Pele
de Homem, Coração de Besta,
de Helène Angel
Peau
d'Homme, Cur de Bête,
França, 1999
O principal trunfo
com que joga o filme é o caráter enigmático que empresta aos personagens,
onde não se sabe exatamente o que eles carregam no seu passado. Com isso,
a diretora Angel consegue manter o interesse por toda a duração, mantendo
um equilíbrio sempre muito difícil, onde a falta de informações sobre
os personagens resulta em suspense e não em desinteresse e frieza. Ponto
para ela, que tem ainda o mérito de trabalhar sempre num tom de realismo
atenuado pelas tintas fortes de seus personagens temperamentais e dados
ao extremo. As crianças servem ainda como contraponto à secura dos adultos
e sua estranheza.
Desde o início
fica clara a intenção da diretora de manter um certo mistério, o que se
adequa perfeitamente ao seu filme, visto que mistério é algo que seus
personagens todos parecem ter. Especialmente Coco, o irmão que reaparece
na casa após 15 anos, e que de fato é o catalisador da narrativa. Além
dele, há Frankie, expulso da polícia pelo temperamento forte, o jovem
Alex, a mãe deles, e as duas filhas de Frankie, de 5 e 13 anos. Em torno
da casa, uma típica cidade pequena francesa, onde todos parecem se conhecer.
Como os personagens
ficam envoltos em mistérios, é difícil saber o rumo que o filme toma,
mas não pode se ver seu desenrolar violento como uma surpresa, dado o
caráter dos personagens. O tempo todo, porém, a violência é contrabalançada
com a inocência de Aurélie (de 5 anos) e a petulância da irmã mais
velha. E se por um lado o filme acaba caindo num certo clichê do desequilibrado
mental por traumas do passado, por outro é muito honesto no tratamento
das relações dentro da família, onde há o medo, mas também o amor. Especialmente
bem sucedida é a opção por tornar o filme uma reflexão sobre a mistura
entre sonho e memória, passado e fantasia, onde as fronteiras são tênues.
O filme consegue,
portanto, manter seu interesse humano até o final, que apresenta uma cena
das mais bonitas, com as crianças tentando exorcizar de si mesmas todo
o sofrimento daquela família, tentando garantir que as próximas gerações
não caiam vítimas seja de uma herança genética, seja de mais um trauma
violento.
Eduardo Valente
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