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A "devolução" de Hong Kong à China, em 1997, causou muita apreensão por parte dos cineastas, que jamais viram seu trabalho ser discutido em todas as pautas sobre os problemas que poderia haver. Há um ponto, por exemplo, no mínimo curioso: na China Popular todos os roteiros e posteriormente os filmes prontos devem ser "avaliados" pelo Estado, para serem aprovados para exibição na China, no mundo ou até desaprovados; uma das regras de tal censura é que não pode mostrar nada que comprometa a imagem da China em relação a outros países. Em termos práticos isso significa que um filme em que um chinês se mostre desgostoso com a vida, angustiado, pode ser barrado, pois estaria a dizer que o sistema não funciona suficientemente bem, seria, ainda que indiretamente, uma crítica à China. Talvez por isso Happy Together, que foi realizado em1997, tenha sido filmado em Buenos Aires. Com certeza foi por isso que o projeto de Summer in Beijing acabou por se transformar em In The Mood For Love. As cenas a serem filmadas em Pequim, depois de serem avaliadas, foram reprovadas. Conta Wong ter resolvido mudar o roteiro e fazer com que a Pequim/Beijing do título passasse a ser o nome de um restaurante, e o filme então contaria três histórias cujo ponto em comum seria a comida. Por ter se apaixonado por uma das histórias mais do que as outras, Wong acabou por realizá-la apenas, e essa história é justamente In The Mood For Love. Em entrevista a Tony Rayns o diretor conta que o filme pode ser pensado como a segunda parte de Days of Being Wild tal como ele a conceberia hoje (o nome de solteira da personagem de Maggie Cheung é justamente Su Lizhen, seu nome em Days of Being Wild). Ele disse: "DOBW foi para mim uma reinvenção muito pessoal dos anos 60. Aqui, contudo, nós conscientemente tentamos recriar a época. Eu queria dizer algo sobre como era a vida cotidiana, sobre condições domésticas, vizinhos, sobre tudo. (...) Quando começamos a filmar as cenas de 1962, William Chang perguntou-me se finalmente estávamos fazendo DOBW, parte II. Eu nunca farei a parte II como originalmente pensada, porque a história não significa mais a mesma coisa para mim. Mas em algum sentido isto é a parte II como eu a concebo agora." Assim como fez Amores Expressos em intervalos das filmagens de Cinzas do Passado, Wong começou um novo projeto enquanto fazia In The Mood For Love: é 2046, filme cujo título marca exatamente a data em que se completará o tempo de adaptação dado a Hong Kong pela China Popular, em que a ex-colônia inglesa terá que aceitar, inclusive, o mesmo sistema político em vigor na China. Anunciado como ficção científica e com previsão de finalização para o fim de Outubro, 2046 está intimamente ligado a ITMFL, como diz o cineasta: "...eu disse a William (Chang) que pararia de pensar em ITMFL e 2046 como filmes separados; eu agora penso neles como um só filme. Eles são muito ligados. Pode-se encontrar elementos neste filme que se relacionam com 2046 e haverá traços de ITMFL em 2046 quando este estiver terminado, também. Por exemplo, o elemento do segredo de Chow em ITMFL é, na verdade, de 2046." Wong se refere ao final de ITMFL, em que Chow, o personagem de Tony Leung, sussurra algo em um buraco nas ruínas de um muro em Angkor Wat. Sobre o que tratará "2046" é algo ainda vago, ainda mais se se pensa em um diretor como Wong Kar-wai, que nunca escreve roteiros exatamente para que possa rearranjar as histórias e diálogos à medida que filma; o que podemos dizer certamente é que Hong Kong, mais uma vez, exerce papel essencial, desde que o seu futuro é ele mesmo o futuro do cinema de Wong Kar-wai. Juliana Fausto |
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