Plano Geral

CARTAS DOS LEITORES

Conversation between intelligent men

Prezados amigos contracampistas:
Após lembrá-los da situação lamentável em que se encontra o cadáver do cinema, insepulto e sem ritos, volto novamente a escrever-lhes, não exatamente para falar mal dos mortos, mas para chamar os vivos de volta a razão. Refiro-me ao artigo do crítico Ruy Gardnier intitulado Um Acontecimento Espetacular. Surpreendeu-me ver tal assunto abordado numa revista de cinema. Surpreendeu-me que o senso comum tenha invadido uma revista que deveria justamente ser um antídoto contra ele (e não me refiro apenas ao senso comum popular, mas principalmente ao senso comum acadêmico). Afinal, depois de sete(!) páginas no Globo e mais todo o resto, gritos, exclamações, "indignação nacional", e todo o lixo que vem junto, como bem notou o articulista, não esperava que a Contracampo embarcasse nessa, principalmente quando nada foi feito além de repetir esta mesma "indignação" sob um outro prisma.

Mas o pior de tudo é que o referido artigo se aproveitou daquela ocorrência infeliz para repetir surrados ataques contra a cultura clássica, escorregando feio na lengalenga miserável do historicismo, citando a frase boba do Adorno e sua moral de sacristia (ou seria de sinagoga?): é possível poesia depois de Auschwitz? Perplexo, a princípio não entendi como foi que a poesia, ou a arte, ou Auschwitz foram parar num artigo que pretendia, se não me engano, analisar o comportamento irresponsável da mídia impressa e televisiva e seus desdobramentos no discurso capenga das facções políticas que almejam o poder. Eis que, repentinamente, somos advertidos do fim do humanismo idealista, do fim de Goethe, acusado (pobre poeta!), de praticar uma "arte conciliatória" (sic), a qual não podemos aceitar em face das mazelas que nos assolam.

Após essa intempestiva intromissão da grande luta arte X barbárie, o crítico inicia uma série de referências a artistas "não-reconciliados" com o mundo, para os quais não se pode "poetar sobre o impoetável". Beckett, Artaud, Straub, Duchamp e Andy Kaufman não se reconciliaram com o mundo e esta, segundo o crítico, é a única atitude digna. Tudo o mais seria cinismo e hipocrisia, diante de eventos tão esmagadores quanto os campos de concentração, os quais os cineastas íntegros lamentam não ter filmado, para assim redimir a arte cinematográfica (e a arte como um todo!) perante o pesadelo da História. Triste!

Minha perplexidade aumentou. Afinal, o que Ruy Gardnier queria dizer com tudo isso? Por que Goethe não é mais possível? O que tem Auschwitz a ver com o 174? O que é "poetável" e "impoetável"? Onde entra a poesia nisso tudo? Finalmente, tudo se esclarece. O crítico identificou, durante a transmissão ao vivo do sequestro pela TV Record, na tentativa grosseira de metáfora popularesca, típica de programas policiais, uma inaceitável transformação de uma tragédia em - seguindo toda a argumentação anterior - arte idealista conciliatória. No desastrado " filosofar" do locutor, Ruy Gardnier acusou poesia!

É óbvio que se o crítico confunde uma intervenção infeliz de um apresentador de TV com a produção artística de um Homero, um Shakespeare, um Goethe, um Valéry, trata-se de um sinal inequívoco de que é ele, na verdade, com sua imaginação desenfreada, que está a "poetar sobre o impoetável". Essa confusão mostra que a barbárie se instalou no próprio articulista, que não consegue distinguir Datena de Dante (de resto, assim como os outros poetas citados, totalmente "não-reconciliado". Basta ler, mesmo superficialmente).

Ao escândalo da indignação com a "poesia" e a espetacularização do nosso Auschwitz rodoviário, segue-se, na mesma revista, um mistério: esquecido da ética da "não reconciliação", esquecido de Straub e de Adorno, o mesmo crítico "reconcilia-se" com o mundo através da hipnose hecatômbica de John Woo. Tão pródigo em analogias, ele não liga o espetáculo da morte promovido por Hollywood ao espetáculo da morte no noticiário televisivo, apesar do criminoso ter gritado em alto e bom som, que aquilo não era filme, era realidade. Apesar da negativa, a referência era exata. Pouco importa se Woo pratica o distanciamento. O bandido também. O primeiro a "poetar com o impoetável" foi ele, ao simular uma execução com o auxílio do "executado". Mas pensar sobre isso iria estragar o prazer estético do nosso articulista, que enxerga música no filme de Tom Cruise.

