Fuckland,
de José Luiz Marquez
Fuckland, Argentina,
2000
Se pensarmos que Fuckland
joga o tempo todo com o espectador baseado em uma proposição
("Isso que vemos aconteceu de fato, ou não?"), não
se pode dizer jamais que é um filme mal sucedido, pois consegue
incomodar, causar raiva, curiosidade, risos. Acima de tudo, consegue manter
a dúvida quase até o fim, quando cuidadosamente se revela
num plano muito estudado. O fato, porém, é que Fuckland
também é bem sucedido em outras áreas.
A primeira delas, diz respeito
ao subtexto político do filme. Ao contar a história de um
argentino visitando as Ilhas Faulkland (de posse inglesa), com um propósito
que só se revelará bem no final, o diretor consegue trazer
informações da relação entre metrópole
e periferia que se estabelece num território ocupado como as ilhas.
Consegue, de fato, chamar a atenção de quem assiste para
a situação atual de uma terra de outra forma completamente
desconhecida, o que sob certo aspecto já lhe empresta alguma validade.
Mas, talvez, seu grande trunfo
seja mesmo o aprofundamento da questão que parece ser central nesta
novidade tecnológica que são os filmes em vídeo kinescopados:
o estatuto ainda intocado de verdade e realismo da imagem digital. O fato
é que, ao relacionar a película cinematográfica durante
décadas ao glamour do cinema, e ao nos acostumarmos com
a TV e sua linguagem ágil e urgente em vídeo, emprestamos
a imagem de vídeo de hoje o mesmo estatuto dos primórdios
da imagem em movimento no cinema: é tudo verdade. Se foi filmado
por esta câmera, é porque aconteceu. E o diretor explora
brilhantemente esta idéia durante boa parte do filme, onde o público
chega a se irritar com a autenticidade do discurso do personagem principal.
E o tempo inteiro fica a pergunta no ar: este cara não filmou escondido
isso tudo... OU filmou:??
(Não leia daqui para
a frente se não quiser saber o final do filme) O fato é
que era bastante óbvio o caráter ficcional do material,
para quem quisesse ver. As indicações estavam em muitos
lugares. O menor deles talvez seja a excepcional atuação
da atriz principal, cujo realismo nos engana o tempo todo. No entanto,
não se pode negar o talento em nos manter em cheque até
o final. O que fica ao fim do filme, porém, é uma pergunta:
até quando a imagem em vídeo vai se sustentar com esta novidade
apenas? Parece a chegada do som ou das cores no cinema: primeiro um uso
indiscriminado e muito parecido, até encontrar o equilíbrio
de função. Fuckland neste sentido pode até
ser considerado um passo à frente, pois de fato consegue expor
mais do que apenas uma tecnologia. Mas seu impacto é ainda limitado
pela novidade e pelas fronteiras do digital.
Eduardo Valente
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