O Sonho de Rose – 10 Anos Depois,
de Tetê Moraes


O Sonho de Rose – 10 Anos Depois, Brasil, 2000

É difícil se julgar friamente um projeto como O Sonho de Rose simplesmente pela importância do seu tema, pela necessidade das revelações que faz, pela urgência de sua exibição e chegada ao público. Afinal, o filme é simplesmente o fruto de uma coincidência mágica que fez com que a cineasta Tetê Moares estivesse por duas vezes frente a dramáticos acontecimentos que equivalem a verdadeiras aulas de História do Brasil contemporâneo. Primeiro, há dez anos, quando realizou Terra para Rose, ela registrou o nascimento do Movimento dos Sem Terra, e uma de suas primeiras grandes ocupações e confrontos com o Governo. Não bastasse isso, a líder que havia escolhido como símbolo do seu documentário, acabou morrendo durante a realização deste, emprestando inesperada urgência e dramaticidade ao documento.

Agora, neste novo filme, a importância do trabalho de Tetê Moraes é uma, acima de todas: mostrar um exemplo de sucesso com o funcionamento dos assentamentos conquistados pela luta do MST de então. Ou seja, no momento onde o argumento mais comum contra o MST é não apenas o de baderneiros, mas o de que não adianta dar a terra a eles que não saberão o que fazer com ela, é vital se ver este filme para ver como todo o processo de reforma agrária no Brasil poderia ser mais simples, mais humano, mais positivo. É um exemplo absolutamente incontestável de solução de problemas ancestrais.

Com todas estas características, é fácil entender a comoção que o filme causa, as inevitáveis lágrimas e palmas de pé dos que acreditam um pouquinho ainda neste país. Mas, o que não se pode negar são os defeitos em que o filme cai, como linguagem documental. Em primeiro lugar, o filme não parece acreditar no poder do que documenta por si só de emocionar, informar, levar a tomada de posições. Utiliza-se de uma exagerada e piegas trilha sonora e de narração em off que acabam não o diferenciando muito dos artifícios de "ficcionalização" da realidade de um fantástico ou de um Jornal Nacional. Tomar posição ou direcionar o espectador são mais do que desejáveis, mas não precisa ser feito pelos métodos menos sutis e mais antigos de identificação. Com isso o filme ganha em momentos um tom paternalista pouco desejável, algo do tipo "veja como eles são bonzinhos e trabalham direitinho" que não condiz com a força e a maturidade dos depoimentos dos agricultores. Quando só informa, o filme é bem mais efetivo do que quando tenta "se posicionar". Da mesma forma, a presença em cena da diretora Tetê Moraes parece, ao contrário da presença paradoxalmente fria e envolvida de um Eduardo Coutinho, igualmente exagerada e distante. Parece haver uma excessiva dose de egocentrismo do tipo "olha como eu sou boa e amiga do povo..." O que se confirmou um pouco na recepção do prêmio que o filme ganhou no Festival do Rio BR, onde o último e quase esquecido a ser agradecido foi o povo do assentamento, que afinal É o filme.

O mais incrível é que com todos estes defeitos que o filme apresenta e que chegam a incomodar, e muito, ainda assim a excelência de seu tema, e acima de tudo, de seus protagonistas, supera a tudo e consegue emocionar, mesmo sem musiquinha indicando a hora exata. O filme consegue ser um jato de água na cara das certezas, e que faz parecer tão simples e tão óbvio o que as pessoas tentam complicar tanto. Que, na briga dos poderosos com os que nada têm, estes terão sempre razão, e que dada uma oportunidade, eles mostrarão seu valor. É bom lembrar disso de vez em quando.

Eduardo Valente