Se Goethe não é mais possível, mas John Woo sim, graças aos Auschwitz e 174, tão velhos quanto o mundo ou a poesia, isso prova a aliança desastrosa de nossos artistas e filósofos com o establishment consumista, com o qual se "reconciliarão", de um modo ou de outro. Antenas da raça, não mais. Uma raça de antenas, é mais provável.

Um abraço,
Jayme Chaves

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Nobre Jayme,

É salutar a discussão em torno de todos esses pontos, ao menos para mim. E como o seu texto toca em muitos deles, vamos um a um:

1) Goethe – ele aparece quatro vezes no seu texto, cinco se contarmos com o "ataque à cultura clássica", quando, se ataque há, é só ao dramaturgo, romancista e poeta alemão. A referência a Goethe é pontual, e diz respeito à discussão Goethe-Schiller a respeito do sentido da obra de arte. E a opção pela reconciliação dentro da obra não é apenas uma opção artística: ela opera em conjunto com uma visão de mundo e de sociedade – que não diverge em muitos aspectos da visão hegeliana – em que os dois pólos opostos de uma obra narrativa devem se reconciliar ao final, respeitando uma ordem do mundo superior às contingências, segundo uma lógica que, mais uma vez, não é sem relação com a dialética. Houve opositores "não-reconciliados", como o último Hölderlin ou Kleist. E é só ver qual foi a reação dos papais Goethe e Schiller...

2) Th.W. Adorno – sim, sua moral é de sinagoga, em muitos aspectos. E o luto por não filmar os campos de concentração (na verdade uma remissão não-declarada ao Godard das Histoire(s) du Cinéma) talvez possa ser encarado da mesma forma. Mas não creio que, no meu texto, seja questão disso. Longe de buscar um essencialismo ético do cinema com o real, o que o artigo tenta é manter as múltiplas possibilidades de relação cinema/real, deixando de quarentena apenas uma (que, infelizmente, é majoritária): a que, apropriando-se do discurso histórico, cria em cima dele uma fábula reconciliatória, logo espetacular: Saving Private Ryan ou Schindler's List: com eles, é o mundo que passa a ser regido por uma lógica "dialética".

3) Conciliação – talvez haja realmente uma diferença de postura política, não sei. Em todo o caso, o assunto do artigo não é "analisar o comportamento irresponsável da mídia impressa e televisiva e seus desdobramentos no discurso capenga das facções políticas que almejam o poder", e muito menos a intenção do texto é repetir a indignação sobre outro prisma. Como revista de cinema, Contracampo está preocupada com a situação da imagem, com seu valor – logo, com suas múltiplas manifestações na sociedade, porque o cinema se interrelaciona profundamente com elas (se o cinema hoje é publicitário, é muito em função da TV, da propaganda e inclusive das variações do sistema capitalista). Se o artigo partiu de um acontecimento midiático no Rio de Janeiro (o fato de ser midiático não o torna menos acontecimento), ele tem entretanto uma amplidão maior do que uma crítica dos meios de comunicação. Igualmente não se quer mostrar indignação; ao contrário, busca-se cassar a indignação montada em imagens prévias de mundo, imagens (à esquerda ou à direita) conciliatórias.

4) Ética/estética – talvez essa "diferença política" seja regida por uma visão diferente da arte no contexto social. O seu texto leva a crer que qualquer objeção ética à obra de arte é sem sentido, pois ela se rege simplesmente por seu valor estético. É uma teoria muito em voga e, ela sim, altamente espetacular, altamente "pó-mó", altamente diletante, enfim, altamente "raça de antenas". Ou talvez esse "leva a crer" seja uma aparência e realmente é possível uma objeção ética à obra de arte, só que sem o pretenso dogmatismo ou messianismo do meu artigo. Contra essa interpretação, digo que não caio em contradição ao elogiar John Woo ou Wes Craven, porque em momento algum o cinema deles realiza uma petição de adequação à realidade. Esse "platonismo da imagem" do qual uma possível (má) leitura do meu texto possa me acusar não procede: aquilo de que se trata em arte é da potência do falso em produzir verdadeiros, e não da essencialidade do verdadeiro em produzir verdades (o que os críticos franceses da nouvelle vague chamavam de macmahonismo).

