O Fantasma,
de João Pedro Rodrigues


O Fantasma
, Portugal, 2000

Como que para confirmar o radicalismo constante na recente produção portuguesa, nos chega este trabalho instigante e estranhíssimo do jovem diretor João Pedro Rodrigues. O Fantasma segue um jovem que trabalha para a companhia de limpeza urbana, e que possui uma relação bastante obsessiva com sexo e com sensações físicas no geral.

Rodrigues trabalha num registro naturalista, o que talvez represente sua principal força pois toda estranheza possível exala do seu personagem. O filme é quase todo sem diálogos, e os poucos que possui não têm nenhuma importância. Isso porque o filme na verdade é um ensaio sobre a natureza animal do ser humano. Sérgio, o personagem, vive em constante estado de desejo, seja em relação com homens (mais comumente), com mulheres, com objetos, consigo mesmo. Ele não parece ter (nem desejar conseguir) qualquer controle sobre seus sentidos. Nos primeiros planos do filme, ele se comporta como um cachorro, e embora um pouco óbvia, esta imagem é muito adequada.

Na verdade, o filme parece desafiar a platéia o tempo todo. Quem na relação com seu corpo, parece o filme dizer, já não reprimiu algum destes impulsos que Sérgio não reprime? Quem já não sentiu um inexplicável prazer tátil ao manusear algum objeto? A platéia, inclusive, reage com risadas nervosas no início, mas na metade do filme já acompanha em silêncio (quiçá numa envergonhada excitação liberada) ao fluxo incontrolável de Sérgio, que não parece se preocupar com mais nada no mundo do que a satisfação dos seus impulsos. O filme tem sido burramente vendido como "gay", só porque há uma cena explícita de sexo oral num banheiro. Porém, seria como dizer que o filme é para quem ama azulejos, pois há uma cena tão forte quanto esta, na qual ele lambe os azulejos do banheiro. Só muita ignorância e incompreensão explicam esta limitada classificação.

No final do filme, como parece inevitável por questão de coerência, Sérgio parece perder todo contato com racionalidade, e parte numa viagem por lugares bizarros, vestido numa roupa de borracha, após sequestrar um objeto de seu desejo. Embora absolutamente coerente, e permitindo ao filme fechar sem concessões sua linha de raciocínio, estas cenas têm um efeito negativo sobre a platéia, pois são tão fortes e radicais em comportamento, que o público se sente protegido de novo. Ou seja, a tela deixa de ser espelho e volta a ser janela. Ufa, eles já podem parar de se ver refletidos naquele homem, afinal ele é um verdadeiro maníaco. "Pensei que o filme era sobre mim, mas que engano..." Com isso, inesperadamente, embora de um humanismo pungente, o filme acaba incitando mais o preconceito do que a compreensão. Um efeito que talvez esteja além do que se possa pedir de um diretor, mas que sem dúvida deve ser destacado num filme, por qualquer outra ótica, admirável.

Eduardo Valente