Ganham
todos.
Só Perde o Cinema, Esse Chato

Um festival de cinema, como
um filme, ou como tudo na vida, possui mil maneiras de ser abordado. Eu
ouvi muito neste ano, seja no Festival do Rio, seja na Mostra de SP, duas
opiniões completamente opostas: que eles tinham sido um sucesso,
e que eles tinham sido um fracasso. Em ambas as vozes, uma coisa me pareceu
clara: as opiniões esqueciam um detalhe, que é o principal
quando se determina o sucesso de uma empreitada: qual era o objetivo inicial.
Ele foi alcançado?
Primeiro, e talvez mais importante, então:
qual o objetivo dos organizadores dos festivais? Talvez, em algum tempo
distante, fosse oferecer uma oferta variada de filmes, ou uma oportunidade
única, ou uma informação privilegiada, ou divulgar
um tipo de produção, ou promover encontros. Não que
não se interessem mais de todo por estas áreas. O que acontece
hoje, claramente, porém, é que os festivais objetivam principalmente
duas coisas: primeiro, atrair o máximo da atenção
e retorno da mídia, de todas as mídias. Em segundo lugar,
como conseqüência, atrair o maior número absoluto de
público possível.
Por isso, me parece meio tolo que se julgue
os festivais mal sucedidos por não cumprirem com outros objetivos.
O que importa primeiramente é perguntar: eles cumpriram os seus
próprios objetivos? Quanto a isso não há a menor
dúvida, talvez com mais ênfase ainda no Rio, mas certamente
nos dois casos. O que há durante os festivais hoje é uma
verdadeira "blitzkrieg" de informação, um tamanho
excesso que leva quase paradoxalmente ao seu oposto: tanta informação
que não há informação alguma. Mas, funciona
claramente para atingir o objetivo maior: atrair público em números
impressionantes. Portanto, os festivais são sim bem sucedidos e
ponto.
Mas, é óbvio, cabe a nós,
tendo descoberto que para os organizadores eles são bem sucedidos,
continuar perguntando. O público, qual o seu objetivo? Bem, claramente
o que se viu é que primariamente são dois: não se
sentir "out", participar do evento que mobiliza a cidade; e
em segundo lugar consumir o máximo de filmes, e que haja oferta
em abundância deles. Portanto, mais uma vez a resposta deve ser:
são bem sucedidos. Talvez não com tanto louvor, pois há
tanta gente indo nos cinemas, que grande parte volta da porta sem ver
o filme desejado. Mas como a maioria não queria ver o filme mesmo,
mas sim estar na porta, na fila, no local, sim, são bem sucedidos
os festivais pelos olhos do público. Afinal, tem jujuba, tem muitos
filmes, tem programa, uma beleza!
Continuemos investigando: para a mídia,
os festivais são bem sucedidos? Quais os objetivos? Ter assunto
em profusão para criar pautas e matérias, vender jornais
e programas de TV. Não há dúvida: são bem
sucedidos. Na verdade, há tanto assunto que os meios de comunicação
não dão conta, mas aí não é problema
deles, mas dos organizadores, que aparentemente não se preocupam
com isso. Então, maravilha, achamos mais um segmento feliz com
os eventos.
Entramos então no quarto membro formador
do fenômeno dos festivais: os patrocinadores. Como os organizadores
informarão, se estes não acharem o festival bem sucedido,
todos os outros podem catar coquinho. Mas, afinal, se a mídia estava
lá, se o público compareceu, os patrocinadores estão
felizes! Tudo bem, as platéias se inquietaram um pouco com a repetição
excessiva das vinhetas comerciais, seja da BR no Rio, seja da UOL e Vento
em SP, e neste sentido elas acabam funcionando como superexposição
e anti-propaganda. Mas, descontado isso é tudo um sucesso. Pensemos
no caso da BR. Há quem diga que ela apareceu mais que o Festival.
Com sua jujuba, seus totens, seu nome em todos os lugares, seus postos,
teve gente que até soube que a BR estava fazendo alguma coisa,
mas não sabia bem o que era.
Então, a conclusão é
que não há como dizer que os festivais são mal sucedidos,
pois eles conseguem tirar tudo que desejam dos seus objetivos, seja pelo
olhar dos organizadores, do público, da mídia, do patrocinador.
Tá faltando alguém?? Vamos ver... Ah, sim, são festivais
de cinema! E o cinema, e os filmes, cumprem seus objetivos? Xiiii, danou-se!
Achamos o ponto nervoso que as luzes e gritaria e pipocas quase conseguiram
esconder: tem filmes passando!! E, pior, como são "filmes
de arte" eles têm essa mania de querer dizer alguma coisa...
Droga! Sempre tem alguém para atrapalhar...
O fato, o mais contraditório de tudo,
o paradoxo dos paradoxos é que os filmes, coitados, a razão
daquilo tudo (ou hoje em dia, a desculpa), bem na maioria das vezes os
filmes estão claramente em contraste com aquilo tudo que os cerca.
