Sexo e Poder – Histórias de Alcova,
de Christine Richey


Tops And Bottoms, Canadá, 1999

Fora de qualquer avaliação crítica, a exibição de Sexo e Poder teve em si um sentimento especial de autêntico garimpo underground em festival de cinema. Afinal, um filme documentário-experimental canadense em 16mm sobre sadomasoquismo, exibido às 23:30hs, é um acontecimento raro. E que bom que o Festival do Rio ainda nos dê oportunidades como esta.

O filme em si é um quebra cabeças altamente ousado e pretensioso. E isso são verdadeiros elogios! Falta ousadia e pretensão no cinema de hoje. Só buscando muito pode-se atingir algo, e é isso que consegue a diretora. Ao se interessar pelo tema do sadomasoquismo, Richey conseguiu montar um produto ao mesmo tempo altamente experimental na forma, e popular no conteúdo. O filme é um ensaio sobre a necessidade humana (ou não) de se humilhar ou humilhar os outros, e de exercer o poder.

Os exemplos usados para ilustrar o filme (como os esperados Marquês de Sade e Masoch) não param na obviedade destes modelos. Incluem ainda análises bastante originais sobre a sociedade nazista, o capitalismo, a Peste Negra, trabalhando sob a idéia de que os homens arranjam formas diferentes de lidar com sua condição material, e com o medo de ser deixado de lado. Há um profundo temor da liberdade total. Daí a segurança de ter um "mestre" e uma "escrava". Para ilustrar isso, ao longo da narrativa acompanhamos um casal que recruta uma nova "escrava".

Ao final, a impressão que fica é dúbia. Ao mesmo tempo em que seu discurso é o da normalidade do fetiche e do comportamento sadomasoquista, o tratamento dedicado a eles parece ter uma distância meio assustada, e ao mesmo tempo cheia de julgamentos de valores, aos quais o filme pareceria se opor. Fica uma compilação curiosa de depoimentos, sob o comando de uma voz claramente forte e plena de "opinião", sem com isso perder seus aspectos poéticos e ensaísticos. Um bem vindo sopro de pensamento e alguma reflexão sobre um assunto que só não interessa aos que não tiverem um corpo físico funcionante e qualquer relação com o que seja material.

Eduardo Valente