Alguma coisa acontece entre dois quarteirões


O Festival do Rio BR tem seus dois quarteirões nobres, não resta dúvida. Eles se localizam no fim da rua Voluntários da Pátria, e neles estão o Estação Botafogo, com 3 salas, e o Espaço Unibanco, com outras 3. Sem dúvida o burburinho que toma conta de lá durante o Festival é um dos grandes acontecimentos do cinema carioca. As salas ficam invariavelmente lotadas nos fins de semana, e é difícil não esbarrar com os amigos.

No entanto, o que falta ao Festival do Rio e a seu público são duas palavrinhas que só o tempo traz: tradição e devoção. O fato é que o público do Rio parece estar menos interessado nos filmes do que no acontecimento cultural. Menos em ver (ou no que vê) do que em ser visto. São as mesmas pessoas que não perdem a peça do Gerald Thomas, circulam no Village no Free Jazz, em suma, são as pessoas que não podem perder seja qual for o evento que a mídia considera importante no momento.

Na Mostra de São Paulo a relação do público é diferente. Claro, existem os grandes filmes de grandes nomes, que nos fins de semana atraem o público que vê um ou dois títulos apenas na Mostra. No entanto, seja no meio da semana, seja no filme do Azerbaijão, a Mostra possui uma outra clientela que o Rio ainda não criou. Uma clientela ávida por se atualizar e assistir tudo. Uma clientela que, a cada ano, aumenta, mas que mantém vários dos mesmos rostos já conhecidos.

Este público dá um charme ao evento de Sampa que um forasteiro como eu não pode deixar de admitir. Eles se encontram na entrada das sessões, na cabine de troca de ingressos antecipados, monta com antecedência suas agendas para ver o máximo de variedade que puder. Troca informações, sussurra, na prática todos parecem se conhecer. Esta irmandade o Rio não tem. No Rio os cinéfilos parecem seres solitários perdidos no meio de um rio de pessoas estranhas ao ambiente. Pessoas que assistem qualquer filme que não esteja lotado, sem nem saber porque.

Nos últimos anos, tendo consolidado o circuito de salas que compõem hoje a Mostra, Leon Cakoff criou um corredor cultural que lembra a Voluntários da Pátria. Começa na rua Augusta no lado dos Jardins, com o Cine Sesc e o Vitrine, passa pelo Cinearte na esquina com a Paulista, desce a Augusta rumo ao Centro no Espaço Unibanco, e estica até o MASP na Paulista. Nestas salas, mas especialmente na trinca Cinearte-Unibanco-CineSesc (até pela qualidade das mesmas) é onde se concentram os “mostrófilos” (como gosto de chamá-los). Como eles vivem com seu programa diário na cabeça, emendando um filme no outro em intervalos quase impossíveis, um dos maiores pontos de encontro é exatamente a rua Augusta, num intervalo de sessão. Há algo de mágico em ver aquelas pessoas correndo como se fosse uma maratona, subindo e descendo a rua, indo da Letônia a Costa do Marfim em 5 minutos. Nos sinais (ou faróis, diriam eles), pausa para troca de informações com os parceiros: que tal o último iraniano ou o japonês?? É esta personalidade, acima de tudo, que o Festival do Rio ainda não tem, e que esperamos que um dia consiga ter. Só depende do público gostar um pouco mais dos filmes e menos do Festival.

Eduardo Valente