Brevíssima História dos Festivais
ou "alternativas aos alternativos"


A cada ano é produzida no mundo tal quantidade de filmes de longa metragem que é completamente impossível que uma mesma cidade (nem mesmo Paris com seus 300 títulos em exibição toda semana) exiba uma porcentagem realmente significativa destes trabalhos. Até 24 anos atrás, o Brasil era terra de ninguém no que se produzia de verdadeiramente alternativo no mundo. Foi então que Leon Cakoff, com a Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, começou a burilar um sistema de grande funcionalidade no exterior, que servia ao interesse de muitos: o dos festivais de cinema. Servem aos espectadores, pois têm acesso a filmes que antes não chegavam a eles. Aos produtores, pois encontram uma oportunidade de exibir seus trabalhos, e algumas vezes até vendê-los para distribuição. Do próprio organizador do evento, que ganha notoriedade nacional e internacional a partir da iniciativa, e torna-se figura central no cenário cinematográfico. Já havia então no Brasil outros festivais, é fato, como os de Brasília ou Gramado, mas principalmente voltados para a produção nacional. É com Cakoff que começa a tradição de fazer esta verdadeira "polaroid" do momento mundial do cinema (bem verdade que no longínquo ano de 1977 o tamanho da Mostra não chegava aos pés do que é hoje, o que só atesta o sucesso da iniciativa e da aposta neste viés).

A partir daí, o "vírus" dos festivais assolou o país. No caso do Rio, em especial, o FestRio ajudou a criar esta sede cinéfila, na década de 80. Década esta que trouxe ainda o Cineclube Estação Botafogo, embrião de uma verdadeira reinvenção da área do "cinema de repertório" (expressão que me parece menos pernóstica que a pouco adequada "cinema de arte"). Surgiram também o Rio Cine e, quase paralelamente, organizada pelo Estação, a Mostra Banco Nacional de Cinema. A segunda, por acompanhar o crescimento do próprio Grupo Estação, aumenta muito de tamanho e ambições ano a ano (até virar a Mostra Rio), enquanto o Rio Cine Festival continua um caminho paralelo de aposta em linguagens como a TV e o vídeo, através de seminários e encontros (embora mantivesse sua mostra de longas em cinema). Em 1999, uma série de circunstâncias levou ao inevitável: a junção dos dois num único evento, o Festival do Rio. Festival este que buscou juntar a programação extensa com caráter de retrato da produção mundial da Mostra Rio com a preocupação com os seminários, encontros, debates, e negócios que era a marca do Rio Cine.

Esta junção significou ganhos e perdas, como não poderia deixar de ser. Como estamos apenas começando a segunda edição, ainda não é claro (como será a longo prazo) o quanto os ganhos e perdas se cristalizarão. O que é fato é que o Rio tem hoje o maior festival de cinema da América Latina, que, em termos de mídia, passou a concentrar a atenção sobre um só momento, ao invés de pulverizá-la em dois eventos. Também é verdade que os diferentes contatos e linhas que cada festival seguia ganharam muito com a ponte com o outro lado, pois afinal tratavam-se de caminhos complementares. Hoje o Festival do Rio une cinefilia explícita com a compreensão do "negócio cinema" mesmo no circuito de arte, tolamente considerado "menos comercial".

Por outro lado, o Festival de 99 sofreu com um certo gigantismo exagerado, pois com 30 salas espalhadas pela cidade, nem a mídia nem o público deram conta de acompanhar tudo que acontecia. De fato, eventos como os debates, as mostras de curtas e vídeos, os filmes mais verdadeiramente alternativos e raros, acabaram sufocados no meio dos números. Isso foi complementado por um público pouco afeito ao garimpo, que preferiu apostar nos mesmos nomes de sempre. O que provoca um efeito um pouco inverso ao que estava no âmago do tal "circuito de arte", que ao se institucionalizar acabou criando seu próprio panteão de estrelas, num "star system" paralelo, que acaba por repetir os mesmos nomes e criar um circuito "alternativo ao alternativo". Neste se incluem desde vídeos e curtas até longas de procedência menos conhecida ou sem os ingredientes fáceis de se tornar "cult".

O Festival do Rio BR 2000 apresenta então o desafio de solucionar os problemas e intensificar os sucessos da edição anterior. Como dissemos, o quanto isso será alcançado só o futuro pode provar. O fato é que os festivais de cinema mudaram muito em 25 anos, o que é óbvio, pois mudou o mundo, mudou o público. Não é o caso de julgar se para melhor ou pior, pois isso implica em julgamentos de valores altamente questionáveis. O que importa é perceber a mudança e suas causas. E trabalhar com elas.

Eduardo Valente.