2000 Festivais do Rio BR


Não é por acaso a inversão do nome do Festival no título desta matéria. A verdade é que o gigantismo acentuado deste evento que foi o Festival do Rio BR 2000 provoca um fenômeno no mínimo estranho, quiçá esquizofrênico: é impossível que se faça um real balanço do mesmo, pois é impossível que uma pessoa (ou mesmo um grupo como a Contracampo) tenha conseguido viver tudo que é o Festival. Desde o início nós temos insistido que este gigantismo possui vantagens e desvantagens, igualmente. Se, por um lado, o alcance de públicos diferentes é quase ilimitado, por outro falta ao Festival um foco. Ou seja, não se sabe exatamente qual o perfil do Festival, o que ele nos propõe. Além disso, vários importantes acontecimentos (como as retrospectivas, ou uma mostra de vídeos brasileiros, por exemplo) simplesmente somem no meio da oferta de filmes.

Claro que a maioria dos cinéfilos, em algum momento, deve ter passado pelo corredor nobre do Festival, ou seja, os dois famosos quarteirões da Voluntários onde ficam o Estação Botafogo e o Espaço Unibanco. Eles viveram lotados como nunca no Festival, e é certo se supor que vários cinéfilos nem saíram daquelas 6 salas ao longo do evento. O que aqueles quarteirões centralizadores escondem é que havia outros 1999 festivais acontecendo ao mesmo tempo. A idéia deste artigo é, na medida das possibilidades deste redator que rodou o máximo que pôde, e ouviu o quanto foi possível das histórias dos amigos, tentar localizar para os que acham que o Festival só aconteceu na Voluntários da Pátria o quão gigante de fato é o Festival do Rio.

Por exemplo, quem ficou só na Voluntários da Pátria não sabe que...

... na piscina do Copacabana Palace se encontram os convidados internacionais completamente à vontade, de papo com os mortais. Também se via os principais nomes do cinema nacional aproveitando os happy hours que acontecem quase diariamente, às 18hs e que, ao contrário do que se possa pensar, não precisam de convites para a entrada. Outro dia mesmo rodava sozinho e com um olhar meio perdido o diretor Curtis Hanson.

... na vizinha Niterói, terra de Araribóia, era exibida no Cine Arte UFF, uma das maiores salas do Festival, a retrospectiva do Saraceni, para públicos médios de 20 a 25 pessoas por noite. Difícil dizer nesta overdose se o cinema teria mais público se fosse mais prestigiado, se o Saraceni é que não atrai público, se o Cine Arte não se encaixa no Festival. Fatos são só fatos, as interpretações ficam para os outros.

... no Odeon rolavam sessões nobres, com entrada também para o público, quase sempre com a presença dos diretores. Foi lá que Marcelo Taranto escalou uma montanha, que Cláudio Assis falou "do caraio" umas dez vezes, que John Waters olhou espantado os pulinhos de alegria de Ilda Santiago ao apresentá-lo, que Tetê Moraes subiu ao palco com os sem-terra, que alguém gritou que o curta Tropel era "mais ou menos" (após gritos de "chato" e "bom demais"). Em suma, muita coisa aconteceu no Odeon e só no Odeon. Talvez principalmente, foi lá que 600 pessoas assoaram o nariz emocionadas na saída do mais falado filme do Festival, em sessão única, Dançando no Escuro, de Lars Von Trier.

... na Praia de Copacabana, uma lua cheia laranja iluminou talvez o evento mais bonito do Festival, que é o Bonequinho Viu. A cada ano não passa a emoção de ver filmes nacionais exibidos nas areias da praia, para uma platéia ávida, atenciosa, educada. E que prazer é ver um filme com vendedores de cerveja e algodão doce passando. De verdade! Um destes eventos que somem no gigantismo, o Bonequinho talvez seja o mais emocionante momento do Festival.

... no Paço, 4 pessoas viram o Cinema Britânico Hoje, 10 a Mostra Competitiva de Vídeos e 3 o filme Doce Odor de Morte. O fato é que é difícil compreender o papel do cinema no Festival. Durante o ano ele apresenta algumas mostras ou reapresentações interessantes, mas no Festival fica às moscas. Claro, ele também some. Não era caso de deixar ele de fora, como o Jóia??

... no Museu, Ken Loach, Pontecorvo e Saraceni iluminavam as mentes. Muitas vezes não sem problemas, como os filmes de Loach sem legendas prometidas, o que para quem conhece um bom inglês, pode ser uma provação. O fato é que, mesmo sem Loach ou Pontecorvo serem nenhum Tarkovsky, Cassavetes, ou Rossellini, ficou muito desprestigiada a colocação das retrospectivas no Museu, saindo do corredor Botafogo onde sempre ficaram. Assim elas somem junto com os eventos já mencionados e fica a pergunta: não é melhor programá-las fora do Festival?

... ainda no Copacabana Palace, houve seminários e discussões bastante interessantes, desde o cinema digital ao financiamento de filmes pela TV, ao papel da Internet como nova mídia. Claro que a reflexão não estava muito em alta nesta febre de assistir e consumir, mas saíram algumas grandes idéias deste evento que também é aberto ao público.

... no Art Copacabana, uma decoração toda especial foi montada para o Mundo Gay. Cheio de arco-íris e almofadas, conta-se ainda que no meio de um filme ecoou o grito: "O filme é ótimo, mas o banheiro está melhor ainda". Ninguém pode discutir o sucesso de público da mostra, mas será que ela não incentiva mais o gueto e o preconceito do que abre cabeças? O fato é: quem é gay não precisa abrir cabeça vendo filmes gay, e quem não é não se sente convidado a comparecer ao evento tão claramente delimitado.

... no UCI, Cinemark ou Leblon, sabe-se lá quem apareceu para ver Shaft ou U571... Première America, uma mostra sem futuro... Ou pelo menos assim esperamos!!

... na Casa de Rui Barbosa os debates sobre os documentários foram quentes, e alguns filmes, como o Sonho de Rose, ultrapassaram a lotação total da sala. Um espaço novo, sem dúvida, a ser muito bem utilizado.

Bem, isso tudo ajuda a traçar um panorama do que realmente foi o Festival do Rio BR 2000. Certamente um evento que mexeu com a cidade (isso porque não falei dos cinemas da baixada, do Barra Point, do Paissandu, de Ipanema,...). Se o tom do artigo pode parecer meio crítico demais, não é. Pois afinal de contas só aquele festival que aconteceu exclusivamente em Botafogo já ofereceria mais opções e prazeres do que o cinéfilo podia sonhar há alguns anos. O que se propõe é sugerir mais diversidade aos freqüentadores, ao mesmo tempo em que pensar no papel que têm de fato exercido estes outros eventos que talvez merecessem mais atenção, carinho e público do que algo tão gigantesco permite. Mas, no fim das contas, é como dizia o técnico de futebol com excesso de opções no banco: "Antes este problema que o da escassez!"

Eduardo Valente.