esqueça que você vai Morrer)
  • Brother, de Takeshi Kitano (sua primeira incursão nos EUA)
  • Merci pour le Chocolat, de Claude Chabrol
  • Otesánek, de Jan Svankmajer (diretor que mistura animação e live action, e que apresentou há dois anos o perturbador Conspiradores do Prazer)
  • Possible Worlds, de Robert Lepage (canadense que também trabalha com teatro, e que há dois anos esteve no Brasil apresentando a impressionante Needles and Opium)
  • The Princess and the Warrior, de Tom Tykwer (também prometido no Rio)

Nenhum destes filmes é impossível de ser exibido no futuro, afinal historicamente alguns filmes destes festivais nos chegam em anos posteriores, com foi o caso de O Estranho, Cradle Will Rock e Rosetta, todos exibidos nos festivais aqui em 2000, e que passaram em Cannes em 1999. Especialmente no que diz respeito à Veneza, os números totais de filmes efetivamente exibidos aqui no Brasil chega a impressionar, se consideramos que o Festival acontece pouco mais de um mês antes dos nossos. Para se falar em números, 12 dos 19 filmes em competição em Veneza 2000 passaram no Brasil. Para termos uma idéia, 14 dos 18 filmes de 99 passaram aqui, mas destes 5 foram exibidos em 2000. De Cannes, 14 dos 23 filmes em competição passaram. E, o mais importante, não ficaram faltando nenhum dos principais premiados (Leão ou Palma de Ouro) como aconteceu no ano passado com Rosetta.

Mais preocupante são os filmes de Cannes 1999 que continuam inéditos, e que agora, dois anos depois, começam a tornar-se difíceis de serem considerados para exibição. Entre estes as grandes ausências são:

  • Felicia´s Journey, de Atom Egoyan
  • Os Contos de Kish, de três diretores iranianos, inclusive Mohsen Makhmalbaf
  • La Balia, de Marco Bellochio
  • Pola X, de Leos Carax
  • Wonderland, de Michael Winterbottom
  • The Emperor and the Assassin, de Chen Kaige (prometido pelos dois festivais no ano passado)
  • Straight Story, de David Lynch (que já completa um ano de promessa de lançamento no Brasil)

Há, porém, outros títulos que não nos chegaram e que são preocupantes por não terem esta "chancela" dos maiores festivais do mundo. Aí vão alguns:

  • Werckmeister Harmóniák, de Bela Tarr (o louco por trás de Satantango)
  • Pollock, de Ed Harris (biografia do pintor Jackson Pollock, estréia de Harris como diretor)
  • Memento, de Christopher Nolan (diretor de Following, interessante estréia exibida no Rio em 1999. Pela sinopse parece um Estorvo inglês)
  • Maelstrom, de Dennis Villeneuve (filme canadense narrado por um peixe...)

Outra fonte interessante, e talvez a mais desesperadora para o cinéfilo total, é a lista de filmes indicados pelos países para concorrer ao Oscar de filme estrangeiro. Claro que alguns destes filmes podem ser extremamente desinteressantes pelo perfil dos indicados ao prêmio, mas sem dúvida, outros tantos devem ser filmes no mínimo curiosos. Esta semana foi divulgada a lista dos 46 indicados para 2001, e deles 15 foram exibidos nos festivais brasileiros, entre os quais (para se ver o nível de interesse que os outros possam ter) In the Mood for Love, Chunyang, Canções do Segundo Andar, Tempo de Embebedar Cavalos. Claro que, já tendo visto alguns dos filmes, ao lermos os nomes de Peppermint, Quebrando o Silêncio, Fama Para Todos, percebemos que nem todos os perdidos devem ser lamentados. Mas, entre os outros 31, certamente estão filmes que mereceriam destaque. Como não há informações específicas à disposição, só os títulos, pelos diretores podemos destacar como ausências principais dois filmes:

  • Gripsholm, de Xavier Koller (representante suiço, sendo ele o diretor que ganhou o Oscar com A Viagem da Esperança)
  • Life as a Sexually Transmitted Disease, de Krystof Zanussi (polonês, além do diretor jovem e bom, com este título só se pode lamentar...)

Claro que, no escuro, é difícil apostar nos filmes do Nepal, Argélia ou Equador, mas sabe-se lá... Para comparação, dos 45 filmes indicados em 2000, 22 passaram no Brasil, a maioria só em festivais, e de 1999, 18 dos 44. Destes dois anos há omissões imperdoáveis como:

  • The Lord´s Lantern in Budapest, de Miklos Jancsó (mestre do cinema húngaro)
  • Terminus Paradis, de Lucian Pintillie (idem do cinema romeno)
  • Not of this World, de Giuseppe Piscionni (grande sucesso italiano)
  • Set Me Free, de Léa Pool (filme canadense com ótima recepção em festivais)
  • Made In Hong Kong, de Fruit Chan (portanto dois filmes em falta...)
  • O Barbeiro de Sevilha, de Nikita Mikhalkov

Além de seguidas ausências de cinematografias interessantes, como a holandesa, chinesa, taiwanesa, sueca. Aliás, esta última tem um exemplo raro, de filme que chegou a ficar entre os 5 indicados ao Oscar, em 2000, e não ser exibido aqui. É um de dois casos nos últimos anos:

  • Under the Sun, de Colin Nutley
  • O Avô, de José Luis Garci (Espanha, 1999)

Pois é, listamos até agora 38 filmes. Isso significa que, se não houvesse a enxurrada de filmes que teremos até o ano que vem, já teríamos aí uma bela lista de títulos para os festivais, isso só entre os mais conhecidos, como frisamos. A verdade é que o sonho do "cinéfilo total" é inatingível. E que, mesmo com os filmes exibidos aqui, não damos conta de vê-los todos. Então, para que pensar muito nisso, a não ser para polemizar? O fato é que o medo de cada um é que alguns dos seus favoritos pessoais tornem-se aqueles mitos de filmes nunca exibidos no Brasil. Eu, pelo menos, posso citar três que me assombram a alguns anos, assim como a muitos. E, se após já uns bons anos sem vê-los a vida continua, é sinal de que vai continuar também sem todos estes outros... Mas isso não impede o cinólatra de sonhar e desejar. Afinal, como disse uma vez o jornalista Arthur Dapiéve, tudo isso faz parte da paranóia de acreditar que a Verdade seria encontrada naquele um fotograma, um filme, não visto. No meu caso:

  • Keep Cool, de Zhang Yimou
  • Black Cat, White Cat, de Emir Kusturica
  • A Bacia de John Wayne, de João César Monteiro

A vida continua... E até 2001! Quem sabe não zeramos as ausências? (filosoficamente impossível...)

Eduardo Valente