Será que é possível,
afinal, ver Rosetta sem parar para pensar com calma nele, sem criar
um debate, seja interno, seja com os amigos ou os diretores (que no caso,
não estavam aqui)? Será que faz qualquer sentido que Rosetta
vire uma desculpa para jujuba? Será que vale a pena ver um
filme de John Waters e voar para a próxima sessão? E Yi
Yi? Branca de Neve, Palavra e Utopia, Liberdade, Código
Desconhecido, Cradle Will Rock, A Prisioneira?? No Quarto da Vanda, meu
Deus!! E Volaverunt, Carisma, Sonhos de Domingo, Crazy English, Canções
do Segundo Andar?
É isso, este é o grande paradoxo
dos festivais hoje: quem sai perdendo são os filmes!! Não,
mais do que isso, são os diretores. Pois os filmes, na visão
de seus distribuidores podem até ganhar. Mas os diretores, que
como concubinas deste negócio não podem jamais se recusar
a participar, certamente quando planejavam o filme, ralavam na produção,
levavam meses na pós-produção, acreditavam que cada
som editado, cada enquadramento planejado, cada idéia alcançada,
seriam recebidas como únicas. Nunca pensaram naquela sanha alucinada
subindo e descendo a Augusta mais preocupada com a hora do lanche entre
as sessões do que com o quê o último plano daquele
filme queria passar. Naquela multidão que se bate nas bilheterias
do Estação Botafogo querendo ver qualquer filme que ainda
tenha ingresso, qual não importa. Alguém duvida? Exemplo
claro: repescagem do Festival do Rio BR. Os mesmos filmes que lotavam
os cinemas, e alguns que nem passaram antes. Só não tinha
mídia, o "hype". Vazio.
Em São Paulo ainda se investe em alguns
debates ao longo da Mostra, mas no Rio, por exemplo, tirando o fato de
tirar fotos e sair nos jornais, qual a verdadeira utilidade de se trazer
um John Waters, um Gillo Pontecorvo, um Terence Davies ao país?
Suas passagens podiam ser riquíssimas em discussões, aprendizados,
trocas. Mas não, nem aprendemos nada com eles, nem eles conosco.
É apenas mais uma parada no tour da venda de jornais e de ingressos.
Qual a utilidade de agrupar o filme em mostras se não há
qualquer reflexão em torno das questões que elas apresentam,
qualquer tempo para se discutir o que eles significam? Qual o motivo,
afinal, de se fazer filmes "de arte" se não vamos gastar
um segundo que seja pensando sobre eles.
É triste, mas hoje, os festivais são
isso: os organizadores conseguem seus objetivos, a mídia consegue,
os patrocinadores conseguem, o público consegue. Só quem
não consegue são os filmes, os diretores. Que viraram um
simples detalhe, um pretexto para vender jujuba. O surreal nisso tudo
é que quando o circuito de arte começou ele se achava diferente
do circuitão. Os festivais demonstram que a diferença acabou.
Os públicos são diferentes, mas a palavra para defini-los
deve ser a mesma: consumidores.
O fato é que os festivais migraram
de tal forma para a seara dos grandes orçamentos, do gigantismo,
do excesso, da mídia intensa, dos números absolutos, que
perderam as condições de servirem a qualquer coisa que não
seja aos seus próprios objetivos quantitativos: mais filmes, mais
convidados, mais mídia, mais público. Se olharmos bem, toda
a campanha deles é baseada nesta informação: MAIS.
Em nenhum momento se pergunta porque mais? Ou qual tipo de mais? Ou como
mais? Só importa uma coisa: MAIS. MAIOR.
Foi aí que os festivais, por incrível
que pareça, perderam alguma coisa, do tempo em que eram realizados
em MENOS salas, com MENOS filmes, com MENOS público. Eles perderam
seu diferencial do resto todo que os cerca. Hoje, eles são apenas
uma grande feira, onde se vende "alta cultura". Pois nenhum
meio de comunicação consegue dar conta de informar e FORMAR
de fato nada a partir de tamanho gigantismo.
E a verdade é a seguinte: só
quem perde com isso tudo são os filmes. É, portanto, o CINEMA,
que é o coletivo dos filmes. Pois é, acabamos de descobrir:
SÓ QUEM PERDE COM OS FESTIVAIS É O CINEMA. Mas, de resto,
tá tudo OK. O jeito é não contar isso para ninguém
e ver se conseguimos continuar aperfeiçoando os festivais até
o dia em que possamos abrir mão dos filmes, que afinal de contas
são os que estão atrapalhando a orgia que une organizadores,
público, mídia e patrocinadores. É isso, achei a
solução: UM FESTIVAL SEM FILMES! Não espalha não,
porque essa idéia vai me fazer milionário...
Eduardo Valente
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