5) Poetável – o mundo é poetável, sempre. É nesse sentido que não dá pra coadunar com Adorno e com uma possível leitura de Godard. Agora, há que se resguardar sempre um limite para o intolerável. Sem um limite ético para o intolerável, não existe atuação política possível, existe apenas hiperconformismo e contemplação. Não quero jamais barrar a leitura de Goethe, mesmo porque não creio ter lido 10% de sua obra (e porque minha tentativa seria obviamente em vão). Agora, a tal função-Goethe do sentido da obra, essa sim está aí para ser questionada e barrada, porque já não é possível acreditar num mundo "dialético", com explicação reconciliatória num mundo que não mais acredita que terá fim, num mundo que parece cada vez mais sujeito à mudança.

6) Poesia – apesar da virtuosidade da escrita – concretamente associar Datena a Dante, sobrando apenas um "a" – não deixa de restar um quê de maldade ao dizer que eu "confundi" a apresentação de um locutor de TV com o trabalho de Homero ou Shakespeare ou Valéry. Pois nada no texto leva a crer que eles seriam poetas reconciliatórios. Como não consigo encontrar em nenhum dos textos citados motivo para toda a raiva expressa nos três últimos parágrafos, deixo-os sem resposta, acreditando-os mais como stream of consciousness do que como verdadeiras críticas a minhas posições. Fluxos de consciência que, como ex-contracampista, você poderia de bom grado colocar nas .html de Contracampo, e tentar me explicar sobre o "espetáculo da morte promovido por Hollywood", sobre o cineminha impoetável do ladrão do 174 ou sobre os avatares do establishment consumista. Ou ainda sobre o cinema insepulto. Eu aguardo.

Cordialmente,
Ruy Gardnier

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A Propósito de uma saudável polêmica...

A propósito da saudável, e sobremaneira necessária, polêmica travada entre Jayme Chaves e Ruy Gardnier no Plano Geral da corrente edição de CONTRACAMPO, gostaria de humildemente registrar algumas observações.

"O seu texto leva a crer que qualquer objeção ética à obra de arte é sem sentido, pois ela se rege simplesmente por seu valor estético", asseverou Gardnier a respeito da posição que Chaves presumivelmente estaria assumindo em seu artigo. Creio firmemente que qualquer objeção ‘ética’ a uma obra de arte não é apenas "sem sentido"; é, sobretudo, ridícula e inaceitável. Uma obra de arte deve, sem sombra de dúvidas, ser julgada em função de seu valor artístico (ou estético, como queiram...), e não em função de sua pretensa importância histórica ou de qualquer código de valores éticos, políticos ou comportamentais. O valor de uma obra de arte se transfigura na excelência intrínseca de sua realização, na potência efetiva de seus artifícios evocativos, em sua capacidade de transfigurar para o espectador/leitor a vertigem transcendente de infinitos universos imaginativos. Do mesmo modo, um artista é importante ou não pelo lugar que ocupa, pelo significado que adquire ao longo dos anos em nossa trajetória pessoal; por conseguinte, nem antenas da raça nem tampouco raça de antenas, mas companheiros de viagem. Discorrendo sobre o caráter eminentemente subjetivo e intransferível que envolve a apreciação da poesia em particular, e das obras de artes em geral, escreveu Paul Ambroise Valéry em seu ensaio Questões de Poesia: "Esse é um assunto particular, a beleza; (...) Nunca é certo que um tal objeto nos seduzirá; nem que, havendo agradado (ou desagradado) uma vez, agradará (ou desagradará) na vez seguinte. Essa incerteza que frustra todos os cálculos e todos os cuidados e que permite todas as combinações com os indivíduos, todas as rejeições e todas as idolatrias, faz com que os destinos das obras participem dos caprichos, das paixões e das variações de qualquer pessoa. Se alguém aprecia realmente um poema, sabemo-lo através do que ele comenta a respeito como sendo uma afeição pessoal - se é que ele fala a respeito". Todavia, prossegue Valéry em sua reflexão, se quisermos avaliar as obras de arte em função de critérios a ela alheios, sejam eles objetivos, éticos ou históricos, precisaremos ter "cuidado para não se corromper dessa forma o sentido próprio e verdadeiro da arte". Vejamos como o sempre elegante e genial escritor francês descreve tal processo de degradação: "Essa corrupção consiste em substituir a precisão absoluta do prazer ou do interesse direto excitado por uma obra por precisões inúteis e externas ou opiniões convencionais, em fazer dessa obra um reagente que sirva ao controle pedagógico, uma matéria com desenvolvimentos parasitas, um pretexto para problemas absurdos... Todas essas intenções colaboram para o mesmo efeito: esquivar-se das questões reais, organizar uma confusão...". Tais procedimentos levam o espírito apreciador das obras de arte a espantar-se "até o limite do espanto". O espírito proclama: "nada vejo em tudo isso que me permita ler melhor este poema, executá-lo melhor para meu prazer; nem conceber mais distintamente sua estrutura. Incitam-me a algo totalmente diferente e nada existe que não seja procurado para desviar-me do divino".

