O Prisioneiro

La Captive, Bélgica/França, 2000


Stanislas Merhas e Sylvie Testud em A Prisioneira de Chantal Akerman

Chantal Akerman é corajosa. Ela tinha um projeto, uma idéia, uma tese. E se dispôs a realizar um filme, baseada em Proust, e o fez sem qualquer concessão. No início é difícil situar-se seja temporalmente, seja nas relações entre os personagens, pois seja na montagem, seja na mis-en-scène, ela não fornece nunca respostas diretas, apenas pistas. O espectador menos desafiador pode até desistir da experiência, e aí está a primeira prova de coragem de Akerman. Jean Claude Carriére costumava contar que ele e Buñuel criaram um personagem imaginário (ou melhor, um casal) de classe média, absolutamente convencionais, e que quando achavam que estavam indo longe demais, se perguntavam: "O sr. e a sra. Fulano ainda estariam na sala?" Pois bem, primeiro ponto a favor de Akerman, ela conta que seu mistério intrigará mais do que aborrecerá.

E ela está certa, pois além de criar cenas absolutamente mágicas (das quais a do banho de banheira é antológica), ela vai devagar revelando seu tema: o homem. E o modo com que ela vai desvendando seu comportamento, suas preocupações é muito pouco lisonjeiro. Mas, impressionantemente verdadeiro. A reação inevitável do espectador masculino é pensar "Putz! Como foi que ela percebeu?? E agora ainda vai contar para todo mundo..." Dá vontade de torcer que o menor número possível de mulheres assistam ao filme e desvendem o blefe.

O fato é que, mesmo sendo a fonte um livro de Proust, a aplicação do assunto hoje é completa: nós vemos um homem paranóico, obsessivo, com um sentido de posse extremo, inseguro, que não acredita nem entende em nada relativo ao universo feminino. Para ele não há verdade nem mentira que o tranqüilizem, apenas o medo do desconhecido, que no caso está representado no sexo oposto. As mulheres do filme são quase entidades, musas, sereias. E o homem é o poder instaurado, mas completamente desestruturado, mesmo que internamente.

Filmado com muita, muita honestidade, emoção (as cenas de sexo são algumas das mais tesudas do cinema moderno, mesmo sem qualquer exibição explícita) e, por contraditório que pareça, frieza, é um filme rigoroso, de tese, como só os bons franceses sabem fazer. Começa com um objetivo e o persegue até o final. Neste sentido é quase um filme masculino. Mas, o alcance do seu olhar renega isso. Fica apenas a vontade (e a certeza) de que, em meio a toda nossa vulnerabilidade e confusão, é possível fazer um "contra-filme" sobre as mulheres, que nem são tematizadas e humanizadas aqui. Ou, pelo menos, tomara que dê...

Eduardo Valente