Queridinhos
do Papai
ou "de como não é tão difícil
selecionar filmes para ver num festival"


Apaixonadas
de Tonino de Bernardi, presente à Mostra de São Paulo em
1999
Um dos mais interessantes
desdobramentos da "cultura do festival", que um evento do porte
de um Festival do Rio (ou de uma Mostra Rio, ou Rio Cine, ou Mostra de
São Paulo) traz é a escolha de certos nomes como "queridinhos"
pessoais, do público também, mas principalmente da organização
dos eventos. Ressalte-se que este não é um fenômeno
nacional, pois as listas anuais dos festivais de Cannes, Veneza, Berlin,
Locarno, Rotterdam, revela a cada ano uma obsessiva repetição
de certos nomes. Um bom exemplo é o lançamento anual na
Europa do novo filme de Woody Allen em Veneza. Dificilmente também
se verá um festival de Cannes sem um dos seguintes nomes concorrendo:
Lars Von Trier, Joel Coen, Atom Egoyan, David Lynch ou Ken Loach. Não
há nada de errado com isso, em primeira instância, pois geralmente
revela um olhar pessoal de curadoria por parte dos organizadores, o que
é muito mais desejável que um falso distanciamento objetivo.
No Brasil é fato consumado
o papel importante da Mostra de São Paulo na entrada dos filmes
iranianos ou chineses do Brasil, assim como a aposta antiga de Leon Cakoff
em diretores como Mohsen Makhmalbaf, Takeshi Kitano, Jos Stelling, Zhang
Yimou ou Hou Hsiao-hsien, nomes que ganharam notoriedade posteriormente,
mas cuja carreira a Mostra de São Paulo exibiu quase completa,
desde o início. Esta aliás é uma característica
desta mostra: acompanhar carreiras quase obsessivamente. Nada impede que
amanhã seja a vez dos nomes de Tonino de Bernardi, Sharunas Bartas,
Marion Hansel, Michael Glawoggler, Pablo Cesar ou Tsukamoto Shinya, cujos
filmes são exibidos quase todo ano, serem a bola da vez. Neste
sentido, é fato que Cakoff sempre investiu na sua mostra como um
local de descoberta e aposta em talentos.
A Mostra Banco Nacional (depois,
Mostra Rio), embrião do Festival do Rio, pelo menos na sua parte
internacional, também tem seus "queridinhos". No entanto,
deve-se destacar uma característica de origem das mostras que já
as diferencia desde o início. No caso da Mostra de São Paulo,
o organizador (Leon Cakoff) trabalhou durante muito tempo somente com
o próprio evento. Só recentemente começou a distribuir
e exibir filmes. Daí que sua mostra era, em si mesmo, seu objetivo.
Por ser organizada pelo Grupo Estação, antes de tudo o principal
grupo exibidor de filmes fora do circuitão no país, a Mostra
carioca teve durante muito tempo o papel principal de ser palco da apresentação
à mídia e ao público do cardápio de filmes
que o Estação (como distribuidor e/ou exibidor) lançaria
no seu circuito ao longo do ano seguinte. Não perceber a sensível,
mas enorme diferença que isso causa na concepção
das mostras é conhecer pouco do mercado de cinema. Afinal, exibir
um filme numa mostra é uma coisa: são de 3 a 6 exibições
de cada filme em média, onde toda a imprensa está voltada
para o evento. Neste contexto um filme brilhar não é tão
difícil. Já lançar um filme com 4 ou 5 sessões
diárias, no meio do circuito, com os gastos de publicidade e cópias
de cada filme, requer muito mais planejamento e riscos. Daí que
a Mostra Banco Nacional, apesar de revelar muitos nomes, sempre teve uma
cara de confirmação de grandes nomes. Era onde poderíamos
ver os novos filmes dos grandes nomes do cinema de repertório,
enquanto em São Paulo víamos as estranhezas.
Eduardo Valente.
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