Meninos do Tietê

 

Neste filme "documentário", Capovilla parte de uma estrutura clássica (no que diz respeito a seu aspecto formal) e a mescla às tendências cinemanovistas da denúncia socio-político. Para tratar de um dia na vida dos meninos que viviam as margens do rio Tietê no início da década de 60, o filme constrói seu espaço em uma narrativa aparentemente cotidiana , mas que anuncia seu desfecho na sutil montagem em paralelo e nos planos que revelam a tensão que se anuncia ( do outro lado do rio, a cavalaria do exército faz sua ronda...). Está ali anunciado (denunciado) o perigo que vivem aqueles meninos que brincam às margens do rio. A cada mergulho nas águas, então não tão escuras, do Tietê , percebemos a aproximação dos soldados, rondando as margens dos rios, como se esperassem , como se esperassem o óbvio perigo...como urubus. Os barracos onde vivem os meninos não parecem capazes de proteger os meninos que se divertem e cada vez mais desafiam não só o perigo das águas como a ordem inexpressiva e carrancuda dos soldados. Há liberdade no corpo dos meninos, em seus gestos... mas há também miséria, indiferença.

Capovilla faz o discurso de seu filme "documental" sob os moldes dramáticos do filme ficcional (como um bom "documentário" flahertiano) – os personagens são indiferentes à câmera, a câmera procura o melhor ângulo (o plano perfeito). Quer mostrar o que está ali não se querendo parte do que vê.

Por fim, quando um dos meninos faz um mergulho equivocado e quase se afoga no rio, os soldados se aproximam , salvam-lhe a vida e o levam a sua mãe, como que devolvendo a criança à ordem miserável em que vive. Um "documentário" que tenta captar "imagens da vida real cotidiana", mas que está estruturado como o mais alegórico dos filmes "ficcionais". E deste modo, Capovilla faz um filme que tem seu valor não naquilo que se pretendeu ser – um retrato da realidade brasileira; mas naquilo que findou por se tornar: uma crônica em recorte poético da sociedade brasileira.

Felipe Bragança