Polyester – Um filme bem intencionado


John Waters é o grande mestre de cerimônias em Polyester

Ver Polyester no Festival do Rio foi uma experiência única. Não porque o filme não vai passar em uma sessão normal, mas porque, naquele momento, ele mobilizou uma platéia motivada a aceitá-lo. Todos no cinema estavam dispostos a entrar no jogo proposto. A cartela com os odores, distribuída na entrada, foi usada com prontidão assim que a indicação aparecia na tela. O movimento de massa, feito pelo público, ao raspar e cheirar o aparato chamou tanta atenção quanto a tela com as imagens coloridas de Polyester. Ficou provado que o filme mandou na audiência, obrigando-a a reagir da maneira estipulada pelas imagens. Uma vitória para o cinema.

É muito fácil, quase óbvio, ver em Polyester inúmeros defeitos, técnicos ou estéticos. Assim como também é possível elogiá-lo imensamente por tantos outros motivos. É o filme que exige imparcialidade porque qualquer tomada de posição, nesse caso, não dará conta de entender sua complexidade. A despeito da sua idade, o uso intenso dos clichês, que são os blocos fundamentais dessa obra, não determina uma renovação cinematográfica. Um pastiche da América, visto como tal, continua sendo América. Portanto, o exagero Kitsch que é Polyester não representa toda a sua intenção provocativa. Não é este traço que esse cinema tem a oferecer como o atrativo para público nenhum.

É claro, a escolha de uma temática cafona, com personagens cafonas e um visual mais do que cafona não foi feita por acaso. Waters parece um estudioso desse fenômeno americano da massificação e desestetização do mundo. O resultado em Polyester é impecável, sendo uma denúncia à falta de gosto ou sensibilidade artística que vem tomando conta do ocidente e destruindo qualquer ideologia. Nesse ponto, o kitsch, representando o consumo inconsequente, é o fator que melhor retrata esse acontecimento.

O maior projeto do filme é fazer desse método de exposição kitsch um eficiente lugar para experimentação. Essa experimentação ocorre tão vinculada com o conjunto da obra que faz parte da diegese.

O odorama, a tal cartela com odores que dá ao filme o posto de primeiro com cheiro, não é uma mera "novidade técnica" que aparece gratuitamente para encaminhar o cinema para novas possibilidades de linguagem. A experimentação que o odorama se dispõe a fazer se dá dentro do próprio filme e não se aproveitando dele. Waters pensou em Polyester e usou o odorama. Seria muito diferente se tivesse imaginado o odorama e criado um filme qualquer para mostrar ao mundo a maravilhosa inovação.

O uso pouco inventivo desse recurso de odor dentro do filme deixa claro que não se trata de um experimentalismo de linguagem. Antes, parece uma adequação desse mesmo recurso a uma forma já estabelecida de significação no cinema. Polyester não tem cheiro, é apenas aromatizado, do mesmo modo que os primeiros filmes falados ainda eram mudos, porém sonorizados. No caso dos cheiros, eles não deram origem a uma nova linguagem. Polyester os usa como curiosidade tão kitsch quanto os seus cenários.

A grandeza desse acontecimento cinematográfico se deu então pela elaboração de uma quintessência da cafonice nas telas. É o exagero do exagero. Esse filme de Jonh Waters se assume como o cúmulo do que ele é e por isso que é interessante.

Bem intencionado com o cinema Polyester é. Carrega em si essa possibilidade de inovação sem ser pretensioso e querer determinar novos caminhos de estruturação da linguagem. E o público, perplexo quando se viu obrigado a obedecer, deve ter amado essa vivência cinematográfica intensa.

João Mors Cabral.