Proponho agora à reflexão dos leitores a análise de um simples caso. Consideremos, por exemplo, a seguinte passagem dos Cantos de Maldoror (Canto II, estrofe 13), onde a personagem de Isidore Ducasse, vulgo Lautréamont, dispara, triunfal, contra náufragos indefesos:

"(...) Par surcroît de précaution, j’avais été chercher mon fusil à deux coups, afin que, si quelque naufragé était tenté d’aborder les rochers à la nage, pour échapper à une mort imminente, une balle sur l’épaule lui fracassât le bras, et l’empêchât d’accomplir son dessein. Au moment le plus furieux de la tempête, je vis, surnageant sur les eaux, avec des efforts désespérés, une tête énergique, aux cheveux hérissés. Il avalait des litres d’eau, et s’enfonçait dans l’abîme, ballotté comme un liége. Mais, bientôt, il apparaissait de nouveau, les cheveux ruisselants ; et, fixant l’œil sur le rivage, il semblait défier la mort. Il était admirable de sang-froid. (…) Quel courage ! Quel esprit indomptable ! Comme la fixité de sa tête semblait narguer le destin, tout en fendant avec vigueur l’onde, dont les sillons s’ouvraient difficilement devant lui !... Je l’avais décidé d’avance. Je me devais à moi-même de tenir ma promesse : l’heure dernière avait sonné pour tous, aucun ne devait en échapper. Voilà ma résolution ; rien ne le changerait... Un son sec s’entendit, et la tête aussitôt s’enfonça, pour ne plus reparaître. Je ne pris pas à ce meurtre autant de plaisir qu’on pourrait le croire; (...) Quelle volupté ressentir à la mort de cet être humain, quand il y en avait plus d’une centaine, qui allaient s’offrir à moi, en spectacle, dans leur lutte dernière contre les flots, une fois le navire submergé ?.

O crime perpetrado no famigerado 174, inegavelmente brutal, parecerá a qualquer pessoa um domingo no parque comparado ao atroz cenário descrito pela admirável prosa poética de Lautréamont. Exaltados pela pena flamejante de Ducasse, outras façanhas ainda mais espantosas, dignas dos mais aterradores algozes de Auschwitz ou Treblinka, se somam às peripécias de Maldoror: num dado momento, o ‘herói’ e seu bull-dog estraçalham uma criança adormecida; noutro, um adolescente é dilacerado; na oitava estrofe do canto 4, Maldoror escalpela alegremente o colega de escola Falmer. Outros exemplos poderiam ser aqui mencionados, o que, no entanto, seria assaz vão e fatigante para o que pretendo neste momento demonstrar. O que deve ser ressaltado é que Lautréamont poetiza, e o faz com um lirismo digno das mais requintadas e evanescentes epifanias poéticas de um Coleridge ou de um Jules Laforgue, acontecimentos que são rigorosamente impoetáveis no entendimento de nosso amigo Gardnier. Seria inevitável, pois, no quadro dos parâmetros estabelecidos pelo Tribunal Gardnier, concluirmos que o poeta francês é culpado pelo terrível crime de transformar em espetáculo a morte, o estupro, a profanação de cadáveres, etc. Lautréamont é, portanto, o supremo monstro anti-ético que converte as mais inaceitáveis atrocidades em poesia; enquanto isso..., bem, enquanto isso o "diretor musical" John Woo, artista que milita nas hostes de Hollywood, venerável e virtuosa Pléiade do celulóide, realiza em Mission Impossible: 2 "um jogo de experimentações espaciais com o espectador", que, fremindo de genuína emoção estética, deve render-se de modo inapelável ao "poder de sedução de uma imagem criada por um mestre de formas". (É isso aí, vivendo e aprendendo... e eu que pensava que mestre de formas era um qualificativo adequado para um Antonioni, um Cocteau, um Resnais ou um Dreyer?!?!?).

