O
Atirador do Regimento Vorochilov,
de Stanislav Govoruchin
Vorosilovskij
Strelok, Rússia,
1999
Este é um daqueles
filmes que não se pode deixar de analisar por duas vertentes que, embora
andem juntas, possuem registros bem diferentes. A primeira é a obra de
arte em si, sua construção narrativa e estética. A outra é a mensagem,
a ideologia, o retrato histórico propostos. Se na primeira análise não
se pode dizer que o filme consiga impressionar, é riquíssimo e mais do
que necessário se olhar para o segundo ponto.
Ao contar a história
de um aposentado do exército que tem a neta estuprada por três jovens,
e parte para buscar justiça, o diretor consegue traçar dois retratos importantes:
um, específico, da Rússia atual, pelas situações, ambientes e personagens
mostrados. Outro, geral, do mundo hoje, pelas soluções propostas e principalmente
sua recepção no público.
Quanto à Rússia o
país mostrado é um onde o capitalismo criou um novo tipo de riqueza, a
monetária, com o aumento do número de bancos e com uma nova classe rica.
Por outro lado, as antigas instituições ruíram (e o soldado aposentado
pode ser considerado um símbolo disso), e com elas toda uma carga de significações
sociais e econômicas que identificavam o país. Traça-se ainda um painel
de um país onde a lei e a justiça não funcionam, entregues à corrupção
e à burocracia. Esta última frase certamente não se aplica só a Rússia,
e é aí que se pode encontrar o principal ponto de interesse do filme.
Como resultado desta ausência de justiça, o personagem toma para si o
papel de executor, com o total aval do diretor, e como se pôde ver pelo
menos na exibição presenciada (no MASP), do público brasileiro. Ou seja,
mais do que nunca a figura do justiceiro surge com força total para suprir
a ausência do Estado e a sensação de insegurança e injustiça reinantes.
É neste sentido, mais
do que em todos, que se deve prestar atenção aos sinais que o filme aponta,
absolutamente contemporâneos e importantes. O formato escolhido, de um
realismo misturado com os clichês e truques da linguagem melodramática,
prepara o público para o engajamento automático aos ideiais do personagem.
Não parece o caso de se criticar o diretor pelo seu posicionamento, que
é pelo menos bem defendido. O principal é estar atento a tudo que sinaliza
a realização deste filme e sua identificação catártica com o público.
Muito mais interessante do que "caçá-lo" como causa de algo é entendê-lo
como efeito de que processo. Um filme, portanto, necessário.
Eduardo Valente
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