Plano Geral

CAPOVILLA E OS DOCUMENTÁRIOS

O documentário brasileiro na Casa França-Brasil

Sempre aos sábados, às 15 horas

As sessões serão seguidas de debates com os autores dos filmes e coordenados pelo cineasta Maurice Capovilla

Em matéria de documentário, como vai o cinema brasileiro hoje? Tentando responder a essa pergunta, o ciclo de filmes programados pela Casa França-Brasil é mais do que um ótimo momento para (re)ver, dessa vez em conjunto, os principais filmes do documentário brasileiro recente. É antes uma oportunidade para se delinear os traços de um gênero que, embora fundamental, quase sempre é muito pouco visível; de atestar, ou não, a vitalidade do documentário brasileiro com quem faz o filmes: após as sessões, as onze fitas (em dez sessões) serão debatidas com seus autores. "A idéia é da programação é criar na Casa França-Brasil um ambiente para o intercâmbio de idéias entre realizadores documentaristas e o público carioca, para ressaltar a importância histórica do documentário brasileiro", diz Maurice Capovilla, que coordenada o evento. O primeiro filme a entrar na roda de debates foi o belo Santo Forte, de Eduardo Coutinho. A programação segue ainda até novembro. Para mais detalhes, consulte a página de Programação de nossa revista.

REFLEXÃO

A Renúncia do Assédio

Assédio, de Bernardo Bertolucci, é um filme sobre o sentimento de vazio diante das possibilidades de escolha, o silêncio diante da incompletude, pois quando se escolhe, algo sempre é deixado para trás. Os caminhos da liberdade são diversos, curvos e nada espontâneos.

Em um mundo onde o individualismo conduz os sentimentos, o destino, aparentemente, deixa de ser uma entidade alheia à vontade do homem, acima do homem, e passa a impregnar as suas atitudes, a sua vontade, perpetuando-se através de suas mãos forjadoras. O homem senhor de si mesmo, tecedor de seu próprio destino. Este desdém diante do Absoluto foi uma conquista árdua, que ainda não se acostumou na mentalidade humana. O homem, órfão de Deus, ainda agarra-se à Ética, à Moral, aos seus sentimentos mais caros e contraditórios, como se estes estivessem tenuemente alinhados e que ainda pudessem levá-lo até o paraíso. Suas escolhas, entretanto, trazem sempre a metade desgarrada da infelicidade, do inferno.

No filme, o amor é algo assim: incompleto, pois implica em uma escolha. A sua exposição aqui, é dinâmica e silenciosa, um espetáculo gratuito, que existe unicamente em função da escolha pressentida, mas esquecida de qualquer responsabilidade. O pianista, Mister Kinsky, é um homem solitário, que se apaixona por sua empregada, Shandurai, mulher refugiada de guerra, casada com um preso político. No início, o músico causa uma certa antipatia, pois suas aparições são inconvenientes e inoportunas. Um patrão que assedia sua servente tem algo de opressor. Mas, durante o desenrolar do filme, ele vai afirmando o seu amor no vazio de sua casa, no silenciar de sua música, no pedir nada em troca, na renúncia. Bertolucci constrói as personagens com delicadeza e maestria, conduzindo-nos através da sutileza e do arrebatamento de seus anseios, submergindo-nos lentamente no mistério das relações humanas.

Interessante apontar algumas semelhanças, conscientes ou não, entre Assédio, e outro clássico do gênero-Casablanca. Ambos são filmes sobre a renúncia, sobre as possibilidades e as formas diversas que o amor pode tomar em seu percurso, em seu amadurecimento. Em ambos, as personagens são exiladas; a mulher, dividida entre o marido e o amante. De uma certa forma, uma guerra perpassa ambos os filmes. A diferença está na abordagem do tema, em sua diluição entre as três personagens. Enquanto que em Casablanca a renúncia é sentida com mais rigor pelo amante vivido por Humphrey Bogart, no filme de Bertolucci, a renúncia é algo que paira no coração de todas as personagens, um elemento comum a todas elas. Ninguém sairá ileso, pois, quando se cativa, torna-se também cativo o responsável, num interminável jogo de culpa e redenção. Casablanca termina em tom nostálgico, com o amante sem a amada, amargamente bem-humorado, em meio a uma bruma compacta. A renúncia oprime o amante, que acaba personificando-a. Assédio termina no momento em que a questão é colocada, cristalizando o sentimento fora das personagens, fazendo-o refogar no momento da incerteza. Mostra, então, a força silenciosa que obriga o homem a escolher entre uma coisa e outra, a renunciar uma coisa, por outra. A liberdade que faz sofrer...

Guilherme Sarmiento