Inquietude
Acerca da Mostra de vídeo Geração Futura

Na sala do cinema,
quando tomado pelo filme, o pequeno espectador se vê, de repente,
projetado ali, imenso, na tela iluminada. Outras dezenas de olhos o observam
enquanto descobrem na imagem daquele pequeno diretor/ator/roteirista/produtor,
sua vida mais cotidiana, seus espaços mais íntimos, e a
criação de seus filmes... A Mostra de Vídeos Geração
Futura (apresentada em sessões pela manhã, dentro da programação
da Mostra Geração Futura) tem, com certeza, o maior diferencial
dentre todas as Mostras deste Festival 2000: ali, com extrema espontaneidade
o momento da projeção não se transforma em mero espetáculo,
mas em espelho reflexivo de seu próprio processo de produção.
A imagem que assistimos (mesmo realizada em condições precárias
e com certa ingenuidade) salta da tela pois não está ali
apenas para ser admirada, mas para expressar um sentido extensivo daquelas
vidas. Imagens que são uma vivência contínua, não
acontecimentos congelados no espaço-tempo narrativo: Trata-se do
trabalho de Oficinas de Vídeo (voltadas para crianças e
jovens) que se espalham por diversos cantos do Rio de Janeiro e do país
devido às facilidades que a tecnologia do vídeo vem oferecendo
para as produções de baixa renda.
Dentre todo o cinema
politicamente engajado que vimos neste Festival (e olha que este ano o
prato estava cheio) nenhuma proposta se aproxima da originalidade do sentido
criativo encontrados nos vídeos desses meninos e meninas. Com suas
câmeras na mão, recursos escassos, adolescentes e crianças
começam a se expressar e a lidar com o audiovisual com a naturalidade
com que se alfabetizam... Deixam de estar na massa de analfabetos visuais
imersos no embrutecimento e na anestesia ante a imagem (que fazem o olhar
precisar do máximo de explosões e frenesi, para sentir o
mínimo...).
As oficinas de vídeo
não tem na máxima de suas intenções, gerar
profissionais, gerar técnicos – tais oficinas buscam redimensionar
o papel de mero receptor de informação, para a ação
expressiva das imagens: Fundindo o papel de receptor e emissor, tais oficinas
rompem a fria aura da imagem enquanto objetividade, enquanto verdade,
e a coloca no construir das criações simbólicas humanas.
Somente desvinculando as propriedades ditas contidas no objeto e no sujeito
– podería-se repensar as relações de poder que se
cristalizaram através da história. Entender o objeto enquanto
construção do sujeito e o sujeito enquanto reconstrução
do objeto – é isso que essas oficinas fazem, através da
ingenuidade ferramental de vídeos educativos e/ou panfletários
esses meninos aprendem não a estar do lado de trás da câmera,
mas a viver os dois lados como uma só realidade contínua.
Se, de fato, os resultados
finais ainda não primam pelo acabamento e unidade, têm seu
valor no que se refere ao modo de se lançar à criação,
na gênese da imagem. É uma pena que essas oficinas ainda
sejam mantidas reclusas em escolas, ONGs e comunidades – já era
hora de alguém levar essa idéia a sério e pensar
a política no cinema (e, no Brasil, a política esteve ligada
a grande parte da inventividade de nosso Cinema) não apenas no
conteúdo, no discurso, mas em seu processo concreto de realização.
Trazer o público para o Cinema Nacional, não para lhe dar
lições ou lhe fazer esquecer da vida com diversão
fácil, mas para lhe colocar dentro do Cinema, de sua fonte criativa...
Não há ser-humano que se contente em ser transformado em
objeto de crítica e reflexão – é preciso não
haver autoritarismo, é preciso deixar a sapiência de lado
se a proposta é fazer política através das imagens...
A Elite pensante do Cinema no Brasil deveria, pelos menos, procurar saber
o que é pensado nesses espaços em que o processo, muito
mais do que os resultados, é o motor da criação audiovisual.
Em que a política está presente a cada instante...
Pois não haverá
maior foco político para uma sociedade idólatra das imagens,
do que a produção das mesmas. É a partir do pensamento
desconstrutivo-criativo das imagens (leia-se, do Humano) que a ideologia
da indiferença e do individualismo poderá ser tomada pelos
calcanhares e ter seus pré-conceitos revertidos no que a imagem
do vídeo e do cinema tem de mais constante: a transmutação
contínua.
Com a melancolia ideológica
que assola a criação nessa tão aclamada pós-modernidade,
alguma inquietude (daqueles que descobrem a criação audiovisual
enquanto aprendem a dividir e a multiplicar) pode ser essencial para que
a imagem em movimento não vá, agora, se entregar ao reino
perigoso do marasmo ideológico.
Felipe Bragança
Os contatos com as
oficinas pode ser conseguido através do e-mail lind@uninet.com.br.
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