A Maja Desnuda,
de Bigas Luna


Volaverunt, Espanha, 1999

Esse novo filme do espanhol Bigas Luna me confundiu um pouco. Não pelo filme em si, que é muito bom, e parece até meio acadêmico, à primeira vista. Aliás, é justamente por isso, como é que eu poderia imaginar que um filme do Bigas Luna seria tão comportado? Conheço alguns outros filmes do cidadão, que tem fama de transgressor e criativo pelos festivais afora, e não esperava ver um filme desses. Mas, enfim, acabei gostando pra chuchu.

Na verdade, talvez não seja tão surpreendente assim. Afinal, Luna sempre se mostrou interessado pelo folhetim, sempre gostou de histórias fortes, entre a transgressão e o popularesco, seja qual fosse o gênero do filme. Dessa vez o que temos é uma crônica da corte, disfarçada de filme de mistério, numa trama que se inicia com o envenenamento da Duquesa de Alba, que teria sido a modelo do célebre quadro de Goya que dá nome ao filme. O crime gera uma investigação, e flash-backs nos põem a par do cotidiano de intrigas da corte e dos possíveis suspeitos do assassinato.

A confusão causada pela memória dos nossos diferentes narradores permite ao fime flertar com os gêneros a que se propõe, tanto o já citado jogo de mistério resolvendo-se por flash-backs, como pela crônica da corte, e também pela discussão da origem da obra de arte, no intrincado jogo de retrato e memória que o quadro simboliza, para o artista, para o mecenas ou para quem posou.

Nesse jogo de um tema que se enreda noutro, o filme nos seduz e surpreende, não pela trama, até bastante óbvia, mas por seu interesse em humanizar, e não santificar ou satanizar, as figuras da corte. Parece que todo o filme busca justificar o desgosto de Goya, fiquei achando um pouco que a intenção é de entender a reviravolta que o pintor deu em sua vida quando abandonou a função de retratista da corte. Numa comparação com a versão da vida do pintor oferecida na mesma época por Saura e Storaro, o filme de Luna parece querer chamar a atenção para este período decisivo. O cineasta, assim, ao invés de assumir uma posição refexiva, buscando repetir ou representar as imagens de Goya em película, prefere a posição do narrador, aquele que conta histórias para entender os gestos e idéias.

(O que pode ser discutível é essa hipótese de explicar opções e rupturas estéticas a partir de fatos da vida cotidiana. Mas o filme não nos obriga a essa interpretação, apenas sugere).

Não importa, tudo isso são digressões que o filme estimula. Mas ele se sustenta sozinho, e muito bem. É daqueles filmes que não justificam elogios isolados, do gênero "a fotografia é deslumbrante" ou "os atores estão perfeitos". Tudo é elogiável, mas o que é preciso dizer é que o conjunto é harmonioso e instigante. É um grande mérito.

Daniel Caetano