Mas voltemos à vaca fria: será mesmo possível, cabível, aceitável, justificável que julguemos um artista como Lautréamont à luz de critérios como os acima mencionados? Será que devemos, portanto, ignorar o assombroso vigor poético de Lautréamont, que ao poetizar o impoetável, ao extrair do horror a dimensão do sublime, talvez esteja justamente querendo nos exibir a terrível e dissonante beleza de uma era de milagres cruéis? Porque se assim o fizermos, teremos de repudiar, a despeito de seu virtuosismo artístico, sejam eles Dantes ou Datenas, todos os poetas que ousarem poetizar o inominável. Ou será que poderemos absolver Lautréamont como um dos famosos não-reconciliados, seja lá o que isto possa significar? Ah, e não nos esqueçamos também de outra tarefa inerradável que nos é imposta: a de barrar e questionar a ultrapassada cosmovisão dos conciliatórios, de alicerces fundamentais e perenes da cultura universal como Dante, Petrarca, Calderón de La Barca, Racine, Goethe, Coleridge, Borges, Valery e, por outro lado, celebrar a lucidez crítica dos não-reconciliados, de gênios como Elio Gaspari, Veríssimo, John Woo, Wes Craven e outros luminares do lindo Brave New World em que vivemos!!!

Abordando o outro lado da moeda, e encerrando estes já demasiado extensos comentários, pergunto ainda: terá a mídia, este mefistofélico moedor de carnes e consciências do admirável campo de concentração espetacular em que vivemos, a capacidade, ou o intento, de poetizar o quer que seja??? Ou terá a mídia tão somente a capacidade, e sobretudo a deliberada intenção, de assimilar, formatar e empacotar para consumo rápido e imediato tudo o que for possível e concebível, desde o meigo sorriso de um Teletubbie até a pavorosa chacina de um telejornal sensacionalista, ou seja, o firme propósito de levar a cabo a sórdida alquimia que transforma tudo e mais alguma coisa em mais e mais DINHEIRO e PODER?!?!? Quais são de fato os métodos e objetivos da mídia, e não apenas da mídia tradicional, mas principalmente das estruturas de entretenimento a ela vinculadas, como Hollywood e todo seu tóxico arsenal de Woos, Cravens e Carpenters?!?

Alfredo Rubinato

Re: A Propósito...

Tom Zé já bem dizia que ela se encontra igualmente nas academias de louros e letras. Principalmente, dizia ele, nas academias de louros e letras. Lá, ela é cuidadosamente cultivada, em estufas, até. Não devia, porque ela devia desaparecer à razão do crescimento da cultura. Mas parece que o acúmulo de cultura cresce à razão inversa da capacidade intelectual, e ela reina senhora absoluta. Lá ela defende-se do presente com um passado empedernido, mitológico. Lá, ela pretende-se passar por virgem, até.

O fato é que, com um instrumental que mais o caracteriza como decadente do que decadentista, ele tece provocações tolas, citações de um pedantismo ímpar, um cruel desprezo pela arte contemporânea para refugiar-se no plácido castelo do canônico de mil séculos de solidão. Alfredo Rubinato, se já demonstrava isso antes, dessa vez mostra as asinhas para a) interpretar atabalhoadamente os meus textos; b) colocar palavras na minha boca ou letras em meus textos; c) desrespeitosamente aproveitar-se de falácias que ele mesmo cria para, em público, fazer pouco de um texto do mesmo veículo para o qual ele escreve.

Desfazendo, então, os argumentos falaciosos e recolocando aquela de quem fala o Tom Zé em seu devido lugar:
-- Goethe: tudo explicado mais acima.
-- todos os outros artistas clássicos: cada um que fale por si; eu não falo por/sobre nenhum deles. Alguns nem mesmo li. Cada um que faça o seu tribunal. Não empresto meu nome a nenhum.
-- quando falo das relações entre ética e estética, não digo que é possível emitir juízos éticos acerca de obras estéticas; digo, ao contrário, e isso é a mais óbvia verdade, que toda estética pede uma ética que a justifique. "Belo" é também um juízo moral.
-- Qualquer leitura rasteira de qualquer dos meus dois textos – o artigo "que deu origem à série" ou a resposta ao Jayme – colocaria Lautréamont, de longe, como um não-reconciliado. Mas a má-vontade é sempre maior...
-- Talvez lhe pareça muito bonito comparar 174 a Maldoror. Sobretudo porque a sua vida não deva passar de um delírio estético de menino mimado pelo dinheiro (e, em parte, pelo poder). Mas você há de concordar que há gente que acredita que há mais na vida do que isso. E a esses a comparação é repugnante.

Ruy